quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MEDIUNIDADE
E SUA COMPREENSÃO À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito -

Introdução

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano demonstra uma busca instintiva pelo contato com o invisível. Antes mesmo da linguagem articulada ou da escrita, os primeiros agrupamentos humanos já expressavam, por meio de símbolos e rituais, uma percepção da existência de uma dimensão além da matéria. A mediunidade, entendida pela Doutrina Espírita como a faculdade orgânica que permite a comunicação entre os encarnados e os Espíritos desencarnados, é tão antiga quanto a própria civilização.

Ao longo das eras, essa sensibilidade foi interpretada de múltiplas formas — ora como milagre, ora como bruxaria ou possessão, ora como manifestação divina. Somente com o advento do Espiritismo, codificado por Allan Kardec no século XIX, essa faculdade foi estudada de maneira sistemática, experimental e racional. A partir desse marco, a mediunidade passou a ser compreendida como fenômeno natural, regido por leis universais, acessível à observação científica e dependente, sobretudo, da condição moral e intelectual do médium.

1. A mediunidade nas origens da experiência humana

A história espiritual da humanidade revela que o homem sempre buscou compreender o mundo invisível. Nas civilizações mais antigas — da Suméria ao Egito, das culturas indígenas às orientais — encontram-se registros de práticas xamânicas, de cultos aos antepassados e de comunicações mediúnicas. O xamã, o oráculo e o sacerdote eram intermediários entre o mundo dos vivos e o dos “espíritos”, detentores de saberes sobre cura, destino e equilíbrio com a natureza.

À luz do Espiritismo, tais práticas revelam os primeiros indícios da mediunidade humana em sua forma instintiva e rudimentar. Allan Kardec explica que “a mediunidade é uma faculdade natural que pode manifestar-se em qualquer pessoa, em maior ou menor grau” (O Livro dos Médiuns, cap. XIV). Assim, antes mesmo de compreender intelectualmente os fenômenos, o ser humano já os experimentava de modo empírico.

Com o progresso da inteligência, as civilizações começaram a atribuir significados religiosos e simbólicos a essas manifestações. O sol, a lua e os astros tornaram-se representações materiais do divino. No entanto, o desenvolvimento moral e intelectual ainda não acompanhava plenamente o desenvolvimento técnico e social — um descompasso que persiste até hoje, refletido no uso destrutivo da ciência e na dificuldade de compreender espiritualmente a vida.

2. O nascimento do pensamento científico e o desafio materialista

O período renascentista e o advento do racionalismo europeu entre os séculos XVII e XIX marcaram um ponto de inflexão na visão humana sobre a realidade. As grandes descobertas científicas e filosóficas — de Copérnico a Newton, de Descartes a Darwin — deslocaram o homem do centro teológico para o centro racional do universo. Contudo, essa virada trouxe também o risco da negação do espiritual.

Com o materialismo científico em ascensão, a ideia da sobrevivência da alma e da comunicação com os mortos passou a ser vista com desconfiança. Ainda assim, os fenômenos continuavam a ocorrer. As chamadas “mesas girantes” do século XIX, inicialmente tratadas como curiosidade ou diversão, chamaram a atenção de estudiosos sérios, entre eles Hippolyte Léon Denizard Rivail — que, sob o pseudônimo Allan Kardec, empreendeu um estudo metódico e comparativo desses efeitos físicos.

Dessa investigação nasceu O Livro dos Espíritos (1857), obra fundadora do Espiritismo, que revelou a mediunidade como fato natural e demonstrou que as manifestações dos Espíritos não dependem de milagres, mas de leis ainda pouco conhecidas da natureza. Kardec classificou os fenômenos em duas grandes categorias: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes. Em ambos os casos, a ação espiritual sobre a matéria se dá por meio de um elemento intermediário — o fluido universal, base de todas as forças naturais, de onde o fluido vital e o princípio vital derivam em suas manifestações orgânicas e psíquicas.

Desde então, o Espiritismo não se opôs à ciência, mas a complementou, oferecendo-lhe uma perspectiva ampliada. Como afirmou Kardec na Revista Espírita (janeiro de 1862):

“O Espiritismo não vem destruir a ciência, mas completá-la, mostrando a parte espiritual que ela desconhece.”

3. Mediunidade e responsabilidade moral

A mediunidade é, antes de tudo, uma faculdade orgânica, mas seu uso correto depende do estado moral de quem a exerce. Segundo O Livro dos Médiuns, os médiuns são instrumentos, e a qualidade das comunicações depende tanto da natureza dos Espíritos que as produzem quanto das disposições morais e mentais do intermediário.

A história espiritual recente oferece exemplos notáveis de médiuns que aliaram preparo intelectual e virtude moral, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Ambos demonstraram, ao longo de décadas, que a mediunidade não é um privilégio sobrenatural, mas um campo de trabalho educativo, consolador e profundamente humano.

