sexta-feira, 10 de outubro de 2025

QUEM TEM OUVIDOS DE OUVIR, OUÇA...
A IMPORTÂNCIA DA PALESTRA ESPÍRITA
COMO INSTRUMENTO DE INTROSPECÇÃO
E TRANSFORMAÇÃO MORAL
- A Era do Espírito -

Os Dois Cântaros

Um jovem monge, entristecido por não conseguir reter na memória os ensinamentos religiosos que recebia, procurou um sábio ancião em busca de ajuda. O velho pediu que ele lavasse um dos dois cântaros vazios que havia em sua cela. Após cumprir a tarefa, o sábio perguntou qual cântaro estava mais limpo. O jovem respondeu que era o que acabara de lavar, embora a água já não estivesse mais nele. Então o ancião explicou que o mesmo ocorre com quem ouve a palavra de Deus: ainda que não memorize tudo, o coração se purifica como o cântaro lavado pela água.

Introdução

Vivemos numa era marcada pela pressa e pela dispersão. A velocidade da informação, as múltiplas exigências da vida moderna e a constante estimulação sensorial têm tornado cada vez mais difícil o exercício da escuta profunda e reflexiva.

No contexto das atividades espíritas, essa dificuldade se manifesta na impaciência de muitos frequentadores que, ao chegarem à Casa Espírita, desejam apenas “tomar o passe” e ir embora, sem dar à alma o tempo necessário para ouvir, refletir e assimilar os ensinos do Evangelho.

Entretanto, à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, a verdadeira renovação espiritual não se realiza por atos automáticos ou rituais exteriores, mas por meio do esforço consciente e da transformação interior. Jesus, ao dizer: “Quem tem ouvidos de ouvir, ouça” (Mateus, 11:15), não se referia à audição física, mas à capacidade de compreender com o coração e aplicar os ensinos divinos na vida prática.

A palestra: momento de introspecção e sintonia espiritual

A palestra evangélico-doutrinária que antecede o passe não é um simples preâmbulo formal. Trata-se de uma etapa essencial do tratamento espiritual, pois prepara o campo mental e emocional do ouvinte para a recepção dos benefícios fluídicos.

Conforme ensina a Revista Espírita (novembro de 1868), “a prece e a meditação são portas abertas à influência dos bons Espíritos”. Da mesma forma, a palestra atua como uma prece coletiva que harmoniza o ambiente e sintoniza as mentes com o plano superior.

Muitos chegam à Casa Espírita perturbados, ansiosos ou dominados por pensamentos negativos. O passe, sendo a transmissão de energias vitais e espirituais, requer receptividade e sintonia interior. A mente dispersa, cheia de divagações, assemelha-se a uma antena desregulada — incapaz de captar integralmente as vibrações benéficas emitidas pelos Espíritos amigos.

A palestra, portanto, tem a função de conduzir o frequentador à introspecção, isto é, ao recolhimento e à reflexão sobre si mesmo e sobre os rumos da própria vida. É o momento de silenciar o tumulto íntimo para que a alma possa ouvir a voz serena da consciência e dos ensinamentos de Jesus.

Divagação e introspecção: caminhos opostos da alma

A divagação é o movimento desordenado do pensamento, que salta de ideia em ideia sem fixar-se em nada construtivo. É filha da inquietação e do automatismo mental que caracteriza o homem moderno. Já a introspecção é o recolhimento lúcido e ativo da consciência, que observa, analisa e busca compreender-se.

Enquanto a divagação dispersa as forças psíquicas, a introspecção as concentra; enquanto a primeira mantém o ser prisioneiro da superficialidade, a segunda abre caminho à autotransformação.

A palestra espírita, quando bem conduzida, é um convite à introspecção — não pela imposição de ideias, mas pela inspiração do exemplo moral, pela clareza racional da Doutrina e pela ternura dos ensinos de Jesus. Nesse estado de sintonia interior, o Espírito se torna mais receptivo às vibrações do bem e ao amparo dos Mensageiros divinos.

Os dois cântaros: o valor de ouvir com o coração

A antiga parábola “Os dois cântaros”, relatada por Malba Tahan, ilustra de forma simbólica a importância da escuta atenta e sincera. O jovem monge que não conseguia memorizar as lições espirituais descobre, com a ajuda do mestre, que mesmo sem reter as palavras, sua alma se purificava pelo simples ato de ouvi-las com devoção.

Assim como o cântaro que, embora não guardasse a água, permanecia limpo, também aquele que ouve a palavra edificante, mesmo sem decorá-la, renova o coração e clareia os pensamentos.

Na Casa Espírita, cada palestra é uma oportunidade semelhante: ainda que não recordemos integralmente as palavras, algo do conteúdo moral permanece, lavando a alma e despertando sentimentos adormecidos. A escuta atenta é, portanto, um ato de humildade e de abertura espiritual — condição indispensável para que os bons Espíritos nos auxiliem de forma mais efetiva.

Conclusão

Jesus continua a repetir: “Quem tem ouvidos de ouvir, ouça.” Ouvir, nesse sentido, é mais do que escutar — é acolher, refletir e transformar.

A palestra espírita, breve em duração mas profunda em propósito, representa um momento sagrado de recolhimento e iluminação interior. Enquanto muitos buscam apenas o alívio imediato pelo passe, esquecem-se de que o verdadeiro tratamento espiritual começa no íntimo, quando o coração se dispõe a aprender e a transformar-se.

A palestra é, pois, o primeiro passo da cura espiritual: um convite à introspecção que precede toda mudança duradoura e toda realização do Espírito imortal em sua marcha para a luz.

Referências

  • ALLAN KARDEC. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XXV – “Buscai e achareis.”
  • ALLAN KARDEC. Revista Espírita. Coleção completa (1858–1869).
  • F. C. XAVIER, pelo Espírito Emmanuel. Vinhas de Luz – “O povo e o Evangelho.”
  • MALBA TAHAN. Lendas do Céu e da Terra. Rio de Janeiro: Record, p. 10–11.
  • LÚCIA AMARAL KFOURI. “Por que ouvir uma palestra se o que quero é tomar passe?”

 

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