Introdução
O Espiritismo, desde a sua origem com Allan Kardec,
sempre se fundamentou no estudo racional e metódico das manifestações espirituais.
Entre os temas que suscitaram debates ao longo do tempo está a questão das evocações
de Espíritos, ou seja, a possibilidade de chamar nominalmente um
desencarnado para dialogar.
Alguns autores espirituais posteriores, como
Emmanuel e André Luiz, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier,
recomendaram restrições severas às evocações. Suas advertências, embora
respeitáveis, foram interpretadas de forma absoluta, levando muitos centros
espíritas a praticamente abolirem essa prática. Contudo, ao examinarmos a
Codificação Espírita e a coleção da Revista Espírita, verificamos que
Allan Kardec não apenas admitia as evocações como prática legítima, como também
as considerava um recurso essencial de estudo, de consolo e de auxílio aos
desencarnados sofredores.
Este artigo tem por objetivo analisar, de maneira
racional e fundamentada na Doutrina Espírita, a questão das evocações,
distinguindo a posição espírita das interpretações posteriores.
1. A
posição de Allan Kardec
No Livro dos Médiuns, capítulo XXV, Allan
Kardec dedica extenso estudo às evocações. Longe de condená-las, afirma que
tanto as comunicações espontâneas quanto as evocadas possuem vantagens, e que a
exclusão de uma delas representaria empobrecimento para o trabalho espírita.
Ressalta ainda que a evocação oferece a vantagem de limitar a ação dos
Espíritos mistificadores, pois o laço estabelecido entre evocador e evocado
funciona como barreira contra intrusos.
Kardec também admite que qualquer Espírito pode
ser evocado: bons ou maus, antigos ou recentes, desde que a finalidade seja
séria e instrutiva. Desaconselha apenas o uso leviano ou fútil das evocações e
recomenda prudência com grupos inexperientes, pois a inexperiência pode abrir
portas à mistificação.
A Revista Espírita confirma essa posição em
diversas passagens. Em julho de 1859, por exemplo, Kardec declara preferir o
método das evocações diretas porque permite maior controle sobre os Espíritos
comunicantes. Em março de 1862, explica que não poderia atender a todos os
pedidos de evocação de familiares por questões práticas de tempo, e não por ser
a evocação em si desaconselhável. Já em setembro de 1859, adverte que a espera
passiva de comunicações espontâneas é mais arriscada, por abrir espaço aos Espíritos
inferiores que nos cercam.
Assim, para o Codificador, a evocação não é um
privilégio de “missionários”, mas sim um recurso legítimo de trabalho espírita,
a ser conduzido com seriedade, discernimento e preparo moral.
2. As
restrições posteriores
No século XX, especialmente através da obra
psicográfica de Francisco Cândido Xavier, surgiram mensagens de Emmanuel e
André Luiz que aconselhavam evitar evocações. O argumento central era o de que
deveríamos aguardar espontaneamente os Espíritos, em respeito ao seu estado
espiritual e para não interferir em suas tarefas. Criou-se então, no Movimento
Espírita, o conhecido “slogan”: “o telefone só toca de lá para cá”.
Embora bem intencionadas, tais recomendações foram
interpretadas de modo absoluto, chegando a ser consideradas “lei doutrinária”.
Isso, na prática, limitou médiuns e grupos espíritas, levando muitos a
acreditar que a evocação seria sempre imprópria ou mesmo proibida.
Contudo, ao confrontarmos tais opiniões com a
Codificação, percebemos que se tratam apenas de posições particulares
desses Espíritos, e não de ensinamentos universais confirmados pelo Controle
Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Como alertava José Herculano Pires,
toda interpretação extremada que vá além ou contra Kardec deve ser examinada
com cautela, para não se transformar em dogma pessoal dentro do Espiritismo.
3. A
racionalidade do método espírita
O método espírita, como proposto por Allan Kardec,
não admite exclusivismos nem dogmatismos. A prática espírita deve sempre ser
pautada pela razão, pela experimentação controlada e pelo estudo comparativo
das comunicações.
Nesse sentido, a evocação é um instrumento
legítimo de investigação e auxílio, desde que respeite critérios morais e
práticos:
- finalidade séria e instrutiva;
- preparo e maturidade dos médiuns;
- ambiente moralmente saudável;
- ausência de interesses materiais ou fúteis.
Quando bem conduzidas, as evocações permitem:
- o tratamento de Espíritos sofredores em processos obsessivos;
- o consolo a familiares pela comunicação de entes queridos;
- a investigação séria das condições da vida espiritual;
- o fortalecimento do grupo mediúnico pelo exercício da responsabilidade.
Negar totalmente a evocação, como alguns autores
propuseram, é contrariar a própria orientação do Codificador, que via nela uma
via segura de estudo e de progresso.
Conclusão
A análise racional do tema demonstra que a Codificação
Espírita valida e recomenda as evocações, desde que praticadas com
seriedade e discernimento. As opiniões restritivas de Emmanuel e André Luiz
devem ser respeitadas como tal: opiniões pessoais, não elevadas ao estatuto de
ensino universal da Doutrina Espírita.
O Movimento Espírita, ao privilegiar apenas as
comunicações espontâneas, distanciou-se do método espírita e criou limitações
indevidas ao desenvolvimento mediúnico.
Cabe aos dirigentes e estudiosos espíritas resgatar
a orientação original de Allan Kardec, evitando dogmatizar interpretações
particulares e mantendo a prática espírita fiel ao seu caráter científico,
filosófico e moral.
Assim, ao invés de um slogan reducionista,
poderíamos recordar o conselho de Kardec: trabalhar com prudência e equilíbrio,
mas nunca excluir métodos legítimos de investigação, pois tanto as
manifestações espontâneas quanto as evocações possuem o seu valor.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Cap. XXV – “Das
Evocações”.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1859-1865). Diversos
artigos sobre evocações.
- PIRES, José Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. São
Paulo: Paidéia.
- XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito
Emmanuel.
- XAVIER, Francisco Cândido. Série “A Vida no Mundo Espiritual”. Pelo
Espírito André Luiz.
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