domingo, 5 de outubro de 2025

A REENCARNAÇÃO NO CRISTIANISMO ANTIGO
E SUA REAFIRMAÇÃO PELO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito –

Introdução

A reencarnação é uma das ideias mais antigas da humanidade, presente em tradições religiosas e filosóficas do Oriente e do Ocidente. No cristianismo primitivo, há indícios de que alguns Padres da Igreja e pensadores influentes admitiam a possibilidade das vidas sucessivas como meio de purificação e justiça divina.

Contudo, a partir do século VI, especialmente após o II Concílio de Constantinopla (553), a doutrina foi oficialmente rejeitada pela Igreja. Essa decisão, envolta em debates teológicos e influências políticas, permanece até hoje motivo de controvérsias e reinterpretações.

À luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, e com base em pesquisas históricas confiáveis, analisamos esse episódio e suas implicações na compreensão da reencarnação no pensamento cristão e ocidental.

1. A questão histórica dos Concílios

Entre os quatro Concílios de Constantinopla (381, 553, 681 e 869), o que mais diretamente tratou da preexistência das almas foi o de 553 — o II Concílio de Constantinopla.

Diferentemente de algumas versões populares, como a atribuída ao Dr. Hamendra Nath Banerjee, não foi o Concílio de 381, mas o de 553 que condenou explicitamente a ideia da reencarnação.

Sob a forte influência do imperador Justiniano e, possivelmente, da imperatriz Teodora, foi promulgado o primeiro dos quinze anátemas:

“Se alguém afirmar a fabulosa preexistência das almas e a monstruosa restauração que dela se segue, que seja anatematizado!”

Esse decreto marcou a exclusão definitiva da reencarnação do corpo doutrinário oficial da Igreja, configurando um divisor de águas entre o cristianismo original e a teologia que se consolidaria na Idade Média.

2. Pais da Igreja e a ideia das vidas sucessivas

Antes dessa condenação, diversos pensadores cristãos refletiram sobre a preexistência das almas e a possibilidade das vidas múltiplas. Entre eles:

  • Orígenes (185–253) — em De Principiis, escreveu que as almas poderiam ser revestidas de novos corpos conforme suas necessidades de progresso espiritual, à luz das palavras de Jesus sobre as “muitas moradas na casa de meu Pai” (Jo 14:2).
  • São Gregório de Nissa (335–395) — falava da purificação gradual da alma através de diferentes estágios de existência.
  • São Jerônimo (347–420) — reconheceu que a doutrina das transmigrações era transmitida secretamente a um pequeno número de iniciados.
  • Santo Agostinho (354–430) — em suas Confissões (I, VI), questiona se não teria vivido anteriormente em outro corpo.

Esses registros demonstram que a ideia das vidas sucessivas não era alheia ao pensamento cristão primitivo, embora não tenha alcançado unanimidade.

3. A influência política e o papel de Teodora

A figura da imperatriz Teodora é frequentemente associada à repressão da doutrina da reencarnação. Mulher de origem humilde e personalidade vigorosa, teria exercido notável influência sobre Justiniano.

Mais do que uma questão teológica, o repúdio à preexistência das almas refletia interesses políticos e disputas de poder entre Roma e Constantinopla. O cristianismo imperial buscava uniformidade doutrinária, e a ideia das múltiplas existências parecia contrariar a noção de juízo final único e de autoridade eclesiástica sobre a salvação.

4. O Espiritismo e a retomada da reencarnação

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir de 1857, restituiu à humanidade a compreensão racional, moral e científica da reencarnação.

Em O Livro dos Espíritos, especialmente nas questões 166 a 222, a pluralidade das existências é apresentada como lei natural, essencial ao progresso do Espírito e à justiça divina. Kardec fundamenta o ensino não em concílios ou tradições humanas, mas na concordância universal dos ensinos dos Espíritos superiores, verificada pelo método comparativo e racional.

Enquanto a teologia medieval suprimiu o tema em nome da ortodoxia, o Espiritismo o restabelece com clareza lógica, coerência moral e base experimental, por meio das evidências mediúnicas e do raciocínio filosófico.

Assim, a reencarnação deixa de ser um dogma oculto ou heresia punida, tornando-se um princípio natural que explica as desigualdades humanas, o destino das almas e o progresso universal.

Conclusão

A condenação da reencarnação no II Concílio de Constantinopla (553) não apagou os vestígios de que ela já fazia parte do horizonte espiritual cristão primitivo. A decisão representou mais um ato político que teológico, moldando por séculos a visão oficial da Igreja sobre a alma e o destino humano.

O Espiritismo, ao reintroduzir a reencarnação sob nova luz, realiza uma verdadeira síntese entre razão e fé, mostrando que o amor e a justiça divina se expressam na oportunidade constante de aprendizado e regeneração.

Como ensinou Léon Denis, discípulo de Kardec:

“A reencarnação é a chave que abre os horizontes da vida e ilumina os destinos humanos.”

Referências

  • Allan Kardec — O Livro dos Espíritos (1857)
  • Allan Kardec — A Gênese (1868)
  • Allan Kardec — Revista Espírita (1858–1869)
  • Léon Denis — O Problema do Ser e do Destino
  • Léon Denis — Cristianismo e Espiritismo
  • Hans Stefan Santesson — Tudo sobre a Reencarnação
  • Mário Cavalcanti Melo — Como os Teólogos Refutam
  • Santo Agostinho — Confissões
  • Orígenes — De Principiis
  • Enciclopédia Católica (Vatican, 2024)
  • Almanaque Abril, 1978

 

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