Introdução
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec entre 1857 e 1869, não menciona
diretamente a Ressonância Schumann (RS), fenômeno físico previsto em 1952 pelo
físico alemão W. O. Schumann. Contudo, a filosofia espírita, ao propor a
unidade das leis naturais — físicas e espirituais — oferece um arcabouço
interpretativo para compreender como os ritmos da natureza podem influenciar o
ser humano e como se relacionam com a vida espiritual.
A Revista
Espírita (1858–1869) e Obras Póstumas (1890) revelam que Kardec
sempre incentivou a investigação de todos os fenômenos naturais, buscando
compreendê-los à luz da razão, da experiência e da observação, sem separar
ciência, filosofia e moral. Nesse mesmo espírito, Camille Flammarion —
astrônomo e companheiro de Kardec — empregava a metáfora do “Teclado
Cósmico”, comparando o universo a um grande instrumento harmônico em que
cada vibração participa de uma sinfonia universal.
Essa
analogia permite integrar reflexões atuais sobre a Ressonância Schumann, um
fenômeno físico, com a visão espiritual da vida e da interdependência cósmica.
O que é a Ressonância Schumann?
A
Ressonância Schumann corresponde a um conjunto de frequências eletromagnéticas
naturais que ocorrem na cavidade entre a superfície da Terra e a ionosfera.
- Sua frequência
fundamental é de aproximadamente 7,8 Hz, com harmônicos em 14, 20,
26 Hz e assim por diante.
- É sustentada por
descargas elétricas (raios) que ocorrem continuamente na atmosfera
terrestre.
- Pesquisas sugerem
que essas frequências interagem com o cérebro humano, regulando ritmos
biológicos ligados ao sono, à melatonina e à serotonina, podendo auxiliar,
por exemplo, em tratamentos de insônia (Dove Medical Press).
Em síntese,
trata-se de uma “batida rítmica” natural da Terra, um pulso planetário
que envolve todos os seres vivos.
A Perspectiva Espírita
1. Harmonização com as Leis Naturais
A Doutrina Espírita ensina que o universo é regido
por leis divinas, que se expressam tanto no campo físico quanto no moral. A
Ressonância Schumann, como fenômeno natural, pode ser vista como um desses
mecanismos de equilíbrio, lembrando a afirmação espírita de que “a natureza
é o grande livro no qual o homem deve estudar a lei de Deus” (O Livro
dos Espíritos, q. 614).
2. Influência do Mundo Espiritual
O Espiritismo mostra que encarnados e desencarnados
compartilham o mesmo ambiente fluídico. Assim, oscilações eletromagnéticas como
a RS podem constituir um meio de interação indireta entre o plano
material e o espiritual, favorecendo ou dificultando a sintonia mental, a saúde
e até mesmo os fenômenos mediúnicos.
Na Revista Espírita (dezembro de 1861),
Kardec observa que as condições atmosféricas influenciam certas manifestações
mediúnicas. A Ressonância Schumann pode ser interpretada como parte desses
fatores ambientais sutis que afetam a sensibilidade humana e espiritual.
3. Aplicações Práticas
Pesquisas sobre a RS apontam efeitos potenciais no
ciclo biológico humano. No campo espírita, isso pode ser correlacionado à
influência do meio ambiente sobre a saúde espiritual e mediúnica.
Ambientes em desarmonia eletromagnética poderiam facilitar a obsessão ou o
desequilíbrio psíquico, ao passo que condições harmônicas poderiam favorecer a
oração, a concentração e a mediunidade equilibrada.
4. Método de Estudo
O método espírita é claro: observar, comparar,
analisar, deduzir e generalizar. (Obras Póstumas, “Projeto de
Reforma da Filosofia”). A Ressonância Schumann, enquanto fenômeno físico, pode
e deve ser estudada sob esse prisma, sem misticismo, buscando compreender suas
causas e consequências.
Flammarion e o Teclado Cósmico
Camille
Flammarion, em sua metáfora do “Teclado Cósmico”, sugeria que o universo vibra
em diferentes escalas de energia, assim como um piano ressoa em múltiplas
notas. Nesse sentido, a RS poderia ser comparada a uma dessas notas
fundamentais da Terra, à qual todos os seres vivos estão sintonizados.
Tal
perspectiva dialoga com a ideia espírita de que todos fazemos parte de uma harmonia
universal, em que cada vibração, pensamento ou ação influencia o conjunto.
Assim como um músico pode afinar seu instrumento, o ser humano pode afinar a
alma às frequências do bem, do amor e da fraternidade.
Considerações Críticas
Conforme
estudos analisados por Alexandre Fontes da Fonseca, não há comprovação
científica de que a RS esteja acelerando ou de que explique a sensação
subjetiva de que “o tempo passa mais
rápido”. A variação fundamental da frequência permanece estável em torno de
7,8 Hz, oscilando apenas em função de fatores naturais.
A
Doutrina Espírita, por sua vez, alerta contra explicações apressadas ou
especulativas. Kardec lembrava que é preciso distinguir entre o comprovado, o
provável e o imaginário (Revista Espírita, maio de 1859). Assim, a RS
deve ser vista como um campo promissor de pesquisa, mas não como fundamento de
crenças místicas.
Conclusão
A
Ressonância Schumann, embora descoberta apenas no século XX, pode ser integrada
ao pensamento espírita como um exemplo das múltiplas vibrações cósmicas
que regem a vida. Ela ilustra a unidade entre ciência e espiritualidade,
mostrando que os ritmos da natureza influenciam não apenas o corpo, mas também
a alma, na medida em que favorecem a sintonia mental e espiritual.
À luz
da Doutrina Espírita, não é necessário recorrer à RS para justificar a urgência
do amor e da fraternidade, princípios já revelados por Jesus e reiterados pelos
Espíritos Superiores. No entanto, compreender a ressonância natural da Terra
como parte de uma “sinfonia universal” pode inspirar-nos a viver mais em
harmonia com as leis divinas, cultivando saúde, equilíbrio e paz interior.
Referências
- Kardec, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- Kardec, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- Kardec, Allan. Obras
Póstumas. 1890.
- Flammarion,
Camille. O Desconhecido e os Problemas Psíquicos. Metáfora do
Teclado Cósmico.
- Schumann, W. O. “On
the characteristic oscillations of a conducting sphere which is surrounded
by an air layer and an ionospheric shell”. Zeitschrift für
Naturforschung, 1952.
- Cherry, N.
“Schumann Resonances, a plausible biophysical mechanism for the human
health effects of Solar/Geomagnetic Activity”. Natural Hazards,
2002.
- Fonseca, A. F. da.
“Considerações sobre a Ressonância Schumann”. Jornal Alavanca,
2004.
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