terça-feira, 21 de outubro de 2025

OS TRÊS CRIVOS DE SÓCRATES
E A MORAL ESPÍRITA DA PALAVRA
- A Era do Espírito – 

Um homem procurou Sócrates para contar-lhe algo grave sobre outra pessoa. Antes de ouvi-lo, o filósofo perguntou se a informação havia passado pelos “três crivos”: o da verdade, o da bondade e o da utilidade. O visitante admitiu que não tinha certeza se o fato era verdadeiro, que não era bom e tampouco útil. Então Sócrates concluiu que nada valia a pena ser dito, ensinando que não devemos espalhar o que não é verdadeiro, bom ou útil, pois a maledicência não traz benefício algum.

Introdução

A célebre parábola dos Três Crivos de Sócrates, imortalizada nas páginas do Espiritismo por meio da pena mediúnica de Francisco Cândido Xavier (Irmão X – Humberto de Campos), oferece um ensinamento de profunda atualidade moral e espiritual. Em um tempo em que a comunicação humana se dá de forma instantânea e global, o discernimento ético no uso da palavra — falada, escrita ou digital — tornou-se um imperativo de evolução coletiva. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, reforça essa lição socrática ao situar a palavra como expressão do pensamento e instrumento de responsabilidade moral, capaz de construir ou destruir, consolar ou ferir, esclarecer ou confundir.

1. A Palavra como Expressão do Espírito

Para o Espiritismo, o verbo humano é reflexo direto do estado íntimo do Espírito. “Pela palavra, o homem revela o que é”, poderíamos resumir à luz da Codificação. Em O Livro dos Espíritos (questões 919 e 919-a), Kardec e os Espíritos Superiores ensinam que o autoconhecimento é a base da transformação moral, e que o indivíduo prudente deve observar seus atos, intenções e reações. A palavra, nesse contexto, é um espelho do caráter.

Em tempos de redes sociais, o pensamento se materializa quase instantaneamente em comentários, postagens e opiniões públicas. O “pensar antes de falar” — ou de escrever — converte-se em “passar pelo crivo da consciência antes de publicar”. Assim, o ensinamento socrático adquire uma nova dimensão: o uso ético da palavra é, em última instância, o exercício da responsabilidade espiritual no mundo contemporâneo.

2. O Crivo da Verdade: A Luz que Dissipa a Sombra da Falsidade

O primeiro crivo proposto por Sócrates — o da verdade — corresponde, no Espiritismo, à fidelidade à realidade e à busca sincera pelo esclarecimento. Kardec, em O Livro dos Médiuns, adverte contra os perigos da leviandade e da precipitação no julgamento das comunicações e dos fatos espirituais. O mesmo princípio aplica-se à vida cotidiana: a palavra sem verdade gera confusão, espalha incertezas e fomenta desconfiança.

No mundo atual, onde as “fake news” (notícias falsas) e a desinformação se multiplicam, o crivo da verdade é um antídoto moral e social. O espírita consciente é chamado a verificar antes de divulgar, ponderar antes de opinar e compreender antes de reagir. A verdade, como ensina Jesus, liberta (João 8:32) — mas só liberta quando é usada com amor e discernimento.

3. O Crivo da Bondade: O Amor como Medida de toda Comunicação

O segundo crivo, o da bondade, traduz o princípio maior do Evangelho: “Fora da caridade não há salvação”. O que não é bom, edificante ou respeitoso, não deve ser dito nem propagado. Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. IX, “Bem-aventurados os brandos e pacíficos”), ressalta que o homem de bem se reconhece pela benevolência para com todos, e pela indulgência para com as imperfeições alheias.

Assim, o crivo da bondade nos convida a substituir a crítica destrutiva pela compreensão, a maledicência pela empatia, e a fofoca pelo silêncio útil. Toda palavra que não constrói, destrói; e, segundo os Espíritos, “o mal que se diz, mesmo em tom leve, retorna ao seu autor com o peso do arrependimento”.

4. O Crivo da Utilidade: A Construção Moral da Palavra

O terceiro crivo, o da utilidade, completa o triângulo moral proposto por Sócrates. O Espiritismo o interpreta como o valor prático e edificante do que comunicamos. “Toda ocupação útil é um trabalho”, ensina O Livro dos Espíritos (q. 674). Assim, também a palavra útil é um trabalho do bem, pois contribui para o progresso moral e espiritual dos que a ouvem ou leem.

Quantas vezes, porém, nossas palavras são desperdiçadas em futilidades, sarcasmos e queixas? A Doutrina Espírita ensina que o verdadeiro progresso não está apenas na inteligência, mas na capacidade de orientar essa inteligência para o bem comum. Falar o necessário, no momento oportuno, com respeito e clareza, é uma forma de caridade silenciosa e profunda.

5. A Maledicência e o Esquecimento do Espírito

No fundo, a lição dos três crivos é um convite ao domínio moral da linguagem. Irmão X, ao narrar o episódio socrático, traduz para o campo espírita o mesmo apelo evangélico: “Dize-me o que falas, e dir-te-ei quem és.” A maledicência é o reflexo de um Espírito ainda preso à inferioridade moral. Na Revista Espírita (dezembro de 1861), Kardec escreve que “a língua é o termômetro da elevação espiritual”; e acrescenta que “os Espíritos superiores jamais se ocupam de trivialidades ou críticas pessoais”.

A prudência verbal é, pois, um sinal de maturidade espiritual. Quando o indivíduo aprende a silenciar o supérfluo, a filtrar o que transmite e a servir pela palavra, revela o progresso de sua consciência.

Conclusão

O ensinamento de Sócrates, reavivado por Irmão X e confirmado pela Doutrina Espírita, permanece de admirável atualidade. Em uma era de excessos verbais e emocionais, aplicar os três crivos — da verdade, da bondade e da utilidade — é mais do que um exercício moral: é uma forma de higiene espiritual.

O espírita que educa sua palavra colabora com a regeneração do mundo, porque transforma a comunicação em instrumento de paz. E, como ensina a Doutrina Espírita, “a transformação íntima começa nas pequenas coisas” — e entre elas, nenhuma é mais reveladora do que o uso que fazemos do verbo, esse sagrado dom do pensamento em ação.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858–1869.
  • XAVIER, Francisco Cândido (psicografia). Contos e Apólogos. Espírito Irmão X (Humberto de Campos).
  • JESUS, Cristo. Evangelho segundo João, 8:32.

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