sábado, 26 de julho de 2025

ESPECULAÇÃO MORAL E O COMPROMISSO ESPÍRITA:
UM ALERTA DE ALLAN KARDEC
- A Era do Espírito -

Ao longo de sua trajetória como codificador do Espiritismo, Allan Kardec manteve vigilância constante quanto à fidelidade dos princípios da Doutrina. Uma de suas preocupações mais contundentes dizia respeito à pureza de intenção dos trabalhadores espíritas, especialmente no que se refere à especulação — não apenas a material, mas sobretudo a moral.

Em seu discurso proferido nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux, em 1862, Kardec abordou com clareza um problema que já se insinuava nos primeiros grupos organizados: o uso da Doutrina para fins pessoais, ainda que disfarçados sob o verniz da boa intenção. Essa advertência, infelizmente, continua atual.

A Especulação Material: Venda da Verdade?

A especulação material, conforme explicou Kardec, referia-se à cobrança para o acesso às reuniões espíritas ou à busca de lucro através das atividades doutrinárias. Essa prática contraria diretamente a orientação do ensino gratuito da verdade, pois transforma o que é sagrado em comércio e inverte o princípio de desinteresse que deve nortear a divulgação do Espiritismo. Felizmente, tal comportamento tornou-se mais raro na atualidade.

A Especulação Moral: O Orgulho Disfarçado de Virtude

Mais sutil — e por isso mais perigosa — é a especulação moral. Trata-se do uso do Espiritismo como instrumento de promoção pessoal, da busca de aplauso, de posições de destaque, de autoridade dentro do movimento, ainda que não haja qualquer retribuição financeira envolvida. Kardec descreveu essa atitude como a satisfação do orgulho e do amor-próprio, daqueles que usam o Espiritismo como pedestal para se projetarem.

Em Viagem Espírita em 1862, ele denuncia com firmeza tal conduta, chamando atenção para o risco de nos apegarmos a cargos e posições como se fôssemos insubstituíveis. Quando imaginamos que determinada tarefa só pode ser realizada por nós, deixamos de compreender a essência da Doutrina, que vê o ser humano como um espírito em transição, e não como um corpo que detém títulos ou poderes definitivos.

A Questão 895 de O Livro dos Espíritos: Um Critério de Autoconhecimento

Kardec aprofunda essa análise ao tratar do interesse pessoal como indício de imperfeição, na questão 895 de O Livro dos Espíritos. Ele afirma que, embora alguém possa apresentar virtudes exteriores, basta tocar na questão do interesse — seja material, seja emocional ou simbólico — para se revelar o verdadeiro fundo moral do indivíduo.

É por isso que o verdadeiro desinteresse — o agir sem pretensões de recompensa, aplauso ou controle — é tão raro. O apego às coisas materiais ou à própria imagem pública revela ainda nossa ligação com a inferioridade espiritual. Já a humildade autêntica e o anonimato ativo são marcas de um espírito que enxerga a vida de um ponto de vista mais elevado.

Desinteresse Material e Desinteresse Moral: Duas Faces da Mesma Virtude

Kardec diferencia dois tipos de desinteresse, ambos indispensáveis na prática espírita:

  • Desinteresse material: é a ausência de desejo por qualquer vantagem financeira ou material. Não se vende, não se cobra, não se lucra com o sagrado.
  • Desinteresse moral: é a renúncia às vaidades, ao orgulho, à pretensão de protagonismo. É a capacidade de servir sem esperar reconhecimento, sem se considerar insubstituível ou superior.

Na Revista Espírita de março de 1864, ele é claro ao dizer que o desinteresse material nada vale se não vier acompanhado pelo desinteresse moral. Um sem o outro revela incoerência.

Uma Reflexão para os Trabalhadores Espíritas

Diante desse ensinamento, somos convidados a fazer um exame de consciência sincero:

- Qual é o móvel real das nossas ações na seara espírita?

- O que nos move?

- A vontade sincera de servir, ou a necessidade de reconhecimento?

- Estamos realmente desinteressados, ou apenas nos afastamos do dinheiro, mas seguimos alimentando a vaidade?

Tais perguntas devem ser respondidas no silêncio da alma, à luz da nossa consciência. É ela quem revelará o que há de autêntico em nosso serviço e o que ainda precisa ser purificado.

Conclusão: O Espiritismo como Escola da Alma

O Espiritismo não é campo para vaidades. É uma escola moral, onde aprendemos a servir, a amar e a nos desapegar das ilusões do mundo. Toda tarefa espírita — da mais simples à mais visível — é oportunidade de crescimento do espírito imortal, e não de construção de prestígio para a personalidade transitória.

Que possamos seguir o exemplo de Allan Kardec, que viveu o desinteresse em todas as suas formas, e compreender que a verdadeira grandeza não está nos cargos, nas palavras ou nas aparências, mas na humildade silenciosa de quem serve por amor.

REFERÊNCIAS:

  • KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 895.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita, março de 1864.
  • XAVIER, Francisco Cândido. A Coragem da Fé. Espíritos Diversos.

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