quarta-feira, 30 de julho de 2025

RAZÃO, LÓGICA E ESPIRITISMO: 
UMA REFLEXÃO À LUZ DO MÉTODO ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

“É preciso tudo fazer passar pelo crivo da razão e da lógica.”
O Livro dos Médiuns, cap. XX, item 230

A recomendação acima, dada por Erasto e registrada por Allan Kardec, sintetiza um dos pilares da abordagem espírita: submeter todo ensinamento ao exame da razão. Este princípio não se limita a uma diretriz ética ou a um conselho genérico — trata-se, na verdade, de uma diretriz metodológica fundamental na construção do conhecimento espírita.

Kardec não codificou o Espiritismo com base em revelações místicas, mas sim a partir da observação rigorosa dos fenômenos espirituais, da análise comparada das mensagens mediúnicas e, sobretudo, da fidelidade à lógica e ao bom senso. Assim, o uso da razão é mais do que um apoio: é a base sobre a qual se assenta toda a estrutura doutrinária espírita.

A Centralidade da Razão no Pensamento Espírita

O Espiritismo se define como uma doutrina de fé raciocinada (cf. O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, item 7). Isso significa que nenhuma ideia deve ser aceita cegamente, mesmo quando emanada por um Espírito considerado “superior”. Kardec foi categórico:

“Antes de aceitar uma comunicação como proveniente de um Espírito superior, é necessário saber se ela resiste ao controle severo da razão.”
Revista Espírita, dezembro de 1861

Ao abordar os conceitos de razão — ratio e logos — o pensamento espírita afasta-se da fé cega, do êxtase místico e das paixões descontroladas, aproximando-se de uma visão que valoriza o discernimento e a clareza mental. Esses perigos — a ilusão, o fanatismo, o misticismo desregrado — foram denunciados por Kardec como obstáculos ao verdadeiro progresso da Doutrina.

A Lógica como Suporte da Estrutura Espírita

Ao analisar a operação racional segundo quatro princípios clássicos da lógica — identidade, não contradição, terceiro excluído e razão suficiente — reconhece-se que esses fundamentos estão presentes, de forma implícita ou explícita, na construção do saber espírita:

  • Identidade: é o que permite reconhecer um Espírito, distinguir o real do ilusório e identificar com clareza uma manifestação mediúnica.
  • Não contradição: sustenta o princípio do controle universal do ensino dos Espíritos, pelo qual Kardec descartava comunicações contraditórias ou ilógicas.
  • Terceiro excluído: está presente em afirmações doutrinárias categóricas, como a imortalidade da alma — ou ela é, ou não é.
  • Razão suficiente: fundamenta a Lei de Causa e Efeito, segundo a qual nada acontece sem uma causa, e cabe ao Espírito investigar com lucidez os porquês da vida.

Esses princípios não são meros conceitos filosóficos, mas instrumentos vivos no exercício de um Espiritismo sério, responsável e coerente com sua proposta educativa e libertadora.

A Crítica como Exigência da Doutrina

Inspirando-se também em pensadores contemporâneos como Marilena Chauí, a reflexão aqui apresentada valoriza a crítica como instrumento de compreensão e libertação. Essa postura crítica é inerente ao Espiritismo, que não receia o questionamento — ao contrário, o estimula.

Kardec foi, acima de tudo, um crítico das comunicações mediúnicas. Ele avaliava o conteúdo das mensagens, comparava diferentes fontes, buscava coerência, rejeitava ideias conflitantes e desmontava posições ideológicas incompatíveis com os princípios da Doutrina.

“O Espiritismo quer ser aceito pela razão; por isso se dirige à inteligência, e não à imaginação.”
O Livro dos Médiuns, cap. XXVII, item 303

A crítica, nesse contexto, não destrói a fé; ao contrário, fortalece-a quando está baseada na razão e na observação.

Fenômenos Espirituais também Devem Passar pelo Crivo da Razão

Mesmo nos casos de fenômenos inesperados, sutis ou aparentemente inexplicáveis, a Doutrina Espírita mantém o princípio da racionalidade. Kardec jamais admitiu que a fé se fundamentasse apenas em maravilhas ou efeitos extraordinários:

“A fé raciocinada se apoia nos fatos e na lógica; não deixa nenhuma obscuridade.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, item 7

Assim, mesmo diante do imponderável, o Espiritismo convida à prudência, à análise comparativa das manifestações, à verificação de suas causas e à coerência doutrinária, evitando os desvios da superstição, do dogmatismo ou da idolatria mediúnica.

Uma Contribuição que Dialoga com a Doutrina Espírita

A presente reflexão, inspirada no ensaio “O Crivo da Razão”, de Albino A. C. de Novaes, publicado no blog Espiritismo Comentado, integra-se plenamente aos fundamentos da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. Ainda que elaborada a partir de elementos da filosofia ocidental, ela dialoga harmoniosamente com o pensamento espírita, que examina, filtra e se enriquece com o que há de mais sério e elevado na tradição filosófica e científica.

O Espiritismo propõe:

  • Uma fé lúcida, que não teme a razão.
  • Um método baseado na observação, no bom senso e na análise crítica.
  • Um estudo contínuo, livre, aberto ao diálogo com todas as áreas do conhecimento.
  • A construção de um saber espiritual rigoroso, coerente e acessível à inteligência humana.

Concluir que a razão é elemento estrutural da Doutrina Espírita é não apenas justo, mas necessário. É por meio dela que o Espiritismo se distingue dos sistemas místicos tradicionais e propõe-se como uma filosofia espiritual que não prescinde da ciência nem da lógica. Ao aplicar essa chave de leitura, reafirma-se que o Espiritismo é, acima de tudo, um convite ao conhecimento liberto e à fé esclarecida.

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