Introdução
O
Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido amplamente estudado nas últimas
décadas sob a ótica das neurociências, da psicologia e da educação inclusiva.
As pesquisas contemporâneas o compreendem não como uma doença, mas como uma neurodivergência,
uma variação legítima e natural da mente humana. Contudo, à luz da Doutrina
Espírita codificada por Allan Kardec, essa diversidade cognitiva e
comportamental pode ser compreendida sob uma perspectiva ainda mais profunda: a
da individualidade espiritual, da reencarnação e da evolução
moral do Espírito.
A ciência
material analisa o autismo a partir do funcionamento cerebral; o Espiritismo,
sem negar tais descobertas, amplia o olhar para o ser integral,
considerando o Espírito, o perispírito e o corpo físico em sua interação
dinâmica. Assim, compreender o TEA sob uma abordagem espírita é integrar
ciência, filosofia e moral, buscando não explicações dogmáticas, mas sentidos
existenciais e espirituais que promovam respeito, empatia e inclusão
verdadeira.
1. O Ser Integral e a Diversidade Espiritual
Allan
Kardec, em O Livro dos Espíritos (questões 134 a 146), ensina que o
homem é formado pela união de três elementos: o Espírito, o perispírito
(ou corpo espiritual) e o corpo físico. Cada reencarnação é uma experiência
única, em que o Espírito se serve do corpo como instrumento de progresso. Nessa
relação, as condições biológicas, neurológicas e sensoriais não são
castigos, mas meios de aprendizado e expressão.
Sob essa
ótica, o autismo pode ser compreendido como uma forma singular de
manifestação do Espírito reencarnado, cujo cérebro físico — órgão da
inteligência — traduz de maneira diferenciada as percepções, sentimentos e
modos de interação do ser espiritual.
A
Doutrina Espírita reconhece que há variações nos instrumentos corporais,
compatíveis com as necessidades evolutivas individuais. Assim, as
limitações aparentes não diminuem o valor do Espírito; ao contrário, revelam provas
e missões que visam ao desenvolvimento moral e à expansão da sensibilidade.
2. O Autismo e a Reencarnação: Provas, Expiações e
Missões
Na Revista
Espírita (dezembro de 1863), Kardec comenta que muitas enfermidades e
condições particulares resultam de provas escolhidas pelo Espírito antes de
reencarnar, a fim de “expiar o
passado ou adiantar-se mais rapidamente”. O mesmo raciocínio pode ser
aplicado ao autismo, sem cair em julgamentos morais ou interpretações
fatalistas.
Cada
Espírito, ao encarnar, aceita desafios compatíveis com seu grau de progresso,
podendo vivenciar experiências que limitam certas funções para desenvolver
outras — como a sensibilidade, a concentração, o amor desinteressado ou a
percepção intuitiva.
Por outro
lado, alguns Espíritos autistas revelam capacidades incomuns, como habilidades
artísticas, musicais ou intelectuais intensas. Essas manifestações, do ponto de
vista espiritual, indicam a persistência de aquisições intelectuais do
passado, que ultrapassam as restrições cerebrais atuais. Isso demonstra que
o autismo não define o ser espiritual, mas apenas modifica as vias de
expressão de sua inteligência e afeto.
3. A Família e a Educação como Instrumentos Divinos
O lar é o
primeiro campo de aprendizado moral e afetivo. Para a Doutrina Espírita, os
laços familiares são reencontros programados, destinados ao crescimento
mútuo. A presença de uma criança com TEA em uma família não é fruto do acaso,
mas uma oportunidade de exercício do amor, da paciência e da solidariedade.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XIV, item 9), lê-se:
“Deus coloca os filhos no seio
das famílias para que estes se instruam na reciprocidade do afeto.”
