Introdução
A
história da humanidade é também a história do pensamento. Desde as primeiras
ferramentas de pedra até as complexas tecnologias do século XXI, a inteligência
humana percorreu uma trajetória de ascensão que reflete, em escala coletiva, o
desenvolvimento individual de cada Espírito. A Doutrina Espírita, codificada
por Allan Kardec, oferece uma chave de leitura singular para compreender essa
marcha evolutiva: o progresso intelectual e moral como leis divinas que
impulsionam a criatura em direção à perfeição relativa.
Este
artigo propõe uma leitura integrada da evolução humana — biológica, psicológica
e espiritual — relacionando o pensamento científico e filosófico contemporâneo
com os princípios espíritas sobre a criação e o desenvolvimento da
inteligência. Ao fazê-lo, demonstra-se que as etapas do raciocínio humano,
estudadas por Jean Piaget e confirmadas pela ciência moderna, correspondem a
fases evolutivas que o Espírito recapitula a cada nova existência, avançando
sempre na longa jornada do aprendizado universal.
1. As fases da inteligência humana e o progresso do
Espírito
A
antropologia descreve o desenvolvimento da humanidade em estágios — da
pré-história à era científica — marcados por sucessivas revoluções do
conhecimento. A inteligência primitiva, instintiva e simbólica, deu lugar à
razão filosófica e, posteriormente, à investigação científica. Cada salto
cognitivo ampliou a capacidade humana de interpretar a realidade, substituindo
o medo e o mito pela observação e pela reflexão.
Entretanto,
conforme ensina O Livro dos Espíritos (questões 776–781), “o progresso moral segue o progresso
intelectual, mas nem sempre imediatamente”. Isso significa que o avanço da
inteligência não implica, por si só, o desenvolvimento moral. O homem pode
conhecer as leis da natureza sem ainda compreender o amor que as rege. A
verdadeira sabedoria consiste em harmonizar ciência e consciência, conhecimento
e responsabilidade — tarefa que o Espiritismo recoloca no centro da evolução.
2. Da ciência ao Espírito: a unidade do
conhecimento
Do
heliocentrismo de Copérnico ao evolucionismo de Darwin, a humanidade ampliou
seus horizontes, deslocando o homem do centro do Universo e inserindo-o na
ordem natural das coisas. A física moderna, ao desvendar o átomo e a
relatividade, revelou que a matéria é energia condensada e que o cosmos é
infinitamente mais vasto do que supúnhamos.
Nesse
contexto de revoluções científicas, o Espiritismo surge no século XIX como nova
etapa do pensamento humano, reconciliando ciência, filosofia e moral cristã.
Kardec define o Espiritismo como “uma
ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos, e de suas
relações com o mundo corporal”. Eleva, assim, a investigação espiritual ao
mesmo patamar de rigor da pesquisa científica, demonstrando que o espírito é
princípio inteligente do Universo — elemento coeterno à matéria e ao fluido
cósmico universal.
A
Doutrina Espírita, portanto, não se opõe à ciência, mas a completa, explicando
o porquê das leis naturais e revelando a finalidade moral da evolução. O
progresso material sem evolução espiritual gera desequilíbrios; o avanço
tecnológico sem ética conduz à barbárie sofisticada.
3. A evolução e a recapitulação no ser humano
Jean
Piaget, em sua teoria da psicologia genética, descreveu estágios de
desenvolvimento da inteligência: sensório-motor, pré-operacional, operacional
concreto e operacional formal. Sob o prisma espírita, esses estágios
correspondem a etapas evolutivas da consciência espiritual, recapitulações das
aquisições mentais conquistadas ao longo de muitas existências.
Durante
a gestação e a infância, o Espírito refaz simbolicamente o caminho percorrido
pela humanidade — do instinto à razão, da intuição à reflexão. Essa
recapitulação comprova que “o Espírito
progride incessantemente”, como afirmam os Espíritos superiores. Cada vida
é um novo capítulo da experiência evolutiva, e cada corpo físico, um
instrumento de aprendizado temporário.
A
biologia moderna, ao reconhecer a continuidade da vida em processos evolutivos
e adaptativos, confirma a lei da progressão universal. Contudo, o Espiritismo
acrescenta um elemento essencial: a individualidade do ser e sua imortalidade.
Assim, a evolução não é apenas biológica, mas espiritual, moral e intelectual.
4. Educação, hereditariedade e responsabilidade
moral
O
Espírito reencarna trazendo consigo as conquistas do passado — aptidões,
tendências e desafios — e encontra, na família e na sociedade, os meios para
continuar sua jornada. A hereditariedade fornece o instrumento biológico; a
educação, o campo de aperfeiçoamento moral.
Por
isso, a tarefa educativa é sagrada. Kardec, na Revista Espírita,
repetidamente exorta à formação moral da juventude, pois sem o cultivo do
sentimento e da razão equilibrada, o progresso se torna perigoso. André Luiz
reforça essa visão em Ação e Reação e Evolução em Dois Mundos,
mostrando que cada Espírito, ao reencarnar, reencontra as circunstâncias necessárias
para reparar e avançar.
A
liberdade não deve ser confundida com ausência de direção. Como lembra o
Espírito Irmão X em Luz Acima, os pais não devem cercar os filhos de
mimos inúteis, mas guiá-los no trabalho e no bem. Educar é ajudar o Espírito a
se autogovernar, despertando a consciência para as leis divinas que regem a
vida.
Conclusão
A
evolução da inteligência humana, observada nas civilizações e nas fases do
desenvolvimento individual, é a expressão visível da lei do progresso, uma das
Leis Divinas que regem o Universo. A Doutrina Espírita mostra que o Espírito,
criado simples e ignorante, caminha por milênios no aprendizado da sabedoria e
do amor, co-criando com Deus à medida que desenvolve sua razão e sua
moralidade.
Hoje,
quando a ciência investiga o cosmos e a vida em níveis cada vez mais profundos,
o Espiritismo recorda que o maior laboratório ainda é o da consciência. A
verdadeira revolução do conhecimento será aquela em que a inteligência e o
sentimento caminhem juntos — a ciência iluminada pela ética, e a fé esclarecida
pela razão.
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- Allan Kardec. A
Gênese. 1868.
- Allan Kardec. Revista
Espírita (1858–1869).
- André Luiz. Evolução
em Dois Mundos. Psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo
Vieira. FEB.
- André Luiz. Ação
e Reação. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. FEB.
- Irmão X. Luz
Acima. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. FEB.
- Jean Piaget. A
Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
- Rino Curti. Jean
Piaget e o Espiritismo: Inteligência e Educação. Fé Raciocinada,
nº 2, Coligação Espírita Progressista, SP.
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