Introdução
A
morte sempre despertou no ser humano preocupações e rituais relacionados ao
destino da alma. No decorrer dos séculos, diferentes culturas buscaram formas
de lidar com o corpo após o falecimento, variando entre a inumação
(sepultamento) e a cremação. Atualmente, a prática da cremação tem crescido no
Brasil e no mundo, seja por motivos sanitários, ambientais, econômicos ou
culturais. Surge, então, a questão: como o Espiritismo compreende esse processo
e quais cuidados recomenda?
Inumação
e cremação: história e significados
A
inumação, ou sepultamento, tornou-se predominante no Ocidente, especialmente
sob a influência do Cristianismo e de sua doutrina da ressurreição dos corpos.
Já a cremação, conhecida desde a Antiguidade e praticada em diversas
civilizações, como Índia, Japão, Grécia e povos ibéricos, era associada ao
caráter purificador do fogo. Entre os antigos, acreditava-se que ao queimar o
corpo, a alma se libertaria dos vícios e seguiria mais leve para a vida
espiritual.
No
entanto, com a expansão do Cristianismo, o sepultamento passou a ser
incentivado em nome da preservação da crença na ressurreição, o que contribuiu
para o declínio da cremação no Ocidente por muitos séculos. Somente a partir do
final do século XIX a prática voltou a se difundir, alcançando maior aceitação
social e institucional.
A
visão espírita sobre a transição da morte
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma compreensão
racional e espiritual desse processo. Segundo O Livro dos Espíritos
(questões 149 a 165), a morte é apenas a separação do corpo físico e do
espírito, que conserva sua individualidade e segue em sua jornada evolutiva.
Esse desligamento, contudo, não é imediato: os laços fluídicos entre corpo e
perispírito se desfazem gradualmente, variando conforme o grau de apego
material e moral do desencarnado.
É
nesse ponto que surge a questão da cremação. Embora o corpo não transmita
sensações físicas após a morte, a ligação perispiritual pode levar o espírito a
sentir reflexos sutis do que acontece ao organismo recém-desencarnado. Assim,
Espíritos superiores, consultados por Kardec e registrados em obras
complementares, recomendam que se respeite um intervalo de aproximadamente 72 horas
entre o óbito e a cremação, a fim de favorecer o desligamento completo e evitar
possíveis impressões dolorosas.
Aspectos
práticos e contemporâneos
Nos
últimos anos, a cremação tem crescido consideravelmente, especialmente em
países de grande densidade populacional. Entre os motivos estão:
- Questões
ambientais:
cemitérios podem gerar impactos como a contaminação do solo e do lençol
freático.
- Questões
econômicas:
a cremação tende a reduzir custos de manutenção em relação às sepulturas
tradicionais.
- Espaço urbano: a escassez de
áreas destinadas a cemitérios, sobretudo em grandes cidades.
- Mudança cultural: maior aceitação
social e religiosa diante da consciência da imortalidade da alma.
No
Brasil, a primeira instalação de crematório foi inaugurada em 1974, em São
Paulo. Desde então, novas unidades têm sido abertas, acompanhando uma tendência
global de expansão.
Cremação,
livre-arbítrio e espiritualidade
Do
ponto de vista espírita, tanto a inumação quanto a cremação são formas
legítimas de devolver o corpo à natureza. O que realmente importa é a
preparação moral e espiritual do ser humano para o desencarne. Espíritos
apegados ao corpo podem sofrer tanto com a decomposição quanto com a cremação.
Já aqueles que cultivam o desapego e a compreensão da vida imortal vivenciam a
transição com serenidade.
Portanto,
a escolha entre cremação ou sepultamento deve ser respeitada como expressão do
livre-arbítrio, desde que acompanhada do entendimento espiritual de que o corpo
é apenas um instrumento temporário, enquanto o espírito sobrevive e prossegue
em sua trajetória de aprendizado e progresso.
Conclusão
O
Espiritismo não é contra a cremação, mas recomenda prudência, sobretudo quanto
ao tempo de espera após a morte física. O essencial é que cada indivíduo
compreenda que a vida não se encerra com a morte do corpo e que o espírito, ao
retornar à pátria espiritual, colhe os frutos de suas ações e de seu preparo
íntimo. A decisão sobre o destino do corpo deve estar associada à consciência
da imortalidade e à valorização da vida espiritual, que é a verdadeira herança
do ser humano.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. FEB.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. FEB.
- KARDEC, Allan. O
Céu e o Inferno. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido (pelo Espírito Emmanuel). A Caminho da Luz. FEB.
- ROMANO, Maria
Aparecida. "A visão Espírita da cremação". Revista Cristã de
Espiritismo, nº 06, Ano 01.
- Dados atuais sobre
cremação no Brasil: IBGE e associações funerárias (2024).
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