quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A PRÁTICA DAS EVOCAÇÕES:
ENTRE A CODIFICAÇÃO ESPÍRITA 
E AS INTERPRETAÇÕES POSTERIORES
- A Era do Espírito -

Introdução

O Espiritismo, desde a sua origem com Allan Kardec, sempre se fundamentou no estudo racional e metódico das manifestações espirituais. Entre os temas que suscitaram debates ao longo do tempo está a questão das evocações de Espíritos, ou seja, a possibilidade de chamar nominalmente um desencarnado para dialogar.

Alguns autores espirituais posteriores, como Emmanuel e André Luiz, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, recomendaram restrições severas às evocações. Suas advertências, embora respeitáveis, foram interpretadas de forma absoluta, levando muitos centros espíritas a praticamente abolirem essa prática. Contudo, ao examinarmos a Codificação Espírita e a coleção da Revista Espírita, verificamos que Allan Kardec não apenas admitia as evocações como prática legítima, como também as considerava um recurso essencial de estudo, de consolo e de auxílio aos desencarnados sofredores.

Este artigo tem por objetivo analisar, de maneira racional e fundamentada na Doutrina Espírita, a questão das evocações, distinguindo a posição espírita das interpretações posteriores.

1. A posição de Allan Kardec

No Livro dos Médiuns, capítulo XXV, Allan Kardec dedica extenso estudo às evocações. Longe de condená-las, afirma que tanto as comunicações espontâneas quanto as evocadas possuem vantagens, e que a exclusão de uma delas representaria empobrecimento para o trabalho espírita. Ressalta ainda que a evocação oferece a vantagem de limitar a ação dos Espíritos mistificadores, pois o laço estabelecido entre evocador e evocado funciona como barreira contra intrusos.

Kardec também admite que qualquer Espírito pode ser evocado: bons ou maus, antigos ou recentes, desde que a finalidade seja séria e instrutiva. Desaconselha apenas o uso leviano ou fútil das evocações e recomenda prudência com grupos inexperientes, pois a inexperiência pode abrir portas à mistificação.

A Revista Espírita confirma essa posição em diversas passagens. Em julho de 1859, por exemplo, Kardec declara preferir o método das evocações diretas porque permite maior controle sobre os Espíritos comunicantes. Em março de 1862, explica que não poderia atender a todos os pedidos de evocação de familiares por questões práticas de tempo, e não por ser a evocação em si desaconselhável. Já em setembro de 1859, adverte que a espera passiva de comunicações espontâneas é mais arriscada, por abrir espaço aos Espíritos inferiores que nos cercam.

Assim, para o Codificador, a evocação não é um privilégio de “missionários”, mas sim um recurso legítimo de trabalho espírita, a ser conduzido com seriedade, discernimento e preparo moral.

2. As restrições posteriores

No século XX, especialmente através da obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier, surgiram mensagens de Emmanuel e André Luiz que aconselhavam evitar evocações. O argumento central era o de que deveríamos aguardar espontaneamente os Espíritos, em respeito ao seu estado espiritual e para não interferir em suas tarefas. Criou-se então, no Movimento Espírita, o conhecido “slogan”: “o telefone só toca de lá para cá”.

Embora bem intencionadas, tais recomendações foram interpretadas de modo absoluto, chegando a ser consideradas “lei doutrinária”. Isso, na prática, limitou médiuns e grupos espíritas, levando muitos a acreditar que a evocação seria sempre imprópria ou mesmo proibida.

Contudo, ao confrontarmos tais opiniões com a Codificação, percebemos que se tratam apenas de posições particulares desses Espíritos, e não de ensinamentos universais confirmados pelo Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Como alertava José Herculano Pires, toda interpretação extremada que vá além ou contra Kardec deve ser examinada com cautela, para não se transformar em dogma pessoal dentro do Espiritismo.

3. A racionalidade do método espírita

O método espírita, como proposto por Allan Kardec, não admite exclusivismos nem dogmatismos. A prática espírita deve sempre ser pautada pela razão, pela experimentação controlada e pelo estudo comparativo das comunicações.

Nesse sentido, a evocação é um instrumento legítimo de investigação e auxílio, desde que respeite critérios morais e práticos:

  • finalidade séria e instrutiva;
  • preparo e maturidade dos médiuns;
  • ambiente moralmente saudável;
  • ausência de interesses materiais ou fúteis.

Quando bem conduzidas, as evocações permitem:

  • o tratamento de Espíritos sofredores em processos obsessivos;
  • o consolo a familiares pela comunicação de entes queridos;
  • a investigação séria das condições da vida espiritual;
  • o fortalecimento do grupo mediúnico pelo exercício da responsabilidade.

Negar totalmente a evocação, como alguns autores propuseram, é contrariar a própria orientação do Codificador, que via nela uma via segura de estudo e de progresso.

Conclusão

A análise racional do tema demonstra que a Codificação Espírita valida e recomenda as evocações, desde que praticadas com seriedade e discernimento. As opiniões restritivas de Emmanuel e André Luiz devem ser respeitadas como tal: opiniões pessoais, não elevadas ao estatuto de ensino universal da Doutrina Espírita.

O Movimento Espírita, ao privilegiar apenas as comunicações espontâneas, distanciou-se do método espírita e criou limitações indevidas ao desenvolvimento mediúnico.

Cabe aos dirigentes e estudiosos espíritas resgatar a orientação original de Allan Kardec, evitando dogmatizar interpretações particulares e mantendo a prática espírita fiel ao seu caráter científico, filosófico e moral.

Assim, ao invés de um slogan reducionista, poderíamos recordar o conselho de Kardec: trabalhar com prudência e equilíbrio, mas nunca excluir métodos legítimos de investigação, pois tanto as manifestações espontâneas quanto as evocações possuem o seu valor.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Cap. XXV – “Das Evocações”.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1859-1865). Diversos artigos sobre evocações.
  • PIRES, José Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Paidéia.
  • XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel.
  • XAVIER, Francisco Cândido. Série “A Vida no Mundo Espiritual”. Pelo Espírito André Luiz.

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