Antônio
era um homem comum. Trabalhador, respeitado no bairro, mas frágil como qualquer
coração humano quando se deixa dominar pelas próprias sombras.
Numa
tarde abafada, voltando cansado do serviço, discutiu com a esposa por um motivo
banal. Um prato mal colocado à mesa, uma palavra atravessada, e a cólera
subiu-lhe como fogo súbito. A voz quebrou o silêncio do lar em gritos, e a
esposa, em lágrimas, recolheu-se em silêncio. Antônio, dominado pelo impulso,
sentiu-se momentaneamente vitorioso. Mas quando a noite se fez mais densa, o
arrependimento caiu-lhe sobre o peito como ferro em brasa.
Naquela
solidão, recordou o aviso de um Espírito Protetor em O Evangelho segundo o
Espiritismo:
“A cólera não exclui
certas qualidades do coração, mas impede que se faça muito bem e pode levar à
prática de muito mal.”
Compreendeu
então que um segundo de descontrole podia custar-lhe anos de reparação.
Pouco
tempo depois, outra cena lhe testou a consciência. Caminhava pela rua quando
viu um vizinho idoso tropeçar e cair, espalhando os pertences pelo chão.
Antônio deu um passo à frente, mas conteve-se. Ao redor, alguns olhares
curiosos acompanhavam a cena, e o medo de parecer ridículo, de se expor em meio
ao movimento da rua, o fez recuar.
Outro
jovem aproximou-se, estendeu a mão e ajudou o velho a se levantar. Antônio
ficou imóvel, envergonhado. E na madrugada, ao rever mentalmente o episódio,
sua consciência lhe perguntou em silêncio: —
Por que não foste adiante?
Ali
percebeu a dor da covardia moral, diferente da cólera, mas igualmente amarga.
Antônio
começou a refletir. Quantas vezes já ouvira, nos cultos evangélicos e nos
estudos espíritas, a advertência de Jesus:
“Ninguém que, tendo
posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o Reino de Deus.” (Lc 9:62)
A mão
que segura o arado não pode hesitar. O bem, quando se apresenta, é convite
sagrado — e a recusa se grava na alma como oportunidade perdida.
Numa
reunião de estudo, ouviu a história de Paulo de Tarso. Saulo, perseguidor
temido, tombara em Damasco e, ao ouvir a Voz que o chamava, não vacilou:
“Levanta-te, e entra na
cidade, onde te dirão o que te convém fazer.” (At 9:6)
Não
olhou para trás. E, mesmo apedrejado, caluniado e perseguido, seguiu adiante,
decidido. Antônio se emocionou. Percebeu que coragem moral não nasce da força
física, mas da fé que se firma em Jesus.
Na
mesma noite, recordou também as palavras de Irmão X, através de Chico Xavier,
na crônica “Na Frente do Bem”:
decisões que visam apenas agradar aos homens são frágeis como poeira ao vento,
mas as que repousam na paz do Cristo permanecem eternas.
E,
como se Jesus lhe falasse direto ao coração, relembrou o critério de ouro:
“Como quereis que os
homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles.” (Lc 6:31)
Desde
então, Antônio passou a vigiar-se mais. Não se tornara santo da noite para o
dia, mas cada vez que a cólera lhe rondava a garganta, lembrava-se da dor no
coração da esposa e calava-se. Cada vez que o medo de agir no bem lhe ameaçava
os passos, lembrava-se do vizinho caído e adiantava-se com firmeza, sem olhar
para os lados.
Compreendeu,
por fim, que a vida é breve, mas as decisões são eternas. A cólera pode
acorrentar-nos a longos resgates; o bem recusado pesa como chumbo na
consciência. Mas a escolha firme pelo caminho do Cristo abre horizontes de paz
que nem a morte consegue apagar.
E
assim, diante de cada nova encruzilhada, Antônio repetia em silêncio a prece
que nascera de sua própria experiência:
— Senhor, ajuda-me a decidir com amor, a agir com coragem e a nunca olhar para trás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário