Introdução
Frequentemente escutamos objeções contra o
Espiritismo, fundadas em passagens bíblicas interpretadas de forma literal.
Muitos acreditam que basta citar versículos isolados para condenar os Espíritas
a penas eternas, como se o Criador tivesse instituído a perdição irreversível
para parte de seus filhos. É necessário, portanto, examinar essas objeções com
serenidade, à luz da razão e do ensino universal dos Espíritos.
O Espiritismo não veio para destruir a fé, mas para
esclarecê-la. E não poderia ser de outra forma, pois a fé verdadeira é sempre
racional e jamais teme o exame.
A
contradição das leituras literais
Os que se apegam ao texto bíblico como única norma
absoluta, esquecem que a Bíblia foi escrita por homens, em épocas e culturas
diversas, sob inspiração espiritual relativa ao grau de compreensão do tempo.
Não se trata, pois, de um livro ditado palavra por palavra por Deus, mas de um
repositório de tradições, símbolos e narrativas que, embora contenham verdades
sublimes, também trazem marcas da limitação humana.
Assim, encontramos no mesmo livro o mandamento “Não matarás” (Êxodo 20:13) e, logo
adiante, a ordem de passar ao fio da espada irmãos, amigos e vizinhos (Êxodo
32:27). É razoável atribuir a Deus, Pai de amor e justiça, tal contradição? Não
seria mais lógico compreender que certos textos expressam a visão tribal e
guerreira de um povo, em vez da vontade eterna e imutável do Criador?
Do mesmo modo, não podemos tomar ao pé da letra
passagens em que o Senhor parece associar-se a um espírito mentiroso (1 Reis
22:23), ou que descrevem um Cristo espancando vendedores no templo, como se seu
ensinamento fosse de violência e não de mansidão.
O Deus do
Espiritismo
O Espiritismo não rejeita a Bíblia; antes, procura
compreendê-la de maneira mais profunda. Ele nos mostra que Deus é soberanamente
justo e bom, que não decreta penas eternas, porque a eternidade da punição
seria a negação de sua misericórdia infinita.
Enquanto a leitura literal faz de Deus um
legislador contraditório e punitivo, o Espiritismo revela o Pai amoroso, que
educa seus filhos por meio da reencarnação, dando sempre novas oportunidades de
aprendizado. O Inferno, tal como pregado pelas seitas mais rígidas, é uma
invenção humana; as dores do Espírito após a morte não são eternas, mas
transitórias e proporcionais ao mal praticado, cessando quando o arrependimento
e a reparação se realizam.
Fé cega
ou fé raciocinada?
Muitos dizem: “É
preciso crer para depois compreender.” Ora, essa é a fé cega, que se impõe
pela autoridade e que exige a submissão sem exame. O Espiritismo, ao contrário,
convida à fé raciocinada: primeiro compreender, depois crer.
Se uma doutrina exige que o homem abdique da razão
para aceitá-la, não é divina, pois Deus nos deu a razão para que a
utilizássemos. O Cristo mesmo recomendou: “Conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Não disse: “Crede sem
compreender.”
A
liberdade de consciência
Ainda hoje, alguns buscam, na Bíblia,
justificativas para excluir, condenar ou calar os que pensam diferente.
Contudo, observamos que até mesmo aqueles que acusam o Espiritismo não seguem
integralmente as prescrições bíblicas: não apedrejam adúlteros, não expulsam
leprosos, não matam quem trabalha no sábado, e tampouco impedem as mulheres de
falar em público, como ordenava Paulo.
Isso demonstra que a consciência humana evoluiu e
já não aceita cegamente certos mandamentos, por considerá-los incompatíveis com
o progresso moral. Não seria então justo estender esse mesmo raciocínio ao
entendimento da vida espiritual?
O Espiritismo respeita a liberdade de cada um
escolher sua fé, sem impor, sem ameaçar. Se alguns desejam permanecer na crença
do Inferno eterno, estão no direito; mas não têm o direito de impor a outros
esse mesmo jugo.
Conclusão
Não vemos na Bíblia a condenação definitiva do
Espiritismo, mas sim o testemunho de uma revelação progressiva, que agora
encontra complemento e explicação na Doutrina dos Espíritos.
Cristo nos ensinou que o verdadeiro culto a Deus
está em amar e servir ao próximo. É por isso que preferimos um Deus de amor ao
Deus vingativo das leituras literais; é por isso que preferimos a fé
raciocinada à fé cega; é por isso que preferimos a liberdade de consciência à
imposição do medo.
Se o Espiritismo for condenado, será condenado
apenas porque prega a fraternidade, a justiça e a esperança. E se assim for,
perguntamos: não foi também Cristo condenado pelos doutores da lei, quando
trouxe ao mundo o mesmo convite ao amor?
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 1859.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
- Bíblia Sagrada.
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