Introdução
Entre
as frases mais difundidas nos meios espíritas, uma das mais conhecidas é:
“A alma dorme na pedra,
sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem.”
Com
frequência, atribui-se essa máxima a Léon Denis. No entanto, Denis jamais a
formulou assim. A expressão autêntica, em O Problema do Sere do Destino,
é mais precisa e doutrinariamente coerente:
“Na planta, a
inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se,
possui-se e torna-se consciente.”
A
diferença não é apenas de estilo, mas de conceito doutrinário. Enquanto
a versão popular sugere uma alma atuante desde o mineral, Denis — em
conformidade com Kardec — inicia a gradação evolutiva no reino vegetal.
Surge, então, a questão central: há, de alguma forma, atividades do princípio
inteligente nos minerais?
À luz
da Codificação Espírita, a resposta é não. A seguir, analisamos o tema
com base em O Livro dos Espíritos, A Gênese e na Revista
Espírita, comparando ainda com o poema “Urânia” (novembro de 1859), onde se
aborda poeticamente a harmonia universal sem confundir a matéria inerte com o
princípio espiritual.
1. O princípio inteligente e os limites da matéria
inerte
Em O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec classifica os seres da Natureza em três
ordens fundamentais (questões 71, 585 e 585a):
- Os seres inanimados, desprovidos de
vitalidade e inteligência — o reino mineral;
- Os seres animados
não pensantes,
dotados de vitalidade, mas sem inteligência — o reino vegetal;
- Os seres animados
pensantes,
dotados de vitalidade e princípio inteligente — o reino animal e o homem.
Essa
divisão é decisiva: o reino mineral não possui vitalidade nem princípio
inteligente. Kardec explica que “a
alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica” (LE, q.
136a), e que os minerais possuem apenas “força mecânica”, não “vida” nem “inteligência”.
Portanto,
a matéria inerte é apenas o campo de ação, o instrumento passivo de
transformação da Natureza, e não um estágio evolutivo do espírito.
2. Instinto e inteligência: gradações do princípio
espiritual
Em A
Gênese (cap. III, “O Bem e o Mal”), Kardec afirma que o instinto é “uma espécie de inteligência rudimentar”
presente em todos os seres orgânicos. Esse instinto é o primeiro indício da
atividade do princípio inteligente, mas só se manifesta em organismos vivos.
Nas
plantas, o instinto se revela em suas tendências automáticas — como buscar luz
ou umidade —; nos animais, torna-se mais elaborado, aproximando-se da
inteligência; e no homem, adquire consciência e razão.
Assim,
o progresso do princípio espiritual requer um corpo organizado, vitalizado,
apto a servir de instrumento ao aprendizado. Isso exclui qualquer forma de
“vida psíquica” no mineral.
3. A união progressiva do Espírito e da matéria
Em A
Gênese, capítulo XI, Kardec é explícito:
“Deus, em lugar de unir
o Espírito à pedra rígida, criou, para seu uso, corpos organizados, flexíveis e
capazes de receber todos os impulsos de sua vontade.”
Esse
trecho é conclusivo: a pedra não é invólucro do Espírito. O princípio
inteligente não evolui na matéria bruta, mas atua sobre ela,
organizando-a e transformando-a conforme progride. O mineral é, portanto, objeto
do trabalho do Espírito, e não o meio de seu desenvolvimento.
Assim,
a pedra, ainda que bela e útil no conjunto da criação, não contém em si
atividade do princípio espiritual.
4. O poema “Urânia” e a harmonia universal
O
poema “Urânia”, publicado na Revista Espírita (novembro de 1859), exalta
a grandeza do Cosmo e a presença divina em todas as coisas. Nele, se comenta
que “a harmonia universal é a expressão
da sabedoria eterna”, e que os astros, montanhas e oceanos “obedecem ao
pensamento divino”.
Entretanto,
essa obediência é mecânica e não consciente. Kardec vê a Natureza como
reflexo da Inteligência Suprema, mas não atribui consciência ou princípio
inteligente aos corpos inorgânicos. “Urânia” é, portanto, uma exaltação
poética da ordem divina, não uma declaração de vitalismo mineral.
5. Interpretações posteriores e prudência
doutrinária
Autores
espirituais como André Luiz, em Evolução em Dois Mundos e No Mundo
Maior, empregam expressões simbólicas como “consciência em germinação no
mineral”. Tais imagens, embora belas, devem ser compreendidas como metáforas
de continuidade cósmica, não como afirmação literal de vida psíquica em
minerais.
Como
adverte Kardec na Revista Espírita (novembro de 1868):
“O Espiritismo marcha
com a ciência, mas não a substitui; não deve aceitar como princípio o que ainda
é simples hipótese.”
A
fidelidade à Codificação requer, portanto, distinguir entre o ensino doutrinário
universalmente confirmado e o complemento simbólico ou poético de
autores espirituais posteriores.
6. Conclusão
À luz
dos ensinos de Allan Kardec, não há atividade do princípio inteligente nos
minerais. A pedra é matéria inerte, instrumento de trabalho do Espírito,
mas não sede de sua evolução.
O
princípio inteligente só se manifesta nos seres orgânicos, avançando do
instinto vegetal à inteligência animal, até despertar plenamente no homem.
A
célebre síntese de Léon Denis — “Na
planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; no homem, desperta” —
expressa com fidelidade a filosofia espírita e preserva sua coerência
científica e moral.
Assim,
o Espiritismo reafirma a harmonia e a continuidade da Criação sem confundir o
campo material com o princípio espiritual que o anima.
Referências
- ALLAN KARDEC. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed., 1857.
- ALLAN KARDEC. A
Gênese. Capítulos III e XI.
- ALLAN KARDEC. Revista
Espírita (nov. 1859 e nov. 1868).
- LÉON DENIS. O
Problema do Ser e do Destino (1908).
- ANDRÉ LUIZ
(Espírito). No Mundo Maior; Evolução em Dois Mundos.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
- PAULO DA SILVA NETO
SOBRINHO. “A Alma Dorme no Mineral?” Revista Espiritismo & Ciência,
ano 4, nº 46.
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