domingo, 28 de setembro de 2025

O QUE TEM QUE SER SERÁ — LIÇÕES ESPÍRITAS
SOBRE PROVAS, LIVRE-ARBÍTRIO E PERSEVERANÇA
- A Era do Espírito -

Introdução

Vivemos em tempos de incerteza e desafios — pandemias, crises sociais, tensões emocionais. Nessas ocasiões, muitos recorrem a expressões religiosas ou frases inspiradoras: “Tudo posso naquele que me fortalece”, “Se Deus está comigo, quem estará contra mim?” etc. No entanto, quando somos diretamente atingidos pela adversidade, frequentemente percebemos que aquilo que pregávamos “para os outros” não tínhamos ainda aprendido a viver em nós mesmos.

À luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec e sustentada pela Revista Espírita (1858-1869), esse contraste nos convoca a refletir sobre dois temas centrais: provas e expiações e livre-arbítrio, no propósito de compreender que “o que tem que ser será” não significa passividade, mas sim responsabilidade e ação consciente no plano moral e espiritual.

Provas, Expiações e Escolhas do Espírito

A condição da Terra como mundo de provas e expiações

Para o Espiritismo, a Terra é um mundo de provas e expiações. Ela oferece desafios morais e físicos que ajudam o Espírito a crescer, expiar débitos ou aceitar lições essenciais. Essa visão não nega a justiça divina; ao contrário, a sustenta por meio da lei de causa e efeito (ou ação e reação).

Distingue-se entre prova e expiação:

·         Prova é o desafio voluntariamente escolhido ou assumido como meio de avanço espiritual;

·         Expiação é a reparação obrigatória de faltas cometidas anteriormente, que o Espírito enfrenta como oportunidade de redenção.

Em muitos momentos da existência, as provas podem anteceder as instruções, e delas devemos extrair aprendizagem. Assim, não há tristeza ou revés que seja desprovido de propósito.

Livre-arbítrio e determinação espiritual

O Espiritismo ensina que o Espírito tem liberdade de escolha — o livre-arbítrio — mas essa liberdade é relativa, condicionada ao grau de evolução e ao ambiente no qual ele se encontra.

Segundo O Livro dos Espíritos, a questão da “fatalidade” é esclarecida pelos Espíritos afirmando que o livre-arbítrio não pode ser completamente tolhido; porém, a marcha dos acontecimentos ou o contexto pode impor limites exteriores à manifestação da liberdade.

Em outras palavras:

1.    O Espírito pode escolher o tipo de provas ou condições que aceitará encarar (em parte), antes mesmo de reencarnar.

2.    Entretanto, os detalhes de cada momento — doenças, catástrofes, encontros inesperados — decorrem da condição material, das leis da natureza e das consequências dos atos passados (lei de causa e efeito).

3.    Há também o determinismo “positivo” (ou providencial), quando o plano espiritual permite que o Espírito seja colocado em certas circunstâncias para cumprir tarefas ou lições específicas, sem que isso signifique eliminação do livre-arbítrio.

Assim, “o que tem que ser será” não é uma formulação passiva de resignação, mas o reconhecimento de que nem tudo está sob nosso controle — e que, dentro do que nos cabe, devemos agir com retidão.

Aplicações nos Tempos de Hoje

As pandemias e as circunstâncias imprevistas

A recente pandemia serviu de escola coletiva: muitos ficaram confinados, adoeceram, perderam entes queridos, tiveram suas economias abaladas. Essas circunstâncias não são totalmente previstas ou controladas pelos indivíduos, mas surgem dentro das leis naturais e da interação entre escolhas humanas, ambiente e causas ancestrais.

Do ponto de vista espírita:

·         O vírus, enquanto fenômeno natural, atua segundo leis biológicas, e sua disseminação envolve causas conexas, incluindo escolhas humanas (uso responsável de recursos, precauções sanitárias, ciência) e fatores naturais.

·         Alguns Espíritas interpretam que a pandemia também pode ter sido programada (em parte) como oportunidade coletiva de aprendizagem, solidariedade e transformação moral.

·         O importante é não assumir postura passiva diante da provação, mas participar ativamente: ajudando, orientando, cuidando, contribuindo com as necessidades da coletividade.

As desigualdades sociais e restrições ao “confinamento ideal”

O confinamento ideal é impossível em diversas condições sociais: moradores de rua, famílias morando em um ou dois cômodos, habitações precárias etc. Isso evidencia que o direito à proteção e à saúde exige soluções de justiça social — e não simplesmente o mandamento abstrato de “confinar”.

Nesse contexto:

·         A obrigação moral do Espírita é atuar concretamente para amenizar o sofrimento dos mais vulneráveis, e não fechar os olhos para as desigualdades que limitam escolhas.

·         A “fiel resignação” não pode ser desculpa para omissão: é incompatível com o princípio do serviço e da caridade que permeia o ensino cristão espírita.

“O Que Tem Que Ser Será” – Um Lema Responsável

Quando alguém afirma que “o que tem que ser será”, pode querer dizer duas coisas, dependendo do entendimento:

  • No sentido resignado e passivo, é uma desculpa para abdicar da luta — aceitar tudo sem crítica ou ação.
  • No sentido espírita profundo, é admitir que há leis que regem a existência, que não somos donos absolutos de tudo, mas que devemos usar o que nos cabe de livre-arbítrio para construir obras boas, mesmo nas adversidades.

Assim, para o homem que vive com consciência moral:

  1. Aceitar o imponderável com serenidade (o que não podemos mudar).
  2. Mobilizar-se moralmente dentro do que lhe cabe (o que podemos fazer).
  3. Aprender com cada lição, reconhecer limitações, mas jamais abster-se do progresso interior.

Conclusão

A reflexão espírita nos leva a elevar nosso olhar: a vida corporal é fugaz; a vida do Espírito é eterna. As dificuldades e sofrimentos de hoje, vistos do futuro espiritual, podem parecer pequenas pedras no caminho — ou oportunidades indispensáveis para crescermos.

“O que tem que ser será” não é carta branca para a ociosidade ou para o desânimo. É um convite à humildade diante do mistério, à aceitação serena do acaso, mas também à ação consciente e moral. Que possamos, em meio às provações, manter firme a fé que enfrenta a razão e servir ao próximo com desprendimento, sabendo que cada ato de amor reverbera eternamente.

Referências

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