terça-feira, 14 de outubro de 2025

ENTRE A DOR, A RESPONSABILIDADE E A ESPERANÇA
O SUICÍDIO À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito -

Introdução

O suicídio é um dos fenômenos humanos mais complexos e dolorosos da atualidade. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos — uma morte a cada 40 segundos. Estima-se ainda que, para cada suicídio consumado, ocorram cerca de 20 tentativas, o que revela a dimensão silenciosa dessa crise global. Os fatores associados ao suicídio envolvem questões psicológicas, sociais, econômicas e espirituais, refletindo o sofrimento de indivíduos que, por diferentes razões, perdem a esperança e o sentido de viver.

Contudo, quando analisado sob a ótica da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, o suicídio ganha uma dimensão mais profunda e consoladora. O Espiritismo não apenas explica as causas morais e espirituais desse ato, como também propõe caminhos de compreensão, prevenção e amparo aos que sofrem.

1. O suicídio como ruptura com a lei divina

Em O Livro dos Espíritos, questão 944, Allan Kardec pergunta aos Espíritos sobre o direito do homem de dispor da própria vida. A resposta é clara e compassiva: “Não, o homem não tem esse direito; só Deus o tem. O suicídio é uma transgressão à lei de Deus.” Essa afirmação não nasce do dogma ou da condenação, mas do entendimento de que a vida é um empréstimo divino, concedido para o progresso espiritual.

Ao atentar contra si mesmo, o Espírito interrompe voluntariamente uma experiência necessária à sua evolução, prolongando a dor que pretendia evitar. A morte física não extingue o sofrimento moral; apenas o transfere para outra dimensão, onde a consciência desperta diante das consequências de seus atos. Essa explicação encontra eco nas comunicações publicadas por Kardec na Revista Espírita (1858–1869), em especial nos relatos de suicidas arrependidos, que descrevem o remorso, o isolamento e o desejo de recomeçar sob novas condições.

2. A visão espírita sobre o sofrimento e a desesperança

O Espiritismo ensina que o sofrimento, por mais intenso que seja, tem finalidade educativa e reparadora. As dores físicas, emocionais e morais são provas que o Espírito aceita, antes de reencarnar, para fortalecer-se e expiar débitos do passado. Desse modo, não há sofrimento inútil.

A depressão, a ansiedade e outras perturbações mentais — causas frequentes do suicídio — podem ter raízes espirituais em desequilíbrios de outras existências ou em influências obsessivas. Por isso, o tratamento integral deve incluir o cuidado médico e psicológico, aliado à assistência espiritual por meio da oração, do Evangelho no Lar e do trabalho no bem.

Emmanuel, em O Consolador, questão 152, adverte: “A dor é sempre uma bênção, quando procurada para o aprendizado e não para o desespero.” O desespero, por sua vez, é compreendido como uma perda momentânea da fé e da confiança em Deus — um esquecimento de que nenhuma situação é definitiva e de que a vida prossegue além da matéria.

3. Prevenção e acolhimento: a caridade como remédio espiritual

A Doutrina Espírita não condena o suicida, mas o acolhe com misericórdia e esperança. Nas reuniões mediúnicas sérias, muitos Espíritos que se suicidaram comunicam-se relatando seu arrependimento e pedindo auxílio. Esses testemunhos, registrados por Kardec e continuados em obras como Memórias de um Suicida (Camilo Castelo Branco, psicografia de Yvonne Pereira), mostram que a misericórdia divina jamais abandona ninguém.

Entretanto, a prevenção do suicídio não é apenas uma tarefa espiritual; é também um dever social e humano. A caridade, ensinada por Jesus e reafirmada por Kardec, é o maior antídoto contra o desespero. A escuta fraterna, o apoio emocional e a solidariedade prática são expressões da lei de amor. Em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XI), A Doutrina Espírita ensina que “fora da caridade não há salvação”, e isso inclui salvar vidas através da empatia e da compreensão.

A atuação de instituições espíritas em campanhas de valorização da vida, palestras, grupos de apoio e atendimento espiritual contribui para iluminar consciências e fortalecer corações fragilizados.

4. Um olhar sobre a sociedade contemporânea

O suicídio não é apenas um drama individual, mas também um reflexo do adoecimento coletivo. O aumento da solidão, do consumismo, das pressões sociais e do imediatismo emocional cria um terreno fértil para o vazio existencial. A tecnologia, embora conecte pessoas virtualmente, tem aumentado a sensação de isolamento, especialmente entre os jovens — faixa etária em que o suicídio é hoje a segunda causa de morte no mundo (OMS, 2023).

A visão espírita propõe um contraponto: reconectar-se com o propósito espiritual da existência. Quando o ser humano compreende que a vida é uma oportunidade de crescimento moral e que as dores são passageiras, o desespero cede lugar à esperança.

A Revista Espírita (dezembro de 1863) já advertia que “a incredulidade é o veneno da sociedade moderna, e o desespero é o seu fruto mais amargo”. Reacender a fé racional, conforme propõe a Doutrina Espírita, é uma necessidade urgente para os tempos atuais.

5. A mensagem de esperança

Nenhum sofrimento é eterno. Nenhuma queda é definitiva. A justiça divina é sempre acompanhada de amor e de oportunidades de recomeço. O suicídio, embora seja um ato de desespero, não condena o Espírito à perdição. Ele será amparado, educado e conduzido novamente à vida corporal para reparar, aprender e crescer.

A missão dos que permanecem na Terra é a de compreender, perdoar e auxiliar. Falar com empatia sobre o tema, acolher quem sofre e oferecer suporte psicológico e espiritual são expressões do verdadeiro cristianismo.

Conclusão

O Espiritismo nos ensina que a vida é sagrada e contínua. O suicídio, longe de ser uma solução, é um desvio temporário que prolonga a dor e adia a conquista da paz. Contudo, a misericórdia divina é infinita: cada Espírito encontrará, em seu tempo, o caminho de volta à luz.

Cabe a nós cultivar o amor, a fé e a solidariedade, para que ninguém se sinta só diante da dor. Assim, estaremos cooperando com Jesus na regeneração moral do mundo, transformando o desespero em esperança e a dor em aprendizado.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858–1869.
  • XAVIER, Francisco Cândido (por Emmanuel). O Consolador. FEB, 1940.
  • PEREIRA, Yvonne A. Memórias de um Suicida. FEB, 1955.
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). World Suicide Report: 2023 Update.
  • Wikipédia. Suicídio. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio.
  • Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Suicídio e Automutilação no Brasil, 2024.

 

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