segunda-feira, 28 de julho de 2025

 

POSSESSÃO À LUZ DA CODIFICAÇÃO ESPÍRITA: DA NEGAÇÃO À COMPREENSÃO PROGRESSIVA DE ALLAN KARDEC
- A Era do Espírito –
 

“Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz; o homem precisa habituar-se a ela pouco a pouco, do contrário fica deslumbrado.” — Allan Kardec

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, é, por excelência, progressiva e fiel à busca criteriosa da verdade. Um exemplo marcante dessa metodologia é o tratamento da questão da possessão espiritual ao longo dos anos da Codificação.

Inicialmente negada de forma categórica, a ideia de possessão foi reformulada gradativamente por Kardec, à medida que novas observações e fatos medianímicos eram estudados com profundidade. Este artigo tem por objetivo percorrer esse caminho reflexivo, tal como fez o Codificador, analisando o fenômeno da possessão sob diferentes prismas, tal como registrado em O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese e as páginas da Revista Espírita.

A Primeira Definição: Obsessão, Subjugação e não Possessão

Em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, Kardec formula as perguntas 473 e 474, que tratam diretamente da possibilidade de um Espírito estranho tomar o corpo de um encarnado:

Pergunta 473: Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado nesse corpo?

A resposta é clara: não há coabitação. O Espírito encarnado permanece ligado ao seu corpo e nenhuma entidade pode substituí-lo. Ao desenvolver a questão, os Espíritos acrescentam que, embora não haja possessão como entendida vulgarmente, pode haver subjugação, em que a vontade do encarnado fica, de certo modo, paralisada.

Esse é o conceito inicial de verdadeira possessão: um estado de domínio psíquico profundo, mas sem a entrada de outro Espírito no corpo físico. Kardec, prudentemente, conclui que o termo "possesso" só se aplica a essa total dependência moral e psíquica, mas não à coabitação espiritual.

A Evolução do Conceito: Os Fatos que Mudaram a Compreensão

A partir de 1858, a Revista Espírita, dirigida por Kardec, começa a trazer relatos mais complexos, como os Estudos sobre os Possessos de Morzine. São dezenas de casos documentados entre 1862 e 1868, em que Espíritos pareciam agir diretamente sobre os corpos dos encarnados — alguns inclusive manifestando-se como se tivessem tomado posse física dos mesmos.

Em especial, o caso da Sra. Júlia, estudado entre 1863 e 1864, é revelador. Ela se debatia em crises violentas, falava consigo mesma como se fosse dois seres distintos e chegou a atentar contra a própria vida tentando "expulsar" a entidade que sentia em seu corpo. Outro caso, o do Sr. Charles, mostra a substituição temporária do Espírito da médium por um Espírito desencarnado que se comunicava diretamente usando seu corpo.

Esses relatos forçaram Kardec a uma nova análise. Em 1863, escreve:

“Voltamos à nossa asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.”

Não se tratava de uma mudança incoerente, mas de uma evolução do conhecimento, degrau por degrau, sempre com base em observação, comparação e repetição, como ele mesmo ensinava no O Livro dos Médiuns.

Uma nova Definição de Possessão: Temporária, Parcial e sem Ruptura do Laço Vital

Em A Gênese (1868), Kardec oferece sua definição mais completa e amadurecida:

“Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado, tomando-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois isso só se pode dar pela morte.”

O Espírito encarnado não sai completamente do corpo. Ele permanece ligado, mas é sobrepujado, dominado ao ponto de sua ação consciente ficar suspensa ou inibida. A possessão é, portanto, temporária e intermitente, nunca total nem definitiva.

Essa conclusão dialoga com o ensino de que:

  • O perispírito do Espírito obsessor penetra o do encarnado e o magnetiza;
  • A vontade do encarnado pode ser anulada momentaneamente, sem que sua consciência desapareça por completo;
  • Em casos graves, há necessidade de intervenção de terceiros para restaurar o equilíbrio.

A Possessão Segundo o Evangelho e a Defesa Espiritual

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, a possessão é classificada como o grau máximo da obsessão, quando o Espírito obsessor se vale da ligação fluídica para subjugar completamente o encarnado. O texto afirma:

“Para isentá-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma (...); o auxílio de terceiros se faz indispensável, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão.”

A defesa contra tais influências não se dá por fórmulas mágicas ou rituais, mas pelo fortalecimento moral, pela construção de uma couraça fluídica positiva, pela prece, pela vigilância e pelo esforço sincero de melhoria interior. O Espírito mal não possui acesso se não houver brechas ou sintonia vibratória.

Conclusão: Evolução Conceitual e Fidelidade ao Método Espírita

Allan Kardec nunca se contradisse: ele evoluiu. A ideia inicial de que não existia possessão era compatível com os conhecimentos de 1857. Mas, com os novos fatos analisados entre 1858 e 1868, o conceito foi reformulado à luz da experiência, como é próprio da ciência e da filosofia espíritas.

A Codificação Espírita é um corpo orgânico e indivisível. Seus temas — inclusive o da possessão — devem ser estudados em conjunto, respeitando a lógica interna da obra e o método progressivo adotado por Kardec.

Conforme esclareceu o Codificador, a verdade deve ser revelada aos poucos, como a luz que fere os olhos despreparados. Kardec demonstrou não apenas fé raciocinada, mas também uma humildade científica rara — postura que continua a nos inspirar.

Sigamos, pois, seu exemplo. A lição orienta, mas o exemplo arrasta.

Referências Bibliográficas
Allan Kardec em:
O Livro dos Espíritos, perg. 473 e 474
Revista Espírita, 1858, p. 278
O Livro dos Médiuns, item 240
Revista Espírita, 1862–1868
O Evangelho Segundo o Espiritismo
A Gênese, cap. XIV

 

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