A Árvore dos Problemas
Havia poucos dias desde que me mudara para minha
nova casa.
Os móveis haviam finalmente chegado e precisavam
ser montados. Para isso, contratei os serviços de um marceneiro.
Era um homem experiente e dedicado. Em apenas três
dias, montou sozinho todos os móveis do quarto, da sala e da cozinha com
eficiência e capricho.
Além do trabalho bem feito, ele também era bastante
comunicativo. Entre uma martelada e outra, puxava conversa sobre os mais
variados assuntos.
Ora falava sobre política, ora exaltava as
qualidades do seu time de futebol. Às vezes comentava o tempo, as notícias do
dia ou algum fato curioso que vira nos jornais. Mas seu tema preferido, sem
dúvida, era a família.
Falava com entusiasmo sobre a dedicação da esposa e
sobre os filhos, sempre destacando a inteligência e a educação deles. Seus
olhos brilhavam quando tocava nesses assuntos, irradiando orgulho e alegria
genuínos.
Contudo, no terceiro dia de trabalho, ao chegar à
minha casa para concluir a montagem, percebi algo diferente em seu semblante.
Estava visivelmente abatido.
Passou o dia praticamente em silêncio. Preocupado
com aquela mudança repentina de comportamento, não resisti e perguntei se
estava tudo bem.
A resposta revelou um dia difícil. Logo pela manhã,
o carro que usava para o trabalho havia quebrado e precisaria passar dias na
oficina. Enquanto esperava o ônibus, um assaltante o abordou e levou sua caixa
de ferramentas — ferramenta essa essencial para o seu sustento.
Dentro da caixa, infelizmente, também estava sua
carteira, com todos os documentos pessoais. Era compreensível que estivesse
abalado e irritado.
Quando ele terminou seu trabalho, vendo seu cansaço
e ainda sensibilizado com tudo o que havia ocorrido, ofereci-lhe uma carona até
em casa. Ele aceitou, agradecido.
Ao chegarmos, convidou-me para entrar e conhecer
sua família.
Na frente da casa havia uma imponente árvore, de
tronco largo e copa frondosa. Antes de abrir o portão, ele se aproximou da
árvore e se recostou por alguns segundos. Fez isso em silêncio. Quando se
virou, seu rosto havia mudado completamente: sereno, leve, sorridente.
Entrou em casa sorrindo, abraçando e beijando a
esposa e os filhos. Voltou a ser o homem falante e alegre dos dias anteriores.
Sua esposa, muito gentil, me convidou para o
jantar. A noite foi agradável, cheia de risos e afeto familiar.
Na hora da despedida, tomado pela curiosidade,
perguntei sobre a árvore e aquele momento em que ele se deteve diante dela.
Com um sorriso calmo, ele me respondeu:
—
Aquela é a minha árvore dos problemas. Todas as vezes que chego em casa, deixo
ali tudo o que me aflige. Minha família não tem culpa dos meus fardos. Eles não
merecem carregar o peso das minhas dificuldades.
E acrescentou:
—
Amanhã, quando eu sair para trabalhar, passo por ela de novo. Recolho os
problemas e, com a ajuda de Deus, vou enfrentá-los um a um.
Poucos ensinamentos morais tocam tanto o coração quanto
aqueles extraídos da vida cotidiana. A história do marceneiro e sua “árvore dos problemas” é um desses
exemplos simples, mas profundos, que nos convidam à reflexão e ao
aperfeiçoamento íntimo. Vista à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan
Kardec, essa narrativa revela valiosas lições sobre responsabilidade,
disciplina emocional e amor ao próximo — virtudes indispensáveis ao progresso
do espírito imortal.
A Vida em Dois Planos
Segundo o Espiritismo, o ser humano é um Espírito
imortal em experiência temporária no corpo físico. Isso significa que, embora
vivamos inseridos nas lutas materiais, nossa verdadeira vida é a espiritual.