Em um mundo ainda marcado por desigualdades, guerras e intolerâncias religiosas, o exercício mediúnico consciente convida à harmonia entre fé e razão, emoção e conhecimento, ciência e espiritualidade. O Espiritismo propõe uma síntese: compreender os fenômenos mediúnicos não apenas como curiosidade científica, mas como oportunidade de evolução moral e solidariedade universal.

Como ensina Kardec em A Gênese (cap. I, item 55):

“O Espiritismo, marchando de par com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se modificará nesse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”

4. O diálogo entre a Doutrina Espírita e a percepção espiritual

4.1. O perispírito: o elo entre espírito e matéria

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, não trata diretamente da glândula pineal, do sistema nervoso ou do campo mental como estruturas específicas de percepção espiritual em seus livros fundamentais. No entanto, o conceito de perispírito fornece o alicerce para compreender como o Espírito interage com o corpo físico.

O perispírito é o envoltório semimaterial do Espírito e atua como intermediário entre o princípio inteligente e o organismo. É o veículo por onde transitam a vontade, o pensamento e as emoções. Nele residem os centros de percepção e de sensibilidade que possibilitam os fenômenos mediúnicos. Assim, as percepções espirituais não se processam diretamente no corpo físico, mas no perispírito, sendo depois traduzidas e exteriorizadas por meio dos sentidos materiais.

4.2. O sistema nervoso e o fluido vital

O sistema nervoso é o instrumento físico que o perispírito utiliza para comandar as funções biológicas e expressar sensações. A Doutrina não o considera o centro da percepção espiritual, mas um mediador físico que traduz as impressões do Espírito para o corpo.

Durante a encarnação, o perispírito está impregnado de fluido vital, um elemento essencial que mantém a ligação entre o ser espiritual e o corpo. Esse fluido é distribuído por todo o sistema nervoso, sustentando a vida orgânica e permitindo a interação entre os planos material e espiritual.

4.3. O campo mental e a matéria pensamento

Na concepção espírita, a mente é um atributo do Espírito, o foco de onde emanam os pensamentos, sentimentos e ideias. O pensamento é uma força viva, uma forma de “matéria mental” que se exterioriza em ondas vibratórias.

Cada Espírito, encarnado ou desencarnado, cria ao seu redor uma atmosfera psíquica, o chamado campo mental, que influencia e é influenciado pelo meio em que vive. Nos fenômenos mediúnicos, ocorre uma sintonia entre os campos mentais do médium e do Espírito comunicante, estabelecendo o intercâmbio de ideias e emoções.

4.4. A glândula pineal na literatura espírita posterior a Kardec

Embora Allan Kardec não tenha mencionado a glândula pineal em sua Codificação, autores espíritas posteriores aprofundaram a correlação entre corpo e Espírito, especialmente nas obras do Espírito André Luiz, psicografadas por Francisco Cândido Xavier.

Em Missionários da Luz e Evolução em Dois Mundos, André Luiz descreve a pineal como o “centro da vida mental”, um órgão de sensibilidade que interage com o perispírito e vibra em sintonia com o campo espiritual. Segundo essa visão, a pineal funciona como uma espécie de antena que capta e irradia energias sutis, contribuindo para os processos de intuição, sono e mediunidade.

Trata-se, portanto, de uma ampliação conceitual coerente com os princípios de Kardec, que sempre estimulou a evolução do conhecimento. A relação específica da glândula pineal como órgão físico central da mediunidade não integra a Codificação original, mas representa um desenvolvimento filosófico e científico posterior, em harmonia com o espírito progressista da Doutrina Espírita.

Conclusão

A mediunidade, longe de ser uma anomalia, é uma faculdade inerente à natureza humana, que acompanha o Espírito em sua trajetória evolutiva. Desde os rituais primitivos até os estudos experimentais modernos, ela tem servido como ponte entre o visível e o invisível, revelando que a vida não se limita ao corpo físico.

O Espiritismo, ao sistematizar o estudo desses fenômenos, ofereceu à humanidade uma nova visão de mundo: científica, filosófica e moral. A mediunidade, quando aliada à razão e ao sentimento, torna-se poderosa ferramenta de progresso espiritual coletivo.

Mais do que um dom, é uma responsabilidade. Mais do que um fenômeno, é a prova de que a vida é eterna e de que todos somos Espíritos em aprendizado, colaborando na construção de um mundo mais consciente e fraterno.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • XAVIER, Francisco Cândido. Missionários da Luz. Pelo Espírito André Luiz.
  • XAVIER, Francisco Cândido. Evolução em Dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz.
  • FRANCO, Divaldo Pereira. Estudos Espíritas.
  • MILHOMENS, Paulo. Aspectos Científicos da Mediunidade.
  • AKSAKOV, Alexandre. Animismo e Espiritismo.

 

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