segunda-feira, 28 de julho de 2025

PROGREDIR SEM ROMPER: 
A ATUALIZAÇÃO NO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito –
 

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec entre 1857 e 1869, está firmemente alicerçada sobre as Leis Naturais e Universais. Esses princípios, revelados pelos Espíritos Superiores e organizados metodicamente por Kardec nas obras fundamentais — O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese —, têm resistido ao tempo pela clareza racional e moral que os sustenta. Qualquer tentativa de “atualização” dessas bases deve, portanto, ser cuidadosamente examinada à luz do próprio método e da filosofia que deram origem à Doutrina.

Atualização de forma, não de essência

É natural e desejável que a linguagem e os meios de comunicação do Espiritismo se atualizem de acordo com os tempos. O próprio Kardec fazia isso em seu tempo, valendo-se dos estudos e debates da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e utilizando a Revista Espírita como verdadeiro laboratório doutrinário. Foi nesse espaço dinâmico que ele aperfeiçoou conceitos e ampliou entendimentos — como se observa no caso da possessão espiritual.

Até 1863, Kardec entendia que só havia subjugação, mas ao analisar o caso da senhorita Júlia, relatado nas edições de dezembro de 1863 e janeiro de 1864 da Revista Espírita, ele reconheceu a existência de uma forma real de possessão, parcial, mas distinta da subjugação. O progresso doutrinário se fez, então, naturalmente, por meio da observação, do confronto dos fatos com os princípios e da confirmação pelos Espíritos sérios. Este é o método espírita de evolução das ideias.

O Espiritismo e o progresso

Em O Livro dos Médiuns, Kardec afirma com clareza:

“A Ciência Espírita progrediu (e deverá progredir) como todas as outras”.

Esse progresso se dá pelo estudo, pela análise dos fatos novos e pelo amadurecimento dos conceitos — e nunca por decisões arbitrárias, imposições humanas ou modismos ideológicos. Em A Gênese (cap. I, item 55), lemos:

“O Espiritismo, marchando com o progresso, não será nunca extravasado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se reformulará sobre este ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita.”

Portanto, o Espiritismo está aberto ao progresso, mas condicionado à evidência, à lógica e à participação dos Espíritos.

Uma revisão a cada 25 anos: a proposta de Kardec

A ideia de revisões periódicas da “constituição orgânica” do Espiritismo não é nova. Em Obras Póstumas, na segunda parte intitulada Constituição do Espiritismo, Kardec propõe revisões a cada 25 anos. Ele compreendia que as necessidades humanas se transformam com o tempo e que seria imprudente manter uma estrutura inflexível, incapaz de acompanhar o progresso legítimo.

“As necessidades variam com as épocas e com o desenvolvimento das ideias. [...] Acompanhar ou não o movimento propulsivo é uma questão de vida ou de morte.”

Mas Kardec também alerta para os perigos das mudanças frequentes ou precipitadas. Por isso, sugere a criação de um comitê central permanente, composto por pessoas idôneas e experientes, cuja função seria estudar, analisar, sistematizar e organizar as contribuições e experiências da coletividade espírita ao longo do tempo.

Esse comitê não teria autoridade individual ou poder centralizador, mas funcionaria de modo coletivo e deliberativo, com seus atos sendo sempre submetidos à avaliação dos congressos periódicos, onde os participantes — representantes de diferentes partes do mundo — poderiam votar, opinar e propor alterações com base na vivência e no estudo.

O silêncio das revisões: uma lacuna a preencher

Até hoje, passados mais de 150 anos desde a proposta kardeciana, nenhuma revisão oficial conforme esse modelo foi realizada. Isso não desqualifica o Espiritismo, mas revela uma lacuna importante a ser enfrentada por seus adeptos.

O verdadeiro desafio não está em fazer ou não a revisão da Doutrina, mas em como criar as condições necessárias para que essa revisão se dê de forma segura, fiel aos princípios originais e acompanhada pela espiritualidade superior — assim como aconteceu no século XIX.

Sem a participação ativa dos Espíritos, novos esclarecimentos não passam de opiniões pessoais. Uma revisão doutrinária séria precisaria reunir:

  • Estudo profundo da codificação original e da Revista Espírita (1858-1869);
  • Observações rigorosas dos novos fatos e fenômenos espirituais;
  • Participação de médiuns confiáveis e moralizados;
  • Confirmação pelos Espíritos superiores, em comunicações sérias e convergentes;
  • Organização ética, democrática e sem personalismos.

Talvez seja necessário, como o autor do artigo propõe, um novo Livro dos Espíritos — ou pelo menos um apêndice ou extensão — com mil novas questões contemporâneas, formuladas pelos encarnados e respondidas pelos Espíritos, como Kardec fez, com método, coerência e serenidade.

Preparação e responsabilidade coletiva

Para tanto, a formação de um comitê central, conforme delineado por Kardec em Obras Póstumas e na Revista Espírita de dezembro de 1868, parece essencial. Esse grupo não substituiria a codificação, mas atuaria como facilitador e catalisador do diálogo entre as esferas espiritual e material, organizando um trabalho coletivo, aberto, progressivo e transparente.

Os congressos periódicos poderiam funcionar como momentos-chave para consolidação de ideias, revisão dos princípios orgânicos da estrutura do movimento espírita, mas sempre com respeito absoluto aos princípios fundamentais definidos pela codificação.

Conclusão: o Espiritismo é dos Espíritos

A Doutrina Espírita não pertence a homens ou instituições humanas. Kardec foi o seu codificador, e não criador. Assim, qualquer progresso dentro da Doutrina precisa, necessariamente, envolver os dois planos da existência: os encarnados, com suas perguntas, e os desencarnados superiores, com suas respostas.

Atualizar o Espiritismo, portanto, não é reinterpretá-lo segundo modismos ou interesses pessoais ou institucionais, mas sim reencontrar seu espírito vivo, ativo e esclarecedor, do modo como ele se apresentou no século XIX: como luz progressiva da razão, da fé raciocinada e do amor universal.

A proposta está lançada. O desafio é grande. Mas o futuro do Espiritismo está nas mãos — e nas consciências — daqueles que o amam com fidelidade, razão e coragem.

Referências:
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos
Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns
Kardec, Allan. A Gênese
Kardec, Allan. Obras Póstumas
Kardec, Allan. Revista Espírita (1858-1869)
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

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