Introdução
Desde os
primórdios da humanidade, o ser humano demonstra uma busca instintiva pelo
contato com o invisível. Antes mesmo da linguagem articulada ou da escrita, os
primeiros agrupamentos humanos já expressavam, por meio de símbolos e rituais,
uma percepção da existência de uma dimensão além da matéria. A mediunidade,
entendida pela Doutrina Espírita como a faculdade orgânica que permite a
comunicação entre os encarnados e os Espíritos desencarnados, é tão antiga
quanto a própria civilização.
Ao longo das eras, essa sensibilidade foi interpretada de múltiplas formas — ora como milagre, ora como bruxaria ou possessão, ora como manifestação divina. Somente com o advento do Espiritismo, codificado por Allan Kardec no século XIX, essa faculdade foi estudada de maneira sistemática, experimental e racional. A partir desse marco, a mediunidade passou a ser compreendida como fenômeno natural, regido por leis universais, acessível à observação científica e dependente, sobretudo, da condição moral e intelectual do médium.
1. A mediunidade nas origens da experiência humana
A
história espiritual da humanidade revela que o homem sempre buscou compreender
o mundo invisível. Nas civilizações mais antigas — da Suméria ao Egito, das
culturas indígenas às orientais — encontram-se registros de práticas xamânicas,
de cultos aos antepassados e de comunicações mediúnicas. O xamã, o oráculo e o
sacerdote eram intermediários entre o mundo dos vivos e o dos “espíritos”,
detentores de saberes sobre cura, destino e equilíbrio com a natureza.
À luz do
Espiritismo, tais práticas revelam os primeiros indícios da mediunidade humana
em sua forma instintiva e rudimentar. Allan Kardec explica que “a mediunidade é uma faculdade natural que
pode manifestar-se em qualquer pessoa, em maior ou menor grau” (O Livro
dos Médiuns, cap. XIV). Assim, antes mesmo de compreender intelectualmente
os fenômenos, o ser humano já os experimentava de modo empírico.
Com o
progresso da inteligência, as civilizações começaram a atribuir significados
religiosos e simbólicos a essas manifestações. O sol, a lua e os astros
tornaram-se representações materiais do divino. No entanto, o desenvolvimento
moral e intelectual ainda não acompanhava plenamente o desenvolvimento técnico
e social — um descompasso que persiste até hoje, refletido no uso destrutivo da
ciência e na dificuldade de compreender espiritualmente a vida.
2. O nascimento do pensamento científico e o
desafio materialista
O período
renascentista e o advento do racionalismo europeu entre os séculos XVII e XIX
marcaram um ponto de inflexão na visão humana sobre a realidade. As grandes
descobertas científicas e filosóficas — de Copérnico a Newton, de Descartes a
Darwin — deslocaram o homem do centro teológico para o centro racional do
universo. Contudo, essa virada trouxe também o risco da negação do espiritual.
Com o
materialismo científico em ascensão, a ideia da sobrevivência da alma e da
comunicação com os mortos passou a ser vista com desconfiança. Ainda assim, os
fenômenos continuavam a ocorrer. As chamadas “mesas girantes” do século XIX,
inicialmente tratadas como curiosidade ou diversão, chamaram a atenção de
estudiosos sérios, entre eles Hippolyte Léon Denizard Rivail — que, sob o
pseudônimo Allan Kardec, empreendeu um estudo metódico e comparativo desses
efeitos físicos.
Dessa
investigação nasceu O Livro dos Espíritos (1857), obra fundadora do
Espiritismo, que revelou a mediunidade como fato natural e demonstrou que as
manifestações dos Espíritos não dependem de milagres, mas de leis ainda pouco
conhecidas da natureza. Kardec classificou os fenômenos em duas grandes
categorias: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes. Em ambos os casos,
a ação espiritual sobre a matéria se dá por meio de um elemento intermediário —
o fluido universal, base de todas as forças naturais, de onde o fluido
vital e o princípio vital derivam em suas manifestações orgânicas e
psíquicas.
Desde
então, o Espiritismo não se opôs à ciência, mas a complementou, oferecendo-lhe
uma perspectiva ampliada. Como afirmou Kardec na Revista Espírita
(janeiro de 1862):
“O Espiritismo não vem destruir a
ciência, mas completá-la, mostrando a parte espiritual que ela desconhece.”
3. Mediunidade e responsabilidade moral
A
mediunidade é, antes de tudo, uma faculdade orgânica, mas seu uso correto
depende do estado moral de quem a exerce. Segundo O Livro dos Médiuns,
os médiuns são instrumentos, e a qualidade das comunicações depende tanto da
natureza dos Espíritos que as produzem quanto das disposições morais e mentais
do intermediário.
A
história espiritual recente oferece exemplos notáveis de médiuns que aliaram preparo
intelectual e virtude moral, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira
Franco. Ambos demonstraram, ao longo de décadas, que a mediunidade não é um
privilégio sobrenatural, mas um campo de trabalho educativo, consolador e
profundamente humano.
