domingo, 14 de setembro de 2025

O PENSAMENTO CIENTÍFICO,
OS CIDADÃOS, AS PARACIÊNCIAS
E A DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

Introdução

A busca pelo conhecimento é uma constante na trajetória humana. Desde as civilizações antigas, o ser humano procura compreender a origem da vida, o sentido da existência e os mecanismos invisíveis que regem a realidade. Pesquisas contemporâneas, como o inquérito conduzido pelos sociólogos Daniel Boy e Guy Michelat do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), na França, revelam que grande parte da população mantém interesse por fenômenos considerados “paracientíficos”. Entre os entrevistados, 55% acreditavam na transmissão do pensamento (telepatia), 35% na previsão por sonhos e 55% nas curas por imposição das mãos.

Esses dados mostram que, embora vivamos numa era marcada pelo avanço científico e tecnológico, há um espaço persistente para o espiritual e o metafísico na mente humana. Esse fenômeno convida a refletir sobre os limites do pensamento científico tradicional, a postura dos cidadãos diante das chamadas “paraciências” e a contribuição da Doutrina Espírita — codificada por Allan Kardec no século XIX — para a compreensão racional e ética desses temas.

O Pensamento Científico e seus Limites Epistemológicos

A Epistemologia ensina que a ciência não é um conjunto imutável de verdades, mas um processo histórico e autocorretivo de construção do conhecimento. Os cientistas são seres humanos inseridos em contextos sociais e culturais específicos, com crenças, limitações e vieses. Como lembrava Allan Kardec na Revista Espírita (março de 1860), a ciência deve acolher novos fatos com espírito de exame e não de preconceito, pois “a negação sistemática é tão censurável quanto a credulidade cega”.

O problema surge quando o pensamento científico institucionalizado confunde a crítica metodológica com o dogmatismo. Muitos fenômenos mediúnicos — como efeitos físicos, materializações, xenoglossia ou transmissão do pensamento — foram historicamente descartados não por falta de indícios, mas por não se ajustarem aos paradigmas aceitos. A epistemologia, no entanto, adverte que ignorar dados anômalos por não se enquadrarem em teorias vigentes é um erro metodológico.

Os Cidadãos e o Fascínio pelas Paraciências

A pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) mostra que a população não é impermeável ao que escapa ao senso comum científico. Jovens entre 18 e 35 anos, especialmente ligados à “geração ecológica”, revelam forte interesse em práticas consideradas marginais, como astrologia, telepatia e curas energéticas. Isso não significa rejeição da ciência: 54% dos inquiridos afirmaram acreditar que as “ciências marginais” serão integradas ao conhecimento oficial no futuro.

Esse comportamento expressa um fenômeno sociológico relevante: a ciência, para manter seu prestígio social, precisa dialogar com as percepções e experiências dos cidadãos, e não apenas descartá-las. Quando as instituições científicas ignoram esse diálogo, surgem espaços que são preenchidos por crenças, pseudociências ou espiritualismos acríticos. O risco não está em estudar o invisível, mas em fazê-lo sem método, sem lógica e sem ética.

A Doutrina Espírita como Proposta de Integração Racional

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir de 1857 com obras como O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, nasceu justamente do esforço de integrar a observação de fenômenos mediúnicos ao raciocínio crítico e ao método comparativo. Kardec não se limitou a recolher comunicações dos Espíritos: ele aplicou critérios de universalidade, concordância e lógica, estabelecendo o que chamou de “Controle Universal do Ensino dos Espíritos” (Revista Espírita, abril de 1864).

Dessa forma, o Espiritismo não ficou restrito à fenomenologia. Avançou para os campos ético e filosófico, oferecendo explicações racionais sobre a natureza espiritual do ser humano, a sobrevivência da alma, a pluralidade das existências e a comunicabilidade dos Espíritos — sempre convidando à análise e à experimentação, e não à aceitação cega. Kardec defendia que “a fé inabalável é apenas aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, item 7).

Das Paraciências à Ciência: Um Ciclo Recorrente

Diversos cientistas célebres, movidos inicialmente pelo ceticismo, acabaram reconhecendo a autenticidade dos fenômenos mediúnicos após estudá-los com rigor. Entre eles, destacam-se William Crookes (físico inglês), Charles Richet (prêmio Nobel de Fisiologia), Ernesto Bozzano, Gustav Geley, César Lombroso e Alexandre Aksakof. Muitos enfrentaram perseguição acadêmica por desafiarem os paradigmas dominantes, mas sua coragem abriu caminhos para disciplinas como a Metapsíquica no final do século XIX e a Parapsicologia no século XX, impulsionada por Joseph Banks Rhine nos Estados Unidos.

Ainda que esses campos tenham mudado de nome e métodos, os fenômenos básicos continuaram os mesmos: telepatia, clarividência, psicocinesia, premonição, entre outros. A diferença é que, enquanto essas ciências os tratam como anomalias estatísticas, o Espiritismo os compreende como expressões naturais da interação entre o mundo espiritual e o mundo material — uma visão integradora que lhes confere sentido ético e finalístico, e não apenas mecânico.

Conclusão

O debate entre pensamento científico e paraciências não é um embate entre razão e irracionalidade, mas entre paradigmas distintos de compreensão da realidade. A Doutrina Espírita mostra que é possível abordar fenômenos espirituais com espírito crítico, sem dogmas, mas também sem reducionismos.

A ciência, como construção humana, avança ao reconhecer novos fatos e reformular suas teorias; o Espiritismo, como doutrina filosófica de consequências morais, convida a unir a investigação intelectual à responsabilidade ética. Nessa convergência, cidadãos e cientistas podem deixar de ser antagonistas e se tornarem aliados na busca do conhecimento, respeitando tanto a objetividade dos métodos quanto a subjetividade das experiências humanas.

Referências

  • O Livro dos Espíritos — Allan Kardec, 1857.
  • O Livro dos Médiuns — Allan Kardec, 1861.
  • O Evangelho segundo o Espiritismo — Allan Kardec, 1864.
  • Revista Espírita — Allan Kardec, 1858–1869.
  • Traité de Métapsychique — Charles Richet, 1922.
  • Researches on the Phenomena of Spiritualism — William Crookes, 1874.
  • Human Personality and Its Survival of Bodily Death — Frederic W. H. Myers, 1903.
  • Extra-Sensory Perception — Joseph Banks Rhine, 1934.
  • Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) — Pesquisa sobre crenças dos cidadãos franceses (França), publicada em Le Monde, 17 fev.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

JOIO E TRIGO: O DISCERNIMENTO E A ESCOLHA - A Era do Espírito - Introdução A parábola do joio e do trigo, narrada por Jesus Cristo no Evan...