Essa compreensão amplia nossa forma de ver os problemas do cotidiano: eles são
provas e expiações que nos ajudam a crescer, mas não devem ser usados como
justificativas para ferirmos quem caminha ao nosso lado.
O marceneiro da história vivia, como tantos de nós,
as dificuldades comuns do dia a dia: problemas financeiros, violência urbana,
perdas materiais. Mas sua postura diante desses fatos o elevava
espiritualmente. Ele sabia separar a dor da reação impulsiva, e não
permitia que suas frustrações se transformassem em agressividade para com a
família.
A Sabedoria da Renúncia
Na Doutrina Espírita, o verdadeiro mérito
espiritual não está apenas em suportar os problemas com resignação, mas em agir
com elevação moral mesmo em meio à adversidade. O marceneiro não negava os
seus problemas — ele os reconhecia, enfrentava e os deixava "na árvore", símbolo do
desapego momentâneo e da confiança em Deus.
Essa atitude reflete a sabedoria da renúncia
ativa, tema caro à filosofia espírita. Como ensinam os Espíritos superiores
na questão 918 de O Livro dos Espíritos, o verdadeiro homem de bem é
aquele que “faz o bem pelo bem, sem
esperar retorno, e se sacrifica pelo próximo sem lamento”.
Família: Núcleo de Amor e
Aprendizado
A casa do trabalhador simboliza o núcleo afetivo
da vida espiritual encarnada. A família, conforme nos ensina a Doutrina, é
o primeiro campo de provas e de reconstrução moral. Muitos dos que hoje
convivem sob o mesmo teto foram, em outras existências, adversários, vítimas ou
desafetos, reunidos novamente pela misericórdia divina para que o amor vença os
débitos do passado.
Por isso, é essencial proteger o ambiente familiar
dos reflexos negativos do mundo exterior. Como nos ensina o Evangelho
segundo o Espiritismo, capítulo XIV, “Honrai
vosso pai e vossa mãe”, a convivência em família é uma oportunidade bendita
de crescimento mútuo. Transferir para o lar a impaciência e a irritação
acumuladas fora dele é desperdiçar essa oportunidade.
A Árvore dos Problemas como
Símbolo Espiritual
A árvore diante da casa é um símbolo poderoso.
Representa o ponto de equilíbrio entre o mundo de fora e o santuário do lar.
Nela, o trabalhador deixa, por instantes, as preocupações que não cabem dentro de
sua casa. Em termos espíritas, isso é um exercício de autoeducação emocional
e espiritual, uma prática silenciosa de caridade para com os entes
queridos.
Essa imagem nos convida a também criarmos,
simbolicamente, nossa “árvore dos
problemas”. Um lugar — físico ou mental — onde possamos descarregar o
peso das dificuldades, entregando-as à confiança em Deus, e não à amargura dos
nossos. Pois, como o próprio marceneiro afirma, “com a ajuda de Deus, saio para resolvê-los”.
Conclusão: O Bom Ânimo e a
Elevação Moral
A história nos recorda que as dificuldades
passam, mas as consequências morais de nossas atitudes permanecem. O
mau-humor, a agressividade, a aspereza nas palavras podem ferir profundamente
aqueles que mais amamos. Já a paciência, o carinho e o bom ânimo edificam laços
espirituais duradouros.
A Doutrina Espírita nos convida ao esforço contínuo
de transformação íntima. Mesmo nos dias mais difíceis, somos chamados a
escolher entre o impulso da impaciência e o exercício da serenidade.
Como nos ensina Jesus, “o que fizerdes ao
menor dos meus irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 25:40).
Que possamos, então, cultivar nossa própria árvore
dos problemas — não como fuga, mas como ato de sabedoria e amor. Porque os
desafios da vida são inevitáveis, mas o que fazemos com eles é decisão de nossa
alma.
Referências Doutrinárias:
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, questões 918 e 895.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulos
IX (Bem-aventurados os brandos) e XIV (Honrai vosso pai e vossa mãe).
- KARDEC, Allan. Revista Espírita.
- www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=4239&let=Q&stat=0
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