Introdução
Em
meio à complexidade do mundo moderno — marcado por pressões, consumo, ansiedade
e busca incessante por reconhecimento —, as palavras de Jesus sobre os pequeninos
soam mais atuais do que nunca. “Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é
o Reino dos Céus” (Mateus 19:14). No simbolismo do Evangelho, a infância
representa não apenas a pureza, mas também a leveza espiritual, a capacidade de
se desapegar e confiar. Essa lição, reinterpretada à luz da Doutrina Espírita
codificada por Allan Kardec, convida o ser humano a reencontrar o equilíbrio
entre o saber e a simplicidade, entre o progresso e a humildade.
A
pipa, surge como imagem perfeita desse ensinamento: feita de materiais leves,
só se mantém no ar quando não carrega peso em excesso. Assim também é o
Espírito — quanto mais livre das paixões materiais e do egoísmo, mais alto pode
ascender na escala evolutiva.
1. A Leveza como Condição do Progresso Espiritual
Em O
Livro dos Espíritos, os Espíritos Superiores ensinam que “a perfeição moral consiste na depuração das
imperfeições da alma” (questão 909). A leveza espiritual, portanto, é fruto
do esforço individual por libertar-se das paixões inferiores, do orgulho e do
apego às coisas transitórias.
Como a
pipa que precisa estar despojada de adereços para alcançar o céu, o Espírito
necessita desprender-se das ilusões materiais para avançar.
Na Revista
Espírita de março de 1862, Kardec observa que “os Espíritos felizes não são os mais sábios segundo os homens, mas os
mais simples e puros de coração”. O progresso intelectual, sem o
correspondente progresso moral, torna-se peso que impede o voo da alma. É na
pureza de intenções — não na erudição — que reside a verdadeira sabedoria.
2. A Simplicidade como Virtude Esquecida
O
homem moderno multiplicou suas necessidades artificiais. Vive cercado de
tecnologias, informações e objetos, mas sente-se cada vez mais vazio. Essa
saturação material reflete-se também no campo espiritual: os sentimentos
tornam-se complexos, os relacionamentos superficiais e a vida, pesada.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo VIII, “Bem-aventurados os que têm puro o coração”, Kardec comenta: “A pureza de coração é inseparável da
simplicidade e da humildade; exclui todo pensamento de egoísmo e de orgulho.”
Jesus,
ao exaltar os pequeninos, propunha um retorno à essência — não à ignorância
infantil, mas à confiança espontânea, à autenticidade e à receptividade
interior que caracterizam a criança.
A
simplicidade não é atraso, mas equilíbrio. É a capacidade de viver com o
necessário, de pensar sem complicar, de sentir sem corromper. No mundo atual,
ela é virtude revolucionária, pois se opõe ao excesso, à pressa e à
superficialidade que dominam a cultura contemporânea.
3. A Infância como Símbolo do Espírito Renovado
Do
ponto de vista espírita, a infância é uma fase de recomeço moral. Em O Livro
dos Espíritos (questão 383), aprendemos que, ao reencarnar, o Espírito
passa pelo estado de infância para “se
aproximar da simplicidade primitiva e se despojar, por algum tempo, do caráter
e dos hábitos anteriores”.
A
criança é, assim, o símbolo do Espírito em regeneração — leve, receptivo e
ainda desprovido das cristalizações mentais que o orgulho produz com o tempo.
Jesus
utilizou essa imagem para nos recordar que o progresso espiritual não se mede
pela idade da carne, mas pela disposição da alma em aprender e amar. Tornar-se
como os pequeninos significa reviver, conscientemente, essa pureza interior que
nos aproxima de Deus.
4. A Vida Moderna e o Peso do Supérfluo
A
metáfora da pipa permanece atual. Muitos de nós tentamos “voar” com a alma
sobrecarregada — de bens, culpas, vaidades e ansiedades. O resultado é o mesmo
de uma pipa cheia de adornos: não sai do chão.
No
campo social, essa condição reflete-se em fenômenos crescentes de sofrimento
psíquico: depressão, ansiedade e sensação de vazio existencial, especialmente
entre os jovens. O Espírito, sufocado pelas exigências do ego e do consumo,
busca inconscientemente o retorno à simplicidade perdida.
É por
isso que o Espiritismo, ao unir ciência, filosofia e moral, oferece uma
resposta moderna e racional à necessidade de leveza: a compreensão das Leis
Divinas e o cultivo da vida interior. O conhecimento espiritual liberta quando
é vivido com humildade e aplicado no bem.
Conclusão: O Chamado à Leveza
A
lição dos pequeninos é um convite à transformação íntima e à depuração
moral. Para ascender espiritualmente, é preciso reencontrar o equilíbrio entre
o saber e o sentir, entre o progresso técnico e o amor fraterno.
Assim
como a pipa, o Espírito só alcança as alturas quando se torna leve — leve de
orgulho, leve de vaidade, leve de ambição. O fio que o sustenta é a fé, e o
vento que o eleva é o amor.
Resgatar
a pureza e a simplicidade não significa voltar ao passado, mas avançar com
consciência, desprendimento e confiança nas Leis Divinas. Somente os corações
simples compreendem plenamente o Evangelho, pois, como ensinou Jesus, “bem-aventurados os puros de coração, porque
verão a Deus”.
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- Allan Kardec. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- Allan Kardec. Revista
Espírita (1858–1869).
- Cechelero, Andrey. Os
Pequeninos.
- Momento Espírita. Os
pequeninos de Jesus no poema. Disponível em: momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=7534&stat=0
- Evangelho de
Mateus, cap. 19, vers. 14.
- Emmanuel
(psicografia de Chico Xavier). A Caminho da Luz. FEB, 1939.
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