terça-feira, 14 de outubro de 2025

O ESTIGMA E A LEI DE AMOR
UMA REFLEXÃO ESPÍRITA SOBRE O JULGAMENTO E A INCLUSÃO
- A Era do Espírito -

Introdução

A palavra estigma remonta à Antiguidade, significando originalmente uma marca no corpo — física ou simbólica — que distinguia um indivíduo dos demais. Com o tempo, o termo passou a expressar uma marca social, invisível, mas profundamente real: o preconceito. Na sociedade contemporânea, o estigma atua como um mecanismo de exclusão e julgamento, afetando grupos e pessoas por suas condições físicas, mentais, econômicas, comportamentais ou espirituais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 25% da população mundial sofrerá algum transtorno mental ao longo da vida, e o estigma é um dos principais fatores que impedem o acesso ao tratamento. Situação semelhante se observa em relação à pobreza, à orientação sexual, às deficiências e à condição de rua — em todos esses casos, a marca simbólica do preconceito isola, fere e nega humanidade.

À luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, a questão do estigma ultrapassa o campo social: ela revela o grau de maturidade moral do Espírito e o quanto a humanidade ainda precisa aprender sobre a lei de amor, justiça e caridade que rege a vida.

1. O estigma como expressão do orgulho e do egoísmo

Em O Livro dos Espíritos, questão 785, Kardec pergunta: “Qual o maior obstáculo ao progresso moral?” Os Espíritos respondem: “O orgulho e o egoísmo.” O estigma social nasce exatamente dessa raiz dupla: o orgulho que julga e o egoísmo que exclui. Ao rotular o outro como inferior, o ser humano revela o quanto ainda está preso à ilusão das aparências.

Na Revista Espírita (junho de 1861), Allan Kardec analisa o comportamento social diante dos chamados “miseráveis” da Terra e afirma que “a miséria moral é maior que a material, porque nasce da ignorância e do desdém pelo próximo.” O estigma, nesse sentido, é uma forma moderna de miséria moral: um mecanismo pelo qual a sociedade tenta se distanciar daquilo que teme ou não compreende.

2. O olhar de Jesus sobre os estigmatizados

Nos Evangelhos, Jesus exemplificou uma postura radicalmente oposta à cultura do estigma. Ele tocou leprosos, conversou com publicanos, defendeu adúlteras e acolheu estrangeiros — todos considerados “impuros” pela sociedade de sua época. Sua conduta rompeu fronteiras religiosas e sociais, demonstrando que o verdadeiro valor do ser humano reside no Espírito imortal, e não nas circunstâncias exteriores.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XI), a Doutrina Espírita interpreta o ensinamento “Amai-vos uns aos outros” como fundamento essencial da regeneração moral da humanidade. Nesse capítulo, destaca-se que o amor é a força capaz de dissolver o estigma, porque neutraliza o julgamento e desperta a empatia, conduzindo o ser humano à verdadeira fraternidade. Ver o outro como irmão é reconhecer nele a centelha divina, independentemente de suas limitações ou escolhas.

3. Estigmas modernos e desafios espirituais

No século XXI, novos estigmas se somam aos antigos. Pessoas com transtornos mentais, dependência química, doenças crônicas, histórico prisional, orientação sexual diversa ou condições econômicas precárias enfrentam formas sutis e persistentes de exclusão.

A OMS e o Ministério da Saúde brasileiro destacam que o estigma é uma das principais barreiras para o tratamento da depressão e da dependência química — duas condições que estão entre as maiores causas de sofrimento emocional e suicídio no mundo.

Do ponto de vista espírita, esses quadros refletem provas e expiações do Espírito em sua trajetória evolutiva. Entretanto, isso não justifica o julgamento; ao contrário, convida à compaixão. Como ensina Emmanuel, em O Consolador (questão 341):

“Toda dor merece respeito. O sofrimento alheio é um chamado à fraternidade, e não à censura.”

A estigmatização, portanto, é uma negação da fraternidade. Ao marginalizar o outro, impedimos não apenas seu progresso, mas também o nosso, pois nos afastamos da lei de amor que sustenta o universo moral.

4. Estigma, mediunidade e fenômenos espirituais

Curiosamente, o termo estigma também possui uma acepção espiritual específica: designa marcas físicas ou sutis que podem aparecer em médiuns de efeitos físicos ou em fenômenos religiosos, como as chamadas “chagas do Cristo”. Na Revista Espírita (abril de 1862), Kardec comenta casos de “estigmas espontâneos” em médiuns piedosos, esclarecendo que essas marcas não têm valor de santidade em si mesmas, mas expressam a sensibilidade do médium e sua sintonia moral.

Assim, há dois tipos de estigma: o físico, que pode surgir como fenômeno espiritual legítimo; e o social, que é fruto do julgamento humano. O primeiro pode elevar o Espírito; o segundo, rebaixar a sociedade.

5. Superar o estigma: uma proposta espírita

O Espiritismo propõe uma revolução moral silenciosa para combater o estigma: a educação dos sentimentos. O preconceito nasce da ignorância espiritual; portanto, sua cura está no conhecimento aliado à prática do amor.

Três atitudes espíritas podem auxiliar na superação do estigma:

  1. Educar a consciência — compreender que todos somos Espíritos imortais em diferentes graus de aprendizado, e que as diferenças humanas são apenas temporárias.
  2. Exercitar a empatia — colocar-se no lugar do outro e buscar compreendê-lo sem julgamentos, lembrando que todos trazemos nossas próprias marcas, visíveis ou invisíveis.
  3. Praticar a caridade moral — expressa no respeito, na escuta e na valorização do próximo, como ensina Kardec no capítulo XV de O Evangelho segundo o Espiritismo: “Fora da caridade não há salvação.”

Quando a sociedade adota a caridade como princípio, o estigma perde sua força, e a dignidade humana é restaurada.

Conclusão

O estigma, seja religioso, social ou psicológico, é sempre uma marca imposta pela ignorância. Sob a luz da Doutrina Espírita, reconhecemos que todos os Espíritos carregam cicatrizes do passado, mas também o potencial infinito de regeneração. O caminho da evolução é o da inclusão, e não o do julgamento.

Combater o estigma é, portanto, um ato profundamente cristão e espírita. É ver no outro, não o erro, mas a oportunidade de amar. Como ensinou Jesus, “não julgueis, para que não sejais julgados”, pois o que hoje é motivo de crítica pode ser, amanhã, a nossa própria lição de humildade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Paris, 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Paris, 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869). Paris.
  • XAVIER, Francisco Cândido (por Emmanuel). O Consolador. FEB, 1940.
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). World Mental Health Report: 2023 Update.
  • Ministério da Saúde. Boletim de Saúde Mental e Estigma no Brasil, 2024.
  • GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC, 2022.
  • Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Desigualdade e Estigmatização Social no Brasil. 2024.

 

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