Introdução
Em 15 de
outubro de 1978, a Unesco proclamou a Declaração Universal dos Direitos do
Animal, afirmando que “todos os
animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência”.
Tal documento representou um marco civilizatório no reconhecimento da dignidade
dos seres não humanos. Contudo, muito antes dessa formulação ética moderna, o Espiritismo,
codificado por Allan Kardec no século XIX, já elucidava a condição
espiritual dos animais, situando-os em um processo contínuo de evolução
anímica, em que o princípio inteligente se elabora progressivamente “do átomo ao arcanjo”.
Ao retirar
da mediunidade o véu do misticismo, dignificar a mulher e situar o homem como
agente consciente da lei divina, a Doutrina Espírita também resgatou o papel
dos animais na escala evolutiva da Criação, conferindo-lhes uma importância
que ultrapassa a simples função biológica. Kardec e os Espíritos reveladores
estabeleceram, com clareza racional e científica, que os animais possuem um
princípio espiritual individualizado, que pensa, sente e progride, ainda que em
estágios rudimentares.
1. A Visão Espírita e o Resgate da Dignidade Animal
Na
tradição ocidental, herdeira do dualismo platônico e das teologias
antropocêntricas, os animais foram historicamente relegados à condição de seres
sem alma e sem transcendência. A ciência materialista moderna, por sua vez, ao
rejeitar a espiritualidade, reduziu-os a organismos biológicos complexos,
movidos apenas por instintos.
O Espiritismo,
no entanto, oferece uma visão integradora e racional: reconhece nos animais a
presença de uma alma em desenvolvimento, um princípio inteligente que,
embora destituído de livre-arbítrio e consciência reflexiva, possui
sensibilidade, afetividade e inteligência instintiva.
Kardec
esclarece em O Livro dos Espíritos (questão 585) que os animais “possuem, além da vitalidade, uma espécie de
inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e
individualidade”.
Essa
afirmação rompe com o paradigma mecanicista e antecipa concepções
contemporâneas da etologia e da neurociência que reconhecem nas espécies não
humanas comportamentos emocionais e cognitivos complexos.
2. A Evolução Anímica: Continuidade entre os Reinos
A
Doutrina Espírita não admite a metempsicose — a reencarnação de Espíritos
humanos em corpos animais —, mas estabelece um elo evolutivo de continuidade
entre o princípio espiritual nos reinos da Natureza.
Conforme
a questão 607 de O Livro dos Espíritos, “o Espírito passa por uma série de existências que precedem o período
que chamais humanidade”, evidenciando que o princípio inteligente se
individualiza progressivamente, alcançando no homem a razão e a consciência
moral.
O
cientista espírita Gabriel Delanne denominou essa trajetória de Evolução
Anímica, teoria que demonstra a transição gradativa do instinto à razão.
Outros pesquisadores, como Gustave Geley e Ernesto Bozzano,
ampliaram esse entendimento, apontando para uma dinâmica evolutiva psíquica
que abrange os reinos inferiores e superiores da vida.
Léon
Denis sintetiza essa concepção de modo poético e filosófico: “Na planta, a inteligência dormita; no
animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se
consciente.”. Tal imagem simboliza o continuum evolutivo do princípio
inteligente, sustentado pela lei divina de progresso.
3. Emoções e Psiquismo Animal: O Elo da
Sensibilidade
A
convivência cotidiana com os animais demonstra a presença de emoções
rudimentares, como alegria, medo, ciúme, tristeza e gratidão. Esses
sentimentos, observáveis empiricamente, confirmam o que o Espiritismo já ensina
há mais de um século e meio: o psiquismo animal é embrião das futuras
faculdades humanas.
Embora a
ciência ainda relute em admitir uma espiritualidade animal, pesquisas
etológicas recentes — como as de Frans de Waal e Marc Bekoff
— reconhecem que os animais possuem empatia, memória social e capacidade de
aprendizagem moral elementar.
Tais
descobertas, longe de contradizerem o Espiritismo, corroboram sua visão
evolucionista espiritual, segundo a qual toda inteligência é manifestação
graduada de um mesmo princípio divino.
4. Ética, Direito e Espiritualidade na Relação
Humano-Animal
O
reconhecimento da alma animal implica consequências éticas e jurídicas. Tratar
os animais com respeito e compaixão é dever espiritual, pois se trata de
irmãos menores na senda evolutiva.
A Declaração
Universal dos Direitos do Animal (1978) representa um passo importante
nesse sentido, mas ainda limitado à esfera legal. O Espiritismo vai além:
convida o homem à fraternidade universal, que inclui todos os seres
vivos.
O
Espírito André Luiz, em Evolução em Dois Mundos, explica que as formas
biológicas são instrumentos de manifestação do princípio inteligente, e que a
natureza é “oficina divina em permanente
construção”. Assim, maltratar um animal é ofender o próprio Criador,
pois cada ser é expressão de Sua sabedoria.
A
civilização que aspira à regeneração espiritual precisa elevar sua ética
para abranger a totalidade da vida, compreendendo que os animais são
parceiros evolutivos e não recursos utilitários.
Conclusão
O
Espiritismo oferece à humanidade uma síntese racional entre ciência,
filosofia e moral, capaz de restituir aos animais sua verdadeira dignidade
espiritual. Ao reconhecer que o princípio inteligente neles evolui, sente e
aprende, a Doutrina revela que a vida é una em sua essência e múltipla em
suas formas.
Nessa
perspectiva, a fraternidade não se limita ao homem: estende-se a todos os
seres criados, pois cada um é parte da obra divina em marcha para a
perfeição.
O modo
como tratamos os animais é reflexo de nosso grau de humanidade — e, portanto,
de nossa evolução espiritual.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
Tradução de Guillon Ribeiro. FEB, ed. atual.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita
(1858-1869). Diversos volumes.
- DENIS, Léon. O Problema do Ser e do
Destino.
- DELANNE, Gabriel. A Evolução Anímica.
FEB.
- GELEY, Gustave. Do Inconsciente ao
Consciente. Paris, 1919.
- BOZZANO, Ernesto. Animais e Fenômenos de
Materialização. FEB.
- ANDRÉ LUIZ (Espírito). Evolução em Dois Mundos.
Psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira.
- UNESCO. Declaração Universal dos
Direitos do Animal, 15 de outubro de 1978.
- LARA, Eugênio. “A Espiritualidade nos
Animais.” Fevereiro de 2010.
- BEKOFF, Marc; DE WAAL,
Frans. The
Emotional Lives of Animals. Nova York, 2007.
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