A escola
e a casa espírita também desempenham papel essencial. A educação inclusiva,
quando iluminada pelo entendimento espiritual, torna-se um ato de caridade e
de justiça. Assim como a ciência busca adaptar métodos pedagógicos, o
Espiritismo convida a sociedade a educar o coração, compreendendo a alma
por trás do comportamento. O autista, muitas vezes incompreendido, é um espírito
sensível, que ensina silenciosamente valores de aceitação, respeito e
simplicidade.
4. O Papel da Ciência e a Convergência com o
Espiritismo
O avanço
científico, especialmente com o DSM-5 e o CID-11 (*), permite diagnósticos mais
precisos e intervenções adequadas. Terapias como ABA (**), fonoaudiologia e
terapia ocupacional têm contribuído para o desenvolvimento das habilidades
sociais e comunicativas das pessoas com TEA.
Entretanto,
conforme lembra Kardec em A Gênese (cap. XI, item 36), “a ciência é chamada a explicar as leis da
matéria, e o Espiritismo as do princípio espiritual”. A união dessas duas
perspectivas — neurociência e espiritualidade — oferece uma compreensão
mais completa do ser humano.
O Espiritismo não substitui a medicina, mas complementa-a moralmente,
reconhecendo que todo tratamento eficaz deve incluir o cuidado da alma, com
empatia, acolhimento e amor.
(*) O DSM-5 e o CID-11 são
os dois principais sistemas de classificação de diagnósticos de saúde mental e
doenças usados no mundo. Enquanto
o DSM-5 é publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) e serve de
referência para profissionais de saúde mental, o CID-11 é publicado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e é utilizado globalmente para fins de
estatística, pesquisa e registro de saúde pública.
(**) A Análise do
Comportamento Aplicada (ABA) é uma ciência derivada da psicologia que
busca entender e mudar comportamentos que são socialmente relevantes para o
indivíduo. Embora seja amplamente conhecida e utilizada no tratamento de
pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a ABA não se limita a ele,
podendo ser aplicada em diversas áreas.
5. Inclusão e Empatia: Caminhos para a Regeneração
Vivemos a
transição para o mundo de regeneração, onde a fraternidade substituirá o
egoísmo. Nesse contexto, a inclusão das pessoas autistas não é apenas uma
questão de política pública, mas um sinal do progresso moral da humanidade.
Ao
aprender a conviver com as diferenças, o ser humano amplia sua capacidade de
amar. A sociedade que acolhe o autista reconhece nele um irmão em jornada,
portador de uma luz interior que brilha em frequência diferente, mas igualmente
divina.
O
Espiritismo ensina que “fora da caridade
não há salvação”. A verdadeira inclusão, portanto, não está apenas em
adaptar estruturas, mas em transformar sentimentos. Compreender o
autismo espiritualmente é enxergar o Espírito imortal que habita cada ser, em
diferentes estágios de aprendizado e sensibilidade.
Conclusão
O
autismo, sob a ótica espírita, é uma expressão legítima da diversidade
espiritual e biológica do ser humano. Cada pessoa com TEA é um Espírito em
processo de crescimento, merecedor de respeito, amor e oportunidades de
desenvolvimento.
A
Doutrina Espírita convida-nos a ir além da aparência clínica, percebendo a
dimensão imortal que pulsa por trás da neurodivergência. Assim, ciência e
espiritualidade se unem em um mesmo propósito: revelar a grandeza da alma humana
em todas as suas formas de manifestação.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 72ª ed. FEB, 2022.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 63ª ed. FEB, 2021.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
46ª ed. FEB, 2021.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita
(1858–1869). Diversos números.
- DSM-5. Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais. APA, 2013.
- OMS. Classificação
Internacional de Doenças (CID-11), 2019.
- FERREIRA, Therezinha
Oliveira. O Espírito e o Corpo: Perspectiva Espírita sobre as
Deficiências. Ed. Allan Kardec, 2004.
- PIRES, José Herculano. O
Espírito e o Tempo. Edicel, 1964.
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