quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O CORDÃO DE PRATA E A VAIDADE DA VIDA
- A Era do Espírito -

Introdução

O livro de Eclesiastes, atribuído tradicionalmente ao rei Salomão, encerra uma das mais profundas reflexões bíblicas sobre a transitoriedade da existência humana e a busca de sentido na vida. No capítulo 12, versículos 6 a 8, o autor sagrado convida o ser humano a “lembrar-se do Criador” antes que cheguem os dias difíceis e a morte se imponha. Essa passagem, rica em simbolismo, descreve poeticamente o desligamento do espírito em relação ao corpo, destacando a fragilidade da matéria e a imortalidade da alma.

À luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, essa simbologia ganha nova profundidade. A referência ao “cordão de prata”, que se rompe na morte, revela uma intuição espiritual notável sobre o laço fluídico que une o corpo físico ao Espírito — conceito amplamente desenvolvido na Codificação e confirmado pela observação dos fenômenos mediúnicos.

O Cordão de Prata e a Emancipação da Alma

Eclesiastes 12:6 afirma:

“Antes que o cordão de prata se rompa, e a tigela de ouro se quebre...”

Na linguagem bíblica, o “cordão de prata” é uma metáfora do elo vital que une o Espírito ao corpo. Segundo o Livro dos Espíritos (questões 93–95 e 257–259), esse elo é de natureza fluídica e é mantido por meio do perispírito, o envoltório semimaterial que serve de intermediário entre a alma e a matéria. Kardec descreve que, durante o sono ou o transe mediúnico, o Espírito pode afastar-se parcialmente do corpo, mantendo-se ligado a ele por um laço fluídico — o mesmo que se rompe definitivamente por ocasião da morte.

A Revista Espírita (abril de 1858) confirma esse princípio ao relatar observações de emancipação da alma durante o sono e de fenômenos de desprendimento espiritual em pessoas moribundas, nas quais o cordão fluídico vai se enfraquecendo até a completa libertação. Assim, o texto de Eclesiastes não apenas contém uma poesia sobre a finitude humana, mas expressa uma verdade espiritual: a alma sobrevive à decomposição do corpo e retorna ao plano espiritual, “a Deus, que a deu” (Ecl 12:7).

A Dissolução do Corpo e o Retorno do Espírito

O versículo 7 declara:

“E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus, que o deu.”

Essa afirmação contém, em essência, a lei da morte e da continuidade da vida espiritual, como ensina o Espiritismo. Kardec explica em A Gênese (cap. XI) que a morte não é senão a separação dos elementos materiais e espirituais, cada um retornando à sua origem. O corpo, formado de elementos da Terra, volta ao seu ciclo natural; o Espírito, liberto, prossegue sua existência consciente em outro plano, conservando sua individualidade.

Portanto, longe de ser o “fim”, a morte é um renascimento espiritual. Ela representa a passagem para uma nova etapa evolutiva, na qual o Espírito colherá os frutos de suas ações e preparará futuras reencarnações, conforme a lei de causa e efeito. Essa compreensão racional e consoladora dissipa o temor da morte e substitui o fatalismo pela esperança em um progresso contínuo e infinito.

A Vaidade da Vida sem Propósito Espiritual

O pregador conclui:

“Vaidade de vaidades, tudo é vaidade.” (Ecl 12:8)

No contexto original, “vaidade” deriva do latim vanitas, significando “vazio”, “futilidade” ou “ilusão”. O autor bíblico constata que todas as conquistas humanas — riqueza, poder, beleza ou prazer — são efêmeras diante da morte.

O Espiritismo amplia essa reflexão ao demonstrar que o verdadeiro valor da vida não está na posse transitória, mas no aperfeiçoamento moral e intelectual do Espírito. Conforme O Livro dos Espíritos (questão 922), a felicidade real não depende das condições externas, mas do equilíbrio interior e da consciência tranquila. Viver apenas para os bens materiais é, portanto, viver na “vaidade das vaidades”, pois tudo o que é material perece, enquanto o que é espiritual permanece.

Na Revista Espírita (dezembro de 1860), Kardec comenta que “o homem, ao apegar-se à matéria, constrói castelos sobre areia movediça”, esquecendo-se de que sua verdadeira pátria é o mundo espiritual. O Espiritismo convida, assim, à vivência lúcida e equilibrada na Terra, valorizando as oportunidades de crescimento moral sem perder de vista a finalidade maior da existência.

Conclusão

O texto de Eclesiastes 12:6–8, quando analisado sob a luz da Doutrina Espírita, revela-se mais do que uma meditação sobre a brevidade da vida: é um convite à consciência espiritual. O “cordão de prata” simboliza o vínculo sagrado entre o corpo e o Espírito; a “tigela de ouro” e a “jarra quebrada” representam a dissolução do organismo; e a expressão “tudo é vaidade” lembra que apenas o que se edifica no amor e na sabedoria possui valor eterno.

Lembrar-se do Criador “nos dias da juventude” significa cultivar desde cedo uma vida orientada por princípios espirituais, que deem sentido à existência e serenidade diante da morte. Como ensina o Espírito de Verdade, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. VI, item 5):

“Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.”

Amor e conhecimento — eis o antídoto contra a vaidade do mundo e o caminho para o retorno consciente a Deus, que é o destino de todos os Espíritos.

Referências

  • Bíblia Sagrada, Eclesiastes 12:6–8.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 73. ed. FEB, 2023.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 41. ed. FEB, 2023.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 89. ed. FEB, 2023.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869). Ed. FEB.
  • PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tempo. 9. ed. Paideia, 2011.

 

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