A Parábola
Narra-se que um sábio caminhava com os discípulos por uma estrada tortuosa, quando encontraram um homem piedoso que, ajoelhado, rogava a Deus que o auxiliasse a tirar seu carro do atoleiro.
Todos olharam o devoto, sensibilizaram-se, mas prosseguiram o caminho.
Alguns quilômetros à frente, havia outro homem na mesma situação — com o carro atolado num lodaçal. Esse, porém, embora esbravejasse e reclamasse, tentava com todo empenho liberar o veículo.
Comovido, o sábio propôs aos discípulos ajudá-lo.
Reuniram todas as forças e conseguiram retirar o transporte do atoleiro. Após os agradecimentos, o viajante seguiu feliz o seu caminho.
Surpresos, os aprendizes perguntaram ao mestre:
— Senhor, o primeiro homem orava, era piedoso, e não o ajudamos. Este, que era rebelde e até praguejava, recebeu nosso apoio. Por quê?
Sem perturbar-se, o nobre professor respondeu:
— Aquele que orava aguardava que Deus viesse fazer a tarefa que a ele competia. O outro, embora desesperado por ignorância, empenhava-se — merecendo auxílio.
Introdução
A parábola do sábio e dos dois viajantes apresenta um profundo ensinamento sobre o verdadeiro significado da fé à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. A narrativa contrasta dois comportamentos diante da dificuldade: um baseado na espera passiva por intervenção divina, e outro marcado pela ação, mesmo que imperfeita.
Essa história nos convida a refletir sobre os princípios espíritas da fé raciocinada, do esforço pessoal e da lei de merecimento, tão claramente expostos em O Livro dos Espíritos, O Evangelho segundo o Espiritismo e outros escritos fundamentais da Codificação.
Fé Sem Obras É Morta
Para o Espiritismo, a fé deve ser ativa e esclarecida, jamais cega ou acomodada. Allan Kardec ensina:
“A fé verdadeira é aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.”O homem ajoelhado representa a fé mística e inerte, que espera de Deus a solução para aquilo que está ao alcance do próprio esforço. Sua devoção, embora sincera, está dissociada da responsabilidade individual.
Em contrapartida, o segundo homem, ainda que revoltado e ignorante das leis divinas, age — e é justamente essa ação que o torna apto a receber ajuda. Ele representa a fé operante, que impulsiona o espírito em direção ao progresso e ao merecimento.
Prece e Ação: Dois Aspectos da Fé Racional
A prece é um recurso nobre e poderoso, desde que esteja unida à vontade de agir. Como afirmam os Espíritos:
“A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração; porque a intenção é tudo para Ele.”No entanto, orar não isenta o indivíduo de fazer a sua parte. Deus age por meio de suas leis, e uma delas é a lei do esforço próprio.
Na parábola, o segundo viajante não orava, mas agia. Sua movimentação, mesmo rude, simboliza um primeiro passo legítimo, que mobiliza recursos espirituais a seu favor.
“Ajuda-te, e o Céu te ajudará.”A Lei do Merecimento
Segundo a Doutrina Espírita, a Providência Divina nunca é omissa, mas respeita o livre-arbítrio e responde ao movimento interior do espírito. A ajuda superior chega quando o indivíduo demonstra disposição sincera para lutar contra suas dificuldades.
O homem que apenas orava aguardava um milagre, enquanto o outro, que se esforçava com suas próprias mãos, demonstrava vontade de vencer, tornando-se credor natural do auxílio.
“A lei de Deus é a única verdadeira para a felicidade do homem; indica-lhe o que deve fazer ou não fazer. O homem é infeliz porque dela se afasta.”Ignorância e Esforço: Uma Visão Compassiva
A Doutrina Espírita não exalta a rebeldia, mas compreende que a revolta muitas vezes nasce da ignorância e do sofrimento. O que realmente importa é o movimento do espírito em direção ao bem, mesmo que ele ainda não tenha plena lucidez.
“A ignorância não é um obstáculo absoluto: aquele que age, mesmo sem clareza, demonstra que já despertou para a necessidade de transformação.”Assim, a conduta do segundo viajante não é louvada pela revolta, mas sim pela iniciativa, que reflete uma vontade, ainda embrionária, de superação e progresso.
Conclusão
A parábola do sábio e dos dois viajantes oferece uma poderosa lição espírita: Deus não substitui o esforço humano. A prece é luz e consolo, mas precisa ser acompanhada pela ação, pelo trabalho e pela responsabilidade moral.
O Espiritismo valoriza a fé esclarecida, que pensa, age, transforma e se harmoniza com as leis divinas através da transformação íntima e do bem praticado. Não basta pedir; é preciso mover-se.
“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações.”A Doutrina Espírita nos ensina que o esforço é a chave do merecimento, e a prece é o sustento da alma em marcha. Unidas, essas duas forças — oração e ação — compõem a fé viva que transforma e eleva o espírito.
Referências
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris: 1857.KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª ed. Paris: 1864.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Paris: vários volumes.
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. O Céu e o Inferno. Brasília: FEB.
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