“Se não se convencem pelos fatos, menos o fariam
pelo raciocínio.”
— Allan Kardec
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec,
convida-nos a observar os fatos com imparcialidade, analisando-os à luz da
razão e da experiência. Diante de passagens bíblicas muitas vezes mal
compreendidas ou negligenciadas, somos desafiados a interpretá-las com base na
lógica e nas leis espirituais universais. Um desses episódios pouco comentados
— mas de grande relevância para o estudo das manifestações espirituais — é a
enigmática “carta de Elias”, mencionada no Segundo Livro das Crônicas (21,12).
Introdução
Editorial
Ao oferecer uma chave interpretativa racional e
progressista das Escrituras, a Doutrina Espírita nos estimula a revisitar
relatos bíblicos sob a ótica da imortalidade da alma, da comunicabilidade dos
Espíritos e da evolução espiritual. É nesse espírito de análise respeitosa que
propomos refletir sobre um episódio intrigante do Antigo Testamento: o profeta
Elias, supostamente arrebatado aos céus, teria enviado uma carta ao rei Jorão
após seu desaparecimento?
Fundamentado no método espírita — que valoriza a
coerência lógica e os fatos em conformidade com as leis naturais — este artigo
examina tal narrativa à luz dos princípios da mediunidade. Afinal, se a Bíblia
está repleta de manifestações espirituais, por que não considerar essa carta
como mais uma evidência da continuidade da vida e da interação entre os planos
espiritual e material?
A Carta
que Veio Depois do Arrebatamento
Segundo 2 Reis 2, Elias foi arrebatado aos céus
ainda em vida. No entanto, em 2 Crônicas 21:12, lemos que o rei Jorão de Judá
recebeu uma carta do próprio Elias — fato que, embora pouco mencionado,
contradiz a ideia de que o profeta teria deixado o plano físico
definitivamente.
José Reis Chaves, em artigo no jornal O Tempo
(26/04/2004), resgata esse detalhe revelador e propõe duas possibilidades,
ambas de grande interesse espiritual:
- Elias não foi arrebatado naquele momento e permaneceu na Terra por
algum tempo;
- Elias já havia desencarnado, e a carta foi uma comunicação
espiritual transmitida por meio de um médium da época.
A primeira hipótese fragiliza a leitura literal do
arrebatamento. A segunda, ao contrário, harmoniza-se com a realidade da
comunicabilidade dos Espíritos, conforme amplamente demonstrado pela ciência
espírita.
A
Concordância dos Fatos Bíblicos com o Espiritismo
Kardec demonstrou que a existência dos Espíritos e
sua comunicação com os encarnados são fatos universais, presentes em todas as
tradições religiosas. A Bíblia, em especial, é rica em registros desse tipo —
embora muitos tenham sido interpretados de forma simbólica ou mística ao longo
dos séculos.
Entre os casos mais marcantes:
- A evocação do Espírito de Samuel pela pitonisa de Endor (1Sm 28),
um evidente exemplo de psicofonia, com o médium servindo de instrumento
para a fala de um Espírito;
- A transfiguração de Jesus no monte Tabor (Mt 17; Mc 9; Lc 9),
quando Moisés e Elias aparecem dialogando com o Cristo — fenômeno que
sugere a materialização espiritual auxiliada por mediunidade e doação
ectoplasmática;
- As aparições de Jesus após sua morte, evidenciando a continuidade
da vida e a possibilidade de interação entre os planos.
Esses episódios, em sintonia com o caso da carta de
Elias, reforçam que os fenômenos mediúnicos sempre estiveram presentes, ainda
que mal interpretados ou mesmo rejeitados por falta de compreensão adequada.
A Lei é
Una: Não Há Exceções no Plano Divino
Segundo o Espiritismo, as leis divinas são
invariáveis. A concepção de que Elias teria sido levado ao céu com o corpo
físico entra em conflito com ensinamentos neotestamentários como:
“O
espírito é que dá vida, a carne para nada serve.”
(Jo 6,63)
“A carne e o sangue não podem herdar o
Reino de Deus.” (1Cor 15,50)
Se o plano espiritual é essencialmente imaterial,
admitir a entrada de corpos físicos nele contraria a lógica e as leis naturais.
A realidade mais plausível é que a morte corporal é a porta natural de acesso à
vida espiritual — e que, após esse processo, os Espíritos podem sim
comunicar-se com os vivos, desde que em condições apropriadas e com objetivos
legítimos.
A
Psicografia de Elias?
Caso Elias já estivesse desencarnado ao tempo da
carta enviada a Jorão, estaríamos diante de uma das mais antigas referências
bíblicas à psicografia — a escrita mediúnica. Tal fenômeno é plenamente
compatível com o que o Espiritismo comprova de forma teórica e experimental
desde a publicação de O Livro dos Espíritos (1857) e O Livro dos
Médiuns (1861).
Nessa perspectiva, a carta de Elias deixa de ser um
mistério e torna-se mais uma evidência da imortalidade da alma e da
comunicabilidade entre os mundos — princípios que o Espiritismo ajuda a
compreender de forma clara e racional.
A Bíblia
Confirma Aquilo que o Espiritismo Explica
Como enfatizou Allan Kardec, o Espiritismo não
contradiz as Escrituras, mas as esclarece. Moisés proibiu a comunicação com os
mortos (Dt 18:9-14) — e, como só se proíbe o que existe, essa proibição é, por
si, uma confirmação da realidade espiritual. O que a Doutrina Espírita propõe é
distinguir o fenômeno em si — legítimo e natural — de seus usos indevidos,
exploratórios ou enganosos.
À luz dessa compreensão, a carta de Elias não é um
paradoxo teológico, mas uma chave para o entendimento da mediunidade nas
Escrituras. Como disse Jesus:
“Quem tem ouvidos de ouvir, ouça.”
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro.
FEB.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro.
FEB.
- BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
- CHAVES, José Reis. “Ressurreição de Todos”. Jornal O Tempo,
26/04/2004.
- SILVA NETO SOBRINHO, Paulo da. Carta Comprometedora de Elias.
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