Em um
mundo ainda marcado por desigualdades, guerras e intolerâncias religiosas, o
exercício mediúnico consciente convida à harmonia entre fé e razão, emoção e
conhecimento, ciência e espiritualidade. O Espiritismo propõe uma síntese:
compreender os fenômenos mediúnicos não apenas como curiosidade científica, mas
como oportunidade de evolução moral e solidariedade universal.
Como ensina Kardec em A Gênese (cap. I, item 55):
“O Espiritismo, marchando de par
com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe
demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se modificará nesse ponto; se
uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”
4. O diálogo entre a Doutrina Espírita e a
percepção espiritual
4.1. O perispírito: o elo entre
espírito e matéria
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec,
não trata diretamente da glândula pineal, do sistema nervoso ou do campo mental
como estruturas específicas de percepção espiritual em seus livros fundamentais.
No entanto, o conceito de perispírito fornece o alicerce para
compreender como o Espírito interage com o corpo físico.
O perispírito é o envoltório semimaterial do
Espírito e atua como intermediário entre o princípio inteligente e o organismo.
É o veículo por onde transitam a vontade, o pensamento e as emoções. Nele
residem os centros de percepção e de sensibilidade que possibilitam os
fenômenos mediúnicos. Assim, as percepções espirituais não se processam
diretamente no corpo físico, mas no perispírito, sendo depois traduzidas e
exteriorizadas por meio dos sentidos materiais.
4.2. O sistema nervoso e o fluido
vital
O sistema nervoso é o instrumento físico que o
perispírito utiliza para comandar as funções biológicas e expressar sensações.
A Doutrina não o considera o centro da percepção espiritual, mas um mediador
físico que traduz as impressões do Espírito para o corpo.
Durante a encarnação, o perispírito está impregnado
de fluido vital, um elemento essencial que mantém a ligação entre o ser
espiritual e o corpo. Esse fluido é distribuído por todo o sistema nervoso,
sustentando a vida orgânica e permitindo a interação entre os planos material e
espiritual.
4.3. O campo mental e a matéria
pensamento
Na concepção espírita, a mente é um atributo do
Espírito, o foco de onde emanam os pensamentos, sentimentos e ideias. O
pensamento é uma força viva, uma forma de “matéria mental” que se exterioriza
em ondas vibratórias.
Cada Espírito, encarnado ou desencarnado, cria ao
seu redor uma atmosfera psíquica, o chamado campo mental, que influencia
e é influenciado pelo meio em que vive. Nos fenômenos mediúnicos, ocorre uma
sintonia entre os campos mentais do médium e do Espírito comunicante,
estabelecendo o intercâmbio de ideias e emoções.
4.4. A glândula pineal na
literatura espírita posterior a Kardec
Embora Allan Kardec não tenha mencionado a glândula
pineal em sua Codificação, autores espíritas posteriores aprofundaram a
correlação entre corpo e Espírito, especialmente nas obras do Espírito André
Luiz, psicografadas por Francisco Cândido Xavier.
Em Missionários da Luz e Evolução em Dois
Mundos, André Luiz descreve a pineal como o “centro da vida mental”, um
órgão de sensibilidade que interage com o perispírito e vibra em sintonia com o
campo espiritual. Segundo essa visão, a pineal funciona como uma espécie de
antena que capta e irradia energias sutis, contribuindo para os processos de intuição,
sono e mediunidade.
Trata-se, portanto, de uma ampliação conceitual
coerente com os princípios de Kardec, que sempre estimulou a evolução do
conhecimento. A relação específica da glândula pineal como órgão físico central
da mediunidade não integra a Codificação original, mas representa um
desenvolvimento filosófico e científico posterior, em harmonia com o espírito
progressista da Doutrina Espírita.
Conclusão
A
mediunidade, longe de ser uma anomalia, é uma faculdade inerente à natureza
humana, que acompanha o Espírito em sua trajetória evolutiva. Desde os rituais
primitivos até os estudos experimentais modernos, ela tem servido como ponte
entre o visível e o invisível, revelando que a vida não se limita ao corpo físico.
O
Espiritismo, ao sistematizar o estudo desses fenômenos, ofereceu à humanidade
uma nova visão de mundo: científica, filosófica e moral. A mediunidade, quando
aliada à razão e ao sentimento, torna-se poderosa ferramenta de progresso
espiritual coletivo.
Mais do
que um dom, é uma responsabilidade. Mais do que um fenômeno, é a prova de que a
vida é eterna e de que todos somos Espíritos em aprendizado, colaborando na
construção de um mundo mais consciente e fraterno.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- XAVIER, Francisco Cândido. Missionários
da Luz. Pelo Espírito André Luiz.
- XAVIER, Francisco Cândido. Evolução
em Dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz.
- FRANCO, Divaldo Pereira. Estudos
Espíritas.
- MILHOMENS, Paulo. Aspectos
Científicos da Mediunidade.
- AKSAKOV, Alexandre. Animismo
e Espiritismo.
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