Introdução
Desde os
primórdios da humanidade, o homem tem contemplado a natureza com um misto de
fascínio e mistério. O céu estrelado, as florestas, os mares e as forças
invisíveis que movem o universo despertaram nele o desejo de compreender as
causas das coisas. Essa busca, que deu origem à ciência e à filosofia, é também
um impulso espiritual — o anseio de reencontrar o Criador na obra da Criação.
À luz da
Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, essa curiosidade não é um acaso
da evolução biológica, mas uma expressão da própria essência do Espírito: a
inteligência que observa, analisa, cria e, gradualmente, se eleva. O homem é
parte da natureza, mas também o seu intérprete. Estudar o cosmos, portanto, é
estudar a si mesmo.
1. A natureza como expressão do pensamento divino
Em O Livro dos Espíritos, os Espíritos superiores afirmam que “Deus
é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” (q. 1). A natureza, então, não é
obra do acaso, mas a manifestação visível dessa Inteligência. Cada elemento do
universo — do átomo ao sistema solar — obedece a leis que refletem a harmonia e
a ordem da Criação.
Contudo,
por mais que a ciência avance, ainda se encontra diante de um abismo de
mistérios. A astrofísica contemporânea estima que 95% do universo é composto
por matéria e energia escuras — invisíveis, imponderáveis e praticamente
desconhecidas. Kardec, em A Gênese (cap. VI), já antecipava que o
invisível é tão real quanto o tangível, sendo a parte mais vasta da natureza.
Assim, a
Doutrina Espírita amplia a visão científica ao afirmar que o universo visível é
apenas a face material de uma realidade espiritual mais profunda. A matéria é o
invólucro do Espírito; o cosmos é o cenário da evolução da consciência.
2. A impermanência e a lei de transformação
universal
Tudo na natureza nasce, evolui
e se transforma, sem jamais se repetir na mesma forma. Essa constatação reflete
o que Allan Kardec denominou “lei de destruição e renovação”,
segundo a qual nada é estático no universo: tudo se encadeia, se modifica e se
aperfeiçoa.
Nada
se perde; tudo se transforma. Desde a floresta que se converte em deserto até a
estrela que colapsa em supernova, a vida se reorganiza sob novas combinações,
obedecendo ao princípio da evolução contínua. Essa
lei rege tanto a matéria quanto o Espírito. O que a visão materialista denomina
“morte” é, em realidade, uma passagem necessária para
outro estado de existência, conforme as leis naturais que regem a criação.
A
paleontologia moderna confirma o ciclo de extinções e
renascimentos da vida na Terra. Em cada período geológico,
novas espécies surgem, adaptam-se e desaparecem, cedendo lugar a outras formas
de vida. O Espírito, porém, sobrevive a todas essas transformações, participando
ativamente do processo por meio da reencarnação, mecanismo
que lhe permite avançar incessantemente na escala evolutiva.
A
Doutrina Espírita ensina: “A alma, após a
morte, entra na vida espiritual, donde volta a nascer para prosseguir sua obra”
(A
Gênese, cap. XI, item 38). Assim, o Espírito é o artífice de sua
própria elevação, utilizando-se da impermanência para construir, em si mesmo, a
estabilidade moral e intelectual que o conduzirá à perfeição.
A
impermanência, portanto, não é destruição, mas pedagogia divina.
Através dela, a natureza e o ser humano avançam em direção à harmonia
universal, compreendendo que cada transformação é expressão da sabedoria de
Deus, que educa a Criação pela lei do progresso.
3. O homem e a ciência: entre a razão e a
responsabilidade
O maior
paradoxo da civilização moderna é o fato de o homem — ser dotado de consciência
e razão — ter-se tornado o principal agente de desequilíbrio do planeta. A
ambição desmedida, o consumo predatório e a manipulação inconsequente dos
recursos naturais revelam uma ciência desvinculada da moral, instrumento
de progresso material sem correspondência com o aperfeiçoamento espiritual.
A
Doutrina Espírita, porém, propõe a necessária reconciliação entre o saber e
o amor. Allan Kardec ensina que “a
ciência e a religião são as duas alavancas do progresso humano” (A
Gênese, cap. I, item 16). Quando dissociadas, produzem desequilíbrio: a
ciência, entregue ao materialismo, torna-se fria e egoísta; a religião, sem o
apoio da razão, degenera em fanatismo. Unidas, contudo, ambas conduzem à verdadeira
sabedoria, que é o conhecimento iluminado pela consciência moral.
O século
XXI testemunha, de modo contundente, essa urgência de integração. O aquecimento
global, a perda da biodiversidade e a crise hídrica desafiam não apenas as
políticas públicas, mas, sobretudo, a consciência espiritual do ser humano.
Emmanuel recorda que “a natureza é o
templo onde o Espírito aprende as lições da vida” (O Consolador,
questão 79). Desrespeitá-la é violar a lei divina, pois tudo o que o homem
destrói fora de si, destrói também dentro de si.
A
ciência, quando orientada pelo sentimento de fraternidade, converte-se em instrumento
de regeneração. Iniciativas como a energia solar, a biotecnologia
sustentável e as pesquisas da física moderna, que apontam para a interconexão
de todas as formas de existência, revelam um caminho de aproximação entre o
pensamento científico e a visão espiritualista da vida. Assim, a humanidade
aprende que o verdadeiro progresso é aquele que harmoniza a inteligência com o
amor, o poder com a responsabilidade e o saber com a consciência.
4. O verbo criador e a consciência em expansão
“No
princípio, estava o Verbo”
— assim se inicia o Evangelho segundo João (1:1), expressão simbólica que une o
relato do Gênesis
bíblico à visão científica e filosófica
da Criação apresentada pela Doutrina Espírita. O “Verbo” representa a vontade
divina em ação, o poder criador que organiza o caos e faz
surgir a luz — símbolo da razão e da vida em movimento.
Allan
Kardec explica que o fluido cósmico universal
é “o elemento primitivo de todas as
coisas” (A
Gênese, cap. XIV, item 2), constituindo a substância fundamental da
qual se originam tanto a matéria quanto as forças físicas e espirituais. Dessa
matriz divina derivam o mundo visível e o invisível, ambos sustentados pelas
leis de harmonia e progresso que regem o universo.
Quando
o homem cria, inventa ou transforma, ele participa — em escala reduzida — desse
mesmo impulso
criador universal. A inteligência humana é reflexo da
Inteligência Suprema; por isso, o ato de pesquisar, descobrir e transformar é
expressão da centelha divina que habita cada Espírito. O
aprendizado contínuo, impulsionado pela curiosidade e pela necessidade de
compreender, é o motor da evolução. O não saber, longe de ser
limitação, é estímulo: a ignorância dinâmica que impele o Espírito imortal a
buscar a luz do conhecimento e a ascender rumo à perfeição.
O
edifício
da ciência simboliza, também, o edifício da evolução
espiritual. Cada andar representa uma conquista do pensamento,
uma ampliação da consciência e uma etapa de amadurecimento moral. No topo dessa
construção — que o homem ainda ergue — encontra-se o reencontro com Deus, não
mais como mistério inalcançável, mas como presença viva de Amor
e Sabedoria universais.
Assim,
a expansão da consciência humana constitui a continuidade natural
da obra divina. Quanto mais o Espírito compreende as leis do
universo, mais reconhece nelas a assinatura de Deus e mais profundamente se
sente chamado a cooperar com a Criação, tornando-se instrumento
consciente do bem e participante ativo do progresso universal.
Conclusão
A natureza é o espelho visível
do pensamento divino, manifestação viva da sabedoria e da harmonia que
sustentam o universo. O homem, dotado de razão e livre-arbítrio, é chamado a
ser colaborador
consciente dessa obra, participando de sua continuidade por
meio da ciência, da moral e do amor.
Quando
iluminada pela fé raciocinada, a ciência deixa de ser
simples instrumento de domínio e torna-se ponte de comunhão com o Criador,
pois conduz o Espírito humano à compreensão das leis universais e à
responsabilidade por seus atos diante da vida. Assim, conhecer é também servir;
descobrir é aprender a respeitar e conservar a Criação.
O Espiritismo,
ao unir ciência, filosofia e moral cristã, revela o nexo que liga todos os
seres e sistemas da natureza. Ensina que nada é inútil, nada se perde, tudo se
transforma (A Gênese, cap. IV, item 19),
segundo a lei do progresso que rege o cosmos e o destino dos Espíritos. Cada
transformação, por menor que pareça, representa um passo adiante na escala
evolutiva.
O
destino do homem é, portanto, o mesmo da natureza: ascender da
ignorância à luz, do egoísmo à fraternidade, da matéria ao Espírito.
Nesse caminho infinito, cada conquista do saber, cada gesto de amor e cada
superação moral aproximam o ser humano d’Aquele que é a Causa
primária, a essência e o fim de todas as coisas — Deus.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. Paris, 1857.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
Paris, 1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869). Paris.
- XAVIER, Francisco Cândido
(por Emmanuel). O Consolador. FEB, 1940.
- Frazão de M. Lima, Pedro. A
Natureza, o Homem e Seu Destino. Artigo.
- CAPRA, Fritjof. O Tao da
Física. São Paulo: Cultrix, 1999.
- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS (ONU). Relatório sobre o Estado do Clima Global 2024.
- LOVELock, James. Gaia: Um
Novo Olhar sobre a Vida na Terra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.
- JOÃO, Evangelho
segundo João, 1:1.
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