Na
véspera de Natal, um casal entra em um restaurante. A mulher, serena e alegre,
aprecia as pequenas coisas; o homem, preocupado e irritado, lamenta o fracasso
nas vendas de sua loja. Enquanto ele reclama, ela se distrai observando a
árvore de Natal do local. Ao notar isso, o homem comenta que há uma lâmpada
queimada entre as luzes. A esposa, com doçura, o faz refletir: ele percebeu a
lâmpada apagada porque está pessimista, sem notar a beleza das muitas outras
que continuam acesas — uma lição simbólica sobre como o olhar negativo nos faz
ignorar as bênçãos que seguem a brilhar em nossa vida.
Introdução
Em um
tempo em que a correria do consumo e a busca por resultados imediatos parecem
dominar as relações humanas, o simples gesto de reconhecer as bênçãos que já
possuímos torna-se um exercício espiritual de grande profundidade.
A
narrativa da “lâmpada queimada” convida à reflexão sobre a tendência humana de
fixar-se nas faltas e nas perdas, esquecendo-se das incontáveis dádivas que
iluminam o cotidiano.
À luz
da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, essa metáfora transcende o
aspecto moral e adquire valor filosófico e educativo: o modo como percebemos a
vida revela o grau de maturidade espiritual que alcançamos.
Ver
apenas a lâmpada queimada — e não as dezenas de outras que brilham — é reflexo
simbólico do pessimismo e da ingratidão que obscurecem a visão do Espírito
diante das lições e oportunidades oferecidas pela Providência Divina.
1. A percepção seletiva e a Lei de Progresso
O
olhar humano é seletivo. Somos inclinados, por instinto e hábito, a notar o que
falta, o que dói, o que não deu certo. A psicologia moderna confirma que o
cérebro tende a registrar com mais força os estímulos negativos do que os
positivos — um mecanismo ancestral de autoproteção.
Entretanto,
do ponto de vista espiritual, esse padrão de percepção precisa ser educado.
Kardec,
em O Livro dos Espíritos (questões 776 a 785), ensina que o progresso
moral é resultado do esforço consciente de superação das imperfeições. Entre
elas, estão o pessimismo e o desânimo — estados mentais que impedem o Espírito
de ver o bem e de trabalhar pela própria elevação.
Assim,
aprender a perceber as “lâmpadas acesas” da vida é parte essencial do processo
de regeneração íntima.
Cada
desafio enfrentado contém uma lição oculta. Mesmo quando algo “não dá certo”, o
fracasso pode representar apenas um desvio pedagógico no caminho do
aprendizado. A vida, regida por leis perfeitas, nunca se equivoca no endereço
das experiências que nos oferece.
2. O valor espiritual da gratidão
Na
perspectiva espírita, a gratidão é mais que um sentimento: é uma vibração
elevada que sintoniza o Espírito com as forças superiores da Criação. Emmanuel,
em Pensamento e Vida, define-a como “luz
que aclara os recantos sombrios do coração”.
Ser
grato não é negar as dores, mas reconhecer que elas coexistem com bênçãos
silenciosas. Mesmo nas noites mais densas, existem estrelas a brilhar.
A
mulher da parábola — que vê beleza na árvore, apesar da lâmpada queimada —
representa a consciência desperta, capaz de enxergar o bem mesmo quando há
sombras.
No
campo prático, cultivar a gratidão produz efeitos mensuráveis. Estudos
contemporâneos em neurociência apontam que pessoas gratas apresentam níveis
mais altos de serotonina e dopamina, hormônios ligados à sensação de bem-estar.
Sob o
enfoque espiritual, esse equilíbrio químico é o reflexo material de uma alma em
harmonia com as leis divinas.
3. Entre o pessimismo e a fé raciocinada
A
Doutrina Espírita não recomenda uma fé cega, mas uma fé raciocinada, construída
sobre o entendimento das leis morais e universais.
Ao
compreender a justiça e a bondade de Deus, o Espírito aprende a não se fixar
nas aparentes perdas momentâneas.
Na Revista
Espírita (dezembro de 1863), Kardec registra diálogos espirituais sobre
resignação e confiança, destacando que “a
verdadeira fé se reconhece pela serenidade diante das provas”.
Essa
serenidade não é passividade, mas compreensão de que o mal aparente é, muitas
vezes, instrumento do bem futuro.
Ao
olhar para a “lâmpada queimada” da existência — seja uma frustração financeira,
uma perda afetiva ou um erro cometido —, o aprendiz do Evangelho é convidado a
manter o foco nas outras luzes que permanecem acesas: o amor, a saúde, o
trabalho, a amizade, a esperança.
4. O convite à visão espiritual
A
vida, sob o ponto de vista espiritual, é um vasto campo de luzes intermitentes.
Algumas brilham com força constante; outras se apagam temporariamente para que
aprendamos a valorizar o conjunto.
Jesus,
em seu Evangelho, ensinou: “Os olhos são
a lâmpada do corpo; se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt
6:22).
Essa
metáfora encontra eco no Espiritismo: o olhar moral e espiritualizado é o
instrumento que define o tom vibratório de nossa existência.
A
verdadeira evolução começa quando treinamos os olhos da alma para enxergar o
bem, mesmo onde o mundo vê falhas.
Ao
fazermos isso, deixamos de ser meros observadores das sombras para nos
tornarmos colaboradores da luz divina.
Conclusão
A
lição da “lâmpada queimada” convida-nos a um exercício diário de percepção e
gratidão.
No
balanço das nossas vidas, sempre haverá falhas, perdas e decepções. Mas o que
realmente define nosso estado espiritual não é a ausência de problemas, e sim a
capacidade de reconhecer o bem que permanece e transformar a dor em
aprendizado.
Sob a
ótica espírita, a felicidade possível na Terra nasce da visão equilibrada que
reconhece tanto a lâmpada queimada quanto as que ainda brilham — e decide
agradecer por todas.
Referências
- ALLAN KARDEC. O
Livro dos Espíritos. 62ª ed. FEB, 2021.
- ALLAN KARDEC. Revista
Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858–1869). FEB.
- EMMANUEL
(espírito), psicografia de Francisco Cândido Xavier. Pensamento e Vida.
FEB, 1958.
- MOMENTO ESPÍRITA. A
lâmpada queimada. Disponível em: momento.com.br.
- J. RAUL TEIXEIRA,
Espírito Rosângela. Rosângela, cap. 4. Ed. Fráter.
- JESUS. O
Evangelho segundo Mateus, 6:22.
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