Introdução
A Doutrina Espírita nasceu do encontro entre a
razão e a espiritualidade, por meio de um método inovador criado por Allan
Kardec. No entanto, passados 168 anos desde a publicação de O Livro dos
Espíritos, parte do movimento espírita brasileiro parece ter se afastado do
dinamismo e da abertura que caracