Introdução
Desde as
primeiras mesas girantes de Hydesville até as experiências sistematizadas por
Allan Kardec, a humanidade tem se debruçado sobre o mistério da ação
inteligente e invisível que se manifesta através da matéria. O Espiritismo, ao
propor uma explicação racional e científica para tais fenômenos, revela que os
Espíritos — seres inteligentes da Criação — atuam sobre o mundo físico por meio
de um elemento intermediário: o fluido universal, base de toda a matéria
e princípio dos fenômenos vitais.
Neste
artigo, busca-se compreender, à luz da Doutrina Espírita codificada por
Allan Kardec, de que maneira o Espírito age sobre a matéria, especialmente
nos fenômenos de efeitos físicos, como os movimentos e as suspensões de
objetos. A análise baseia-se em O Livro dos Médiuns, nas comunicações do
Espírito São Luís e nas observações registradas na Revista Espírita
(1858–1869), em diálogo com os conhecimentos científicos contemporâneos sobre
energia e campo vibracional.
1. O fluido universal: princípio elementar da
matéria
Conforme
explica Kardec em O Livro dos Médiuns (Cap. IV), o fluido universal
não é uma emanação divina, mas uma criação de Deus, o princípio elementar de
todas as coisas. É a substância primitiva de onde derivam a matéria e os
fluidos conhecidos pela ciência, como o elétrico e o magnético.
Nas
palavras do Espírito São Luís, trata-se de um elemento que, em sua forma mais
pura, só é encontrado junto aos Espíritos superiores. Em nosso mundo,
encontra-se sempre modificado, servindo à constituição da matéria densa e ao
envoltório semimaterial dos Espíritos — o perispírito.
Assim, o
fluido universal é o “elo dinâmico” entre o mundo espiritual e o material. Ele
anima a matéria, mas não é a fonte da inteligência, pois esta pertence ao
Espírito. É por meio dele que o Espírito atua sobre os corpos, produzindo desde
os mais simples movimentos de objetos até fenômenos luminosos e sonoros.
2. O papel do perispírito e do médium
O perispírito,
formado de fluido universal em determinado grau de condensação, é o instrumento
direto do Espírito. Ele funciona como um corpo fluídico que possibilita a ação
inteligente sobre a matéria. Quando o Espírito deseja mover um objeto, ele
combina uma porção de fluido universal com o fluido vital (ou animalizado) do
médium, criando uma vida momentânea e artificial no corpo inerte.
Essa
combinação explica por que as mesas “girantes” pareciam agir por vontade
própria: o Espírito imprimia sua vontade sobre um objeto temporariamente
animado por um fluido vitalizado. O médium, nesse processo, serve como ponte
energética, cedendo parte de seu fluido orgânico — o mesmo princípio do
magnetismo animal estudado por Mesmer e reinterpretado pela Doutrina Espírita.
Contudo,
Kardec ressalta que nem todos os médiuns possuem a mesma potência fluídica,
pois a eficácia dessa combinação depende da afinidade vibratória entre o
Espírito e o médium. Há pessoas refratárias, outras que precisam de esforço da
vontade e algumas nas quais a ação se dá naturalmente, mesmo sem consciência do
fenômeno.
3. A ação inteligente sobre a matéria
Segundo a
explicação dos Espíritos, quando um objeto se move ou se eleva, não é o
Espírito quem o empurra com mãos invisíveis, mas sim a matéria animada
que responde à vontade espiritual. Esse movimento não contraria as leis da
natureza, mas se baseia em leis ainda desconhecidas pela ciência humana,
como ressaltou Kardec ao responder aos críticos que alegavam violação da
gravitação universal.
O
Espírito, pela vontade, dirige o fluido universal combinado com o fluido vital
do médium, impregnando o objeto de uma vitalidade artificial. Essa
energia confere-lhe propriedades transitórias, como leveza, movimento ou resistência
anormal. É por isso que certos objetos parecem pesar mais ou menos, ou resistir
ao toque, conforme o tipo de influência fluídica aplicada.
Tais
manifestações não derivam de força muscular ou mecânica, mas de força
psíquico-fluídica, cuja base é a vontade. Esse conceito antecipa, em certa
medida, os atuais estudos sobre psicocinesia e energia bioplasmática,
que investigam a interação entre mente e matéria, embora ainda sem a
profundidade moral e espiritual oferecida pela Doutrina Espírita.
4. Espíritos inferiores e superiores: diferenças de
atuação
Nem todos
os Espíritos são capazes de produzir efeitos físicos. Conforme ensina São Luís,
esses fenômenos são geralmente produzidos por Espíritos inferiores, mais
próximos da matéria e dotados de perispíritos densos, capazes de manipular com
mais facilidade os fluidos pesados do ambiente terrestre.
Os
Espíritos elevados, de natureza mais sutil, não se ocupam diretamente desses
fenômenos, mas podem dirigi-los, valendo-se de entidades subalternas,
como um arquiteto que comanda operários. Essa hierarquia fluídica demonstra que
o poder de agir sobre a matéria não está relacionado ao grau moral, mas à densidade
fluídica do perispírito.
Portanto,
o estudo das manifestações físicas, longe de ser mero espetáculo, oferece ao
observador atento uma profunda lição sobre a estrutura dos mundos
espirituais, o grau de evolução dos Espíritos e a natureza das leis que
regem as interações entre os planos.
5. Ciência, fé e a expansão das leis naturais
Kardec
encerra sua análise afirmando que os fenômenos espíritas não violam as leis
naturais — ao contrário, revelam novas leis. O erro está em limitar a
natureza ao que já se conhece. Assim como outrora o peso do ar e a eletricidade
eram ignorados, o fluido universal representa hoje uma fronteira ainda
não desvelada pela ciência materialista.
A
Doutrina Espírita, portanto, amplia o campo das ciências naturais ao incluir o elemento
espiritual na equação dos fenômenos físicos. Ao mesmo tempo, conserva seu
caráter racional e experimental, exigindo observação, comparação e crítica — o
verdadeiro método espírita que Kardec consolidou em toda a Codificação.
Com o
avanço das ciências da energia, da consciência e da física quântica, novos
horizontes se abrem para a compreensão do universo fluídico descrito
pelos Espíritos em meados do século XIX. A integração entre ciência e
espiritualidade será, cada vez mais, o caminho para compreender o Espírito como
agente inteligente das transformações materiais.
Conclusão
A teoria
espírita sobre os fenômenos físicos demonstra que a ação dos Espíritos sobre a
matéria se realiza por intermédio do fluido universal, dirigido pela
vontade e combinado com o fluido vital dos médiuns. Esse processo revela uma
profunda unidade entre o mundo material e o espiritual, regido por leis
universais que se estendem além dos limites perceptíveis da ciência
tradicional.
Assim, o
Espiritismo não apenas explica as manifestações mediúnicas, mas também convida
o ser humano a compreender-se como parte ativa dessa dinâmica cósmica, capaz de
agir sobre os fluidos pela força do pensamento e pela elevação moral. O estudo
desses fenômenos, longe da superstição, é uma porta para o conhecimento da
vida, da alma e das leis divinas que regem o Universo.
Referências
- Allan Kardec. O Livro dos Médiuns,
2ª Parte, Cap. IV — “Teoria das Manifestações Físicas: Movimentos e Suspensões”.
- Allan Kardec. O Livro dos Espíritos,
questões 27, 94, 93, 129, 187, 257, 282.
- Allan Kardec. A Gênese, Cap. XIV —
“Os Fluidos”.
- Allan Kardec. Revista Espírita,
volumes de 1858 a 1869.
- J. Herculano Pires. Introdução à Filosofia
Espírita.
- Gabriel Delanne. O Espiritismo perante a
Ciência.
- André Luiz. Mecanismos da
Mediunidade.
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