quinta-feira, 16 de outubro de 2025

CIÊNCIA, FÉ E A JUSTIÇA DIVINA:
UMA REFLEXÃO ESPÍRITA
SOBRE A DOR E O CONHECIMENTO
- A Era do Espírito –

Introdução

Em tempos de avanços científicos e desafios éticos, muitos ainda se inquietam diante das aparentes injustiças da vida — sobretudo quando a dor se manifesta em seres inocentes, como crianças nascidas com enfermidades graves. Esse questionamento, de fundo moral e filosófico, ultrapassa o campo da medicina e adentra o terreno da consciência e da fé.

No contexto espírita, a resposta a tais indagações não se encontra em uma ideia de punição arbitrária, mas na compreensão racional da Lei de Causa e Efeito e da pluralidade das existências — princípios fundamentais da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec.

O presente artigo propõe uma reflexão sobre a conciliação entre ciência e espiritualidade, razão e fé, tomando como ponto de partida o caso real de um estudante universitário que, diante do sofrimento humano, buscou compreender a justiça divina à luz do Espiritismo.

1. O Sofrimento e a Justiça Divina

Um estudante questionou a justiça e a bondade de Deus diante do nascimento de crianças com AIDS. Esse dilema moral, embora atual, é antigo. Desde os tempos de Jesus, conforme o Evangelho de João (9:1-34), os discípulos também se perguntavam sobre o cego de nascença: teria ele ou seus pais pecado? A resposta do Mestre — “Nem ele pecou nem seus pais, mas para que nele se manifestem as obras de Deus” — encerra profunda sabedoria, mostrando que o sofrimento não é castigo, mas oportunidade de crescimento, reparação ou testemunho.

Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. V, item 19), comenta essa passagem destacando que há “expiações que são provas escolhidas pelo Espírito, e não punições impostas”. Em outras palavras, certas dores são instrumentos educativos através dos quais o Espírito se depura e evolui.

Assim, a justiça divina se manifesta não na igualdade das condições materiais, mas na equidade moral das oportunidades de progresso. Cada existência é um capítulo dessa pedagogia universal que visa à perfectibilidade do ser, e não à sua condenação.

2. A Diversidade de Crenças e Atitudes

Mesmo em ambientes de estudo e pesquisa, convivem diferentes concepções sobre o homem e a vida: materialistas, incrédulos, espiritualistas e espíritas. Kardec já analisava essas posições em O Livro dos Médiuns (1861, cap. III), ao afirmar que o melhor método de ensino é aquele que “fala à razão antes que aos olhos”.

Os materialistas, que veem o ser humano apenas como uma máquina biológica, ainda se prendem a uma visão fragmentária da realidade. Já os espiritualistas, embora intuam a existência de algo além da matéria, muitas vezes não aprofundam o estudo filosófico das leis espirituais.

O verdadeiro espírita, por sua vez, busca unir teoria e prática, razão e sentimento, ciência e consciência, reconhecendo que a moral espírita é instrumento de transformação íntima e social.

Essa diversidade de visões repete, em essência, os comportamentos observados nos contemporâneos de Jesus. Os fariseus, orgulhosos de sua posição intelectual e religiosa, recusaram-se a aceitar a evidência do bem realizado, preferindo o dogma à renovação. Hoje, atitudes semelhantes se manifestam quando a ciência nega a dimensão espiritual da vida ou quando a religião se fecha à razão e ao progresso.

3. Ciência e Fé: Um Diálogo Necessário

O Espiritismo não rejeita a ciência — ao contrário, dela se aproxima e com ela dialoga. Kardec afirmou em A Gênese (1868) que “o Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, é impotente para explicar certos fenômenos; o Espiritismo, sem a Ciência, careceria de apoio e controle”.

A história da investigação científica oferece exemplos eloquentes dessa harmonia possível. William Crookes, renomado químico e físico inglês, estudou os fenômenos espíritas com rigor experimental entre 1870 e 1873. Diante da incredulidade de seus pares, afirmou com firmeza: “Não digo que isso seja possível; afirmo que é uma verdade.” Sua postura revela a coragem intelectual de quem reconhece que a busca da verdade deve prevalecer sobre o preconceito acadêmico.

De modo semelhante, Victor Hugo, sensível às manifestações espirituais, declarou que “evitar o fenômeno espírita é faltar ao dever para com a verdade”. Tais exemplos demonstram que a conciliação entre ciência e espiritualidade não é utopia, mas caminho natural do amadurecimento humano, quando a inteligência se alia ao sentimento e ambos se orientam pela verdade.

4. Humildade e Responsabilidade Moral do Saber

Em outra situação, um estudante questionou se apresentar o currículo acadêmico de um orador espírita não seria sinal de vaidade. A reflexão é válida e conduz à essência do verdadeiro conhecimento. O Espiritismo ensina que o saber é uma responsabilidade, não um título de glória pessoal.

Conforme O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XVI, item 14), “o verdadeiro espírita reconhece-se pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações”. Assim, não há incompatibilidade entre a atividade científica e a vivência espiritual — o problema não está nos títulos, mas no uso que se faz deles.

O autêntico servidor da verdade utiliza o saber como instrumento de serviço, não de orgulho. O verdadeiro espírita não se envaidece de suas vantagens pessoais; usa, mas não abusa dos bens e das oportunidades que lhe são concedidas, ciente de que terá de prestar contas do emprego que lhes der.

Conclusão

O sofrimento humano, a diversidade de crenças e o diálogo entre ciência e espiritualidade são temas que desafiam a consciência moderna. À luz da Doutrina Espírita, compreende-se que Deus é soberanamente justo e bom, e que nenhuma dor é sem propósito.

Cada existência é uma lição no vasto currículo da eternidade, onde aprendemos, passo a passo, a transformar a ignorância em sabedoria e a revolta em amor. Em tempos em que a razão e a fé ainda se confrontam, o Espiritismo oferece uma síntese libertadora: o conhecimento científico esclarece o como, enquanto a filosofia e a moral espíritas revelam o porquê e o para quê da vida.

Assim, ciência e consciência, quando unidas, tornam-se expressão da própria justiça divina manifestando-se no progresso humano.

Referências

  • Crookes, W. Fatos Espíritas. 5ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1874.
  • Kardec, A. O Livro dos Médiuns. 59ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1861.
  • Kardec, A. A Gênese. 27ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1868.
  • Kardec, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 108ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1866. Cap. V, item 19; Cap. XVI, item 14.
  • Formiga, Luiz Carlos D. As Ciências Biomédicas, os Doutores, o Espiritismo e os Cegos de Nascença. Artigo.
  • Revista Espírita (1858–1869), de Allan Kardec — diversos volumes.

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