segunda-feira, 28 de julho de 2025

 

INCORPORAÇÃO: UM ESCLARECIMENTO
À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito –
 

No vocabulário popular, a palavra “incorporação” costuma ser usada para descrever o fenômeno mediúnico em que um Espírito se manifesta por meio do corpo de uma pessoa. A imagem mais comum é a de um Espírito “entrando” em um corpo alheio e, por meio dele, falando ou agindo — como exemplificado no famoso filme Ghost, em que a médium, interpretada por Whoopi Goldberg, serve de canal visível e tangível para os desencarnados.

Entretanto, quando observamos o termo à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, percebemos que essa concepção não corresponde ao que realmente se dá nos fenômenos mediúnicos. A palavra “incorporação” — do latim incorporatio, que significa “ato de entrar em um corpo” ou “encarnação” — não foi utilizada por Kardec nos textos originais em francês. Sua introdução ocorreu posteriormente, através de traduções que buscaram aproximar o conteúdo à linguagem acessível ao público, substituindo, por exemplo, o termo “médium falante” por “médium de incorporação”.

A terminologia original de Kardec

Kardec, em suas obras fundamentais, especialmente O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo e Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, usou termos como médium falante, médium auditivo, médium mecânico, intuitivo, semimecânico, entre outros. Neles, descreve como os Espíritos agem sobre o perispírito do médium para provocar o fenômeno mediúnico.

A manifestação não se dá por uma substituição ou invasão do corpo do médium, mas por uma ação fluídica sobre sua alma e, por consequência, sobre seus órgãos. O Espírito comunicante não entra no corpo do médium como alguém que adentra uma casa. Ele influencia, domina, imprime sua vontade sobre o perispírito do médium — o envoltório semimaterial do Espírito — que, por sua vez, transmite os impulsos ao corpo físico.

A união do Espírito ao corpo

Esse entendimento se torna ainda mais claro quando analisamos o processo de encarnação, conforme descrito por Kardec em A Gênese. Desde o momento da concepção, um Espírito é atraído por uma força irresistível ao corpo em formação. A ligação se dá através do perispírito, que se une molécula a molécula ao organismo em desenvolvimento, até que, no nascimento, a união esteja completa.

Essa união não pode ser rompida senão pela morte do corpo. Mesmo diante de uma possessão — que Kardec define como um caso de subjugação extrema — o Espírito encarnado permanece ligado ao seu corpo. A questão 473 de O Livro dos Espíritos é taxativa ao afirmar que um Espírito não pode substituir o Espírito encarnado, pois os dois estão ligados até o final da existência corporal. Ou seja, não existe “troca de alma” ou substituição temporária do Espírito que anima um corpo.

Mediunidade e possessão: o papel do perispírito

Tanto na mediunidade falante quanto nos casos de possessão espiritual, a ação do Espírito comunicante ou obsessor se dá através do perispírito do encarnado. Na mediunidade sadia, o médium cede voluntariamente sua faculdade ao Espírito, que atua sobre seus centros de força, sobretudo sobre a região cerebral e o aparelho fonador. Essa ação é fluídica, e não física.

Na possessão, a diferença é moral. Um Espírito inferior, por meio de afinidade vibratória e pela ausência de resistência moral do encarnado, pode exercer influência profunda sobre ele, chegando a controlar-lhe temporariamente os atos, as palavras e os pensamentos. Ainda assim, não se trata de ocupação corporal direta, e sim de dominação fluídica sobre o perispírito.

Kardec nos esclarece que a mediunidade falante funciona de maneira análoga à psicografia: o Espírito comunicante imprime seu pensamento ao médium, utilizando-o como intérprete. E mesmo quando o médium não tem consciência do que diz, isso não significa que ele foi "tomado" por outro Espírito — apenas que sua participação foi passiva.

A função do médium: intérprete e instrumento

Nas comunicações mediúnicas, o Espírito do médium funciona como um fio condutor entre o plano espiritual e o mundo físico. A resposta dos Espíritos à questão sobre como ocorre essa ligação é clara: “O Espírito do médium é o intérprete [...] como é necessário um fio elétrico para transmitir uma notícia à distância”.

Em mensagem recebida por Allan Kardec, os Espíritos Erasto e Timóteo explicam que o pensamento do Espírito comunicante é irradiado ao médium, que o capta de maneira mais ou menos consciente, dependendo de sua faculdade. Esse pensamento não necessita de palavras, pois no plano espiritual o pensamento é linguagem. O médium, por estar encarnado, é mais apto a traduzir esse pensamento aos demais encarnados.

O termo incorporação sob nova luz

Diante de tudo isso, podemos concluir que o uso do termo incorporação para designar a mediunidade falante ou mesmo o fenômeno de possessão espiritual é, do ponto de vista espírita, impróprio. A palavra é mais bem empregada para designar o processo de encarnação, ou seja, o ato de um Espírito unir-se definitivamente a um corpo material para vivenciar uma existência terrena.

Assim, a ideia popular de que um Espírito “entra” no corpo de outro deve ser substituída pela compreensão mais precisa e racional oferecida pela Doutrina Espírita: o Espírito comunicante não se incorpora, mas atua sobre o médium, influenciando-o através do perispírito, sempre respeitando os limites da ligação fluídica entre o Espírito encarnado e seu corpo.

Conclusão

O Espiritismo, ao estudar os fenômenos mediúnicos com rigor e clareza, nos convida a abandonar as imagens místicas ou supersticiosas em favor de uma compreensão mais lúcida, baseada em leis naturais. Mediunidade é uma faculdade humana e natural, que permite a comunicação entre os dois mundos — o visível e o invisível —, desde que bem compreendida e praticada com responsabilidade.

Referências:
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos
Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns
Kardec, Allan. A Gênese
Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo
Kardec, Allan. Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas
Revista Espírita, Allan Kardec
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

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