Introdução
A serenidade é frequentemente confundida com passividade ou fuga da realidade, mas, sob a ótica da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, ela representa muito mais: é um estado de consciência elevado, uma conquista do espírito em evolução que aprendeu a harmonizar razão, sentimento e ação diante dos desafios da existência.
Inspirado por um texto poético e filosófico que evoca imagens de paz e equilíbrio — como o voo do pássaro, a fluidez da água e a suavidade da brisa — este artigo propõe uma reflexão espírita sobre o que significa verdadeiramente ser sereno, à luz da filosofia espiritual que integra ciência, moral e fé raciocinada.
Serenidade: Não Fuga, Mas Enfrentamento Consciente
Segundo os ensinamentos espíritas, a serenidade não é escapismo, mas uma postura interior que permite ao espírito enfrentar as dificuldades da vida terrena com equilíbrio e lucidez.
Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo, ressalta que o verdadeiro discípulo do Cristo se reconhece por sua paciência, resignação e coragem diante das provas, virtudes que caracterizam um espírito sereno. Tal serenidade não ignora o sofrimento, mas compreende seu papel no processo evolutivo.
“Bem-aventurados os aflitos, pois serão consolados.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V)
A Serenidade como Estado de Consciência
No Espiritismo, os estados interiores não são ilusões, mas expressões do grau de adiantamento do espírito. A serenidade, portanto, é um estado de consciência compatível com espíritos que já compreendem:
- a transitoriedade das dores materiais;
- o valor da fé raciocinada;
- a confiança nas Leis Divinas;
- a certeza de que o bem sempre prevalecerá, ainda que aos olhos humanos tudo pareça injusto ou incerto.
Essa serenidade consciente é fruto do entendimento espiritual que o Espiritismo oferece, ao elucidar questões fundamentais da existência, como a imortalidade da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito e a justiça divina.
Serenidade e a Construção do Ser
A serenidade também está ligada à busca do autoconhecimento e do sentido da vida — ou seja, à construção do Ser.
Segundo Herculano Pires, filósofo espírita, a individualização espiritual se dá em um processo contínuo, onde o espírito passa do estado de ignorância e instinto para a plena consciência de si e de sua relação com o Todo. Esse percurso, que ele define como a “espiral da ipseidade”, é marcado por:
- interexistência (a relação dinâmica
entre o eu e o mundo),
- coesão interna (coerência entre
pensamento e ação),
- e suavidade na expressão (benevolência no
trato com os outros).
A serenidade, nesse contexto, é o reflexo de uma alma que encontrou sua posição no universo e vive de forma consciente e ética, em harmonia com os demais seres e com as Leis Naturais.
Serenidade e Reforma Íntima
Kardec ensina que o verdadeiro espírita é aquele que se esforça constantemente para domar suas más inclinações. Esse esforço faz parte do que a Doutrina chama de reforma íntima — o trabalho de lapidação do espírito encarnado.
A serenidade surge como resultado desse processo, pois o espírito que se conhece, que entende o valor das experiências e que vive com gratidão, caridade e perdão, naturalmente se torna mais sereno. Ele não se agita pelas contrariedades do mundo, pois sabe que tudo passa, e que o essencial é a paz da consciência e o cumprimento do dever.
Sinais de Serenidade: Um Espírito em Paz com Deus e com o Mundo
A serenidade se manifesta em gestos simples:
- no sorriso espontâneo;
- no silêncio respeitoso diante da ofensa;
- no abraço sincero;
- na escuta atenta;
- na oração sem desespero, mas com confiança.
É o que o poema evoca ao dizer que a serenidade está:
“No sentir Deus no fundo do coração.”
É um estado que não nega a dor, mas a compreende como parte do caminho. É a “brisa que agita as flores”, e não a tempestade que as destrói. É o “lago com suas águas em modulação”, que toca com doçura e não com violência.
Conclusão
A serenidade é uma conquista espiritual que se desenvolve na convivência com os outros, no trabalho diário, nas provas e nas lutas da existência humana. Não é resignação cega nem indiferença, mas uma força silenciosa, que brota da fé esclarecida e da certeza de que somos todos espíritos em marcha rumo à perfeição.
À luz da Doutrina Espírita, ser sereno é saber que:
- o sofrimento é temporário;
- o mal não tem a última palavra;
- a paz interior é reflexo da harmonia com as Leis
Divinas;
- a transformação do mundo começa na transformação de si mesmo.
Como resume Allan Kardec:
“A calma, em meio às lutas da vida, é sempre um indício de fé, porque denota confiança no futuro.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, item 12)
Referências
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª ed. Paris: 1864.
PIRES, José Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Edicel.
FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. O Céu e o Inferno. Brasília: FEB.
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