Introdução
Desde a
Antiguidade, o ser humano busca compreender a organização da natureza.
Classificações tradicionais dividiram os seres em orgânicos e inorgânicos; mais
tarde, em reinos mineral, vegetal e animal; e, com o avanço da ciência,
acrescentou-se o reino humano como um estágio diferenciado da evolução.
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir de 1857, acrescenta a
esse debate uma perspectiva singular: a de que, além da evolução material e
biológica, existe a evolução espiritual. O Espírito, criado simples e
ignorante, percorre longas etapas de aprendizado, desde os primeiros rudimentos
da vida até alcançar a razão, o livre-arbítrio e, finalmente, a
responsabilidade moral.
Essa
visão amplia o entendimento científico dos reinos da natureza, oferecendo uma
chave de leitura espiritual e moral para o processo evolutivo.
Os Três Reinos e a Perspectiva Espírita
Em O
Livro dos Espíritos, especialmente no capítulo XI do Livro Segundo, Kardec
discute os três reinos — mineral, vegetal e animal — e a condição singular do
homem. Os minerais, seres inorgânicos, representam a matéria inerte, sem
vitalidade, caracterizados apenas por forças físicas e mecânicas, como a
atração. O reino vegetal já apresenta a vida orgânica, embora sem consciência
ou sensibilidade moral, limitando-se à vitalidade e ao instinto de conservação.
O reino
animal, por sua vez, introduz o instinto mais elaborado e sinais de
inteligência rudimentar, conferindo ao ser vivo uma individualidade relativa e
uma forma inicial de liberdade, ainda restrita às necessidades materiais. Entre
o animal e o homem há zonas intermediárias, como observou Kardec e, mais tarde,
a própria ciência ao estudar os primatas antropoides.
No homem,
encontramos a síntese: corpo orgânico, vitalidade, instinto e inteligência
racional. Mas há algo mais — a consciência de si, a percepção do futuro e a
capacidade de compreender Deus. Aqui o princípio inteligente transforma-se em
Espírito, dotado de livre-arbítrio e de responsabilidade moral.
O Encadeamento da Evolução
A visão
espírita sobre os reinos naturais sugere um processo evolutivo contínuo. Léon
Denis sintetizou poeticamente: “A alma
dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem” (*).
Essa progressão reflete a lei de continuidade, observável tanto na ciência
quanto na filosofia espiritualista.
J.
Herculano Pires chamou esse entendimento de Ontogênese Espírita, mais
audaciosa que a teoria de Darwin, pois não se limita à evolução da matéria, mas
considera sobretudo a evolução do Espírito. Enquanto Darwin demonstrou o
parentesco fisiológico entre os seres vivos e a seleção natural como motor da
transformação das espécies, o Espiritismo afirma que é o princípio inteligente
— e não apenas a matéria — o que verdadeiramente evolui.
Na obra Evolução
em Dois Mundos, o Espírito André Luiz detalha como o princípio inteligente
vai adquirindo automatismos em cada etapa: atração no mineral, sensação no
vegetal, instinto no animal e pensamento contínuo no homem. Esse percurso
mostra que somos herdeiros de um longo aprendizado, construído ao longo dos
milênios.
(*) A frase "A
alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no
homem" é atribuída ao pensador espírita Léon Denis, aparecendo em
obras como O Problema do Ser e do Destino.
No entanto, a frase exata que circula é uma versão popularizada e não uma
citação literal encontrada em seus textos, sendo a versão original um pouco
diferente. A frase exata que se popularizou foi desdobrada e modificada a
partir de um texto do próprio Denis. Ele escreve em O Problema do Ser e do Destino: "Na
planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda,
conhece-se, possui-se e torna-se consciente".
Intersecções com a Ciência Atual
A ciência
moderna confirma a existência de zonas intermediárias entre os reinos, como no
caso dos vírus — que não são plenamente considerados organismos vivos, mas
também não se reduzem à matéria inorgânica. Além disso, o estudo das plantas
revela respostas a estímulos externos, que, embora não representem consciência,
demonstram complexidade vital.
Na
biologia contemporânea, os primatas antropoides ainda são estudados como elos
importantes para compreender a cognição, a linguagem rudimentar e a organização
social que precederam o aparecimento do homem. Esses dados dialogam com as
observações espíritas sobre as zonas de transição entre os reinos.
Conclusão
A
classificação dos reinos da natureza não é apenas uma questão científica. Para
o Espiritismo, ela reflete o itinerário do princípio inteligente rumo à sua
destinação maior: tornar-se Espírito consciente, livre e responsável diante da
vida. O homem, ao reunir todas as aquisições anteriores, encontra-se no limiar
de um novo passo: a transformação em Espírito puro, liberto da influência da
matéria.
Assim, o
estudo dos reinos naturais, iluminado pela Doutrina Espírita, convida-nos não
apenas a contemplar a ordem da criação, mas também a reconhecer nossa própria
responsabilidade moral no processo evolutivo, lembrando que do átomo ao arcanjo
tudo se encadeia na natureza, sem rupturas, sob a direção sábia de Deus.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: FEESP, 1995.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869). Trad. FEB.
- PIRES, J. Herculano. Mediunidade:
Vida e Comunicação. 5. ed. São Paulo: Edicel, 1984.
- XAVIER, Francisco Cândido;
VIEIRA, Waldo. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz.
4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977.
- DENIS, Léon. O Problema
do Ser e do Destino. várias edições.
- DARWIN, Charles. A Origem
das Espécies. 1859.
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