sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O VALOR MORAL DO ATO DE DOAR
- A Era do Espírito -

Introdução

O ensinamento evangélico “Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita” (Mateus 6:3) representa uma das mais profundas lições sobre a pureza das intenções no bem. Ao longo dos séculos, a humanidade tem refletido sobre o significado do verdadeiro altruísmo, questionando até que ponto a caridade é um gesto de amor desinteressado ou uma forma disfarçada de vaidade. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma leitura lúcida e racional dessa virtude, indicando que o valor moral de uma ação está, sobretudo, na intenção que a inspira.

A caridade como expressão do progresso moral

No Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec afirma que “fora da caridade não há salvação”, estabelecendo-a como princípio fundamental da evolução espiritual. Contudo, a caridade, enquanto virtude, não se resume ao ato material de dar algo — seja dinheiro, alimento ou abrigo —, mas à disposição íntima de servir com benevolência e sem interesse pessoal.

Os Espíritos superiores explicam que o bem verdadeiro é aquele que nasce do coração, desprovido de qualquer cálculo de recompensa, seja ela material, moral ou espiritual. Assim, ainda que um gesto exteriormente grandioso possa comover as multidões, somente o sentimento que o anima determinará o seu valor perante a lei divina.

A modernidade, no entanto, tem colocado novos desafios à compreensão desse princípio. Com o advento das redes sociais e da exposição constante, muitos atos de caridade são acompanhados de registros e divulgações públicas. Surge, então, a dúvida: é moralmente válido o bem que se faz diante das câmeras?

A intenção sobre a aparência

A sabedoria de um antigo rabino, que classificou oito níveis da caridade, ajuda a compreender esse dilema moral. Segundo ele, o mais baixo nível é aquele em que alguém doa de má vontade e busca reconhecimento público; o mais elevado é o ato em que o doador não sabe quem recebe, e o beneficiado ignora quem deu. Entre ambos, há uma gradação de intenções, revelando que a verdadeira caridade se aperfeiçoa à medida que se liberta do orgulho.

Contudo, o mesmo rabino propõe uma reflexão essencial: se todos dessem, ainda que de má vontade, o sofrimento no mundo seria menor. Essa observação nos conduz à compreensão espírita de que o bem, independentemente do grau de pureza com que é realizado, gera sempre consequências positivas.

Em A Gênese, Kardec ensina que “todo esforço para o bem é um passo dado no caminho do progresso”. Assim, o ato de doar — mesmo quando imperfeito — contribui para o adiantamento moral de quem o pratica, porque exercita a solidariedade, ainda que de modo inicial.

O aprendizado do bem

Na perspectiva espírita, a caridade é uma escola e nós, aprendizes. Cada gesto de auxílio, ainda que rudimentar, representa uma lição na arte de amar. Como em qualquer processo educativo, há graus de aprendizado: uns ainda se encontram nas primeiras letras do amor fraterno, outros já avançaram no entendimento do desinteresse e da compaixão.

A prática do bem, portanto, deve ser compreendida como um caminho pedagógico. Quem doa para ser visto talvez esteja apenas começando a despertar para a importância de sair de si mesmo; mais tarde, perceberá que o verdadeiro mérito está em servir discretamente. O Espírito aprende, pela experiência e pelo tempo, que a felicidade maior não está em ser reconhecido, mas em sentir-se útil.

Doar sem tirar nada

Kardec e os Espíritos superiores enfatizam que a verdadeira caridade “não humilha aquele que a recebe”. Doar sem ferir a dignidade do outro é um exercício de empatia e respeito. A doação que diminui ou constrange o beneficiado não é um gesto de amor, mas de superioridade disfarçada.

Por isso, o Espiritismo propõe que aprendamos “a dar sem tirar nada” — isto é, ajudar sem exigir gratidão, sem esperar retorno, sem destacar o próprio nome. Trata-se do nível mais elevado do amor, aquele em que o bem se torna natural, espontâneo e silencioso, tal como as flores que perfumam o ambiente sem jamais dizer: “Veja o que faço”.

Conclusão

Ao invés de julgar a forma como o outro realiza o bem, é mais útil reconhecer que cada gesto de auxílio, por menor ou imperfeito que seja, contribui para diminuir as dores do mundo. O progresso moral não se faz por decretos, mas por tentativas, erros e recomeços.

A Doutrina Espírita nos convida a compreender o bem como um exercício evolutivo. Hoje, talvez doemos com certo interesse ou desejo de aprovação; amanhã, aprenderemos a servir por amor puro, porque o bem feito ao outro é sempre, no fundo, um bem feito a nós mesmos.

Como ensinou Jesus, o verdadeiro tesouro está no coração. E quando o amor se torna o móvel de nossas ações, pouco importa se a mão esquerda viu ou não o que fez a direita — porque, então, ambas agem sob a mesma luz da caridade.

Referências

  • Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII – “Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita”.
  • Allan Kardec, A Gênese, cap. XVII – “Os tempos são chegados”.
  • Revista Espírita, Allan Kardec, anos 1858–1869, diversos artigos sobre caridade e moral cristã.
  • Rachel Naomi Remen, As bênçãos do meu avô, cap. “Agindo da maneira certa”, Ed. Sextante.
  • Momento Espírita, “Agindo da maneira certa”, disponível em: momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=7528&stat=0.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A CANDEIA E O ALQUEIRE O CONHECIMENTO À LUZ DA PEDAGOGIA DE JESUS E DA DOUTRINA ESPÍRITA - A Era do Espírito - Introdução Em tempos de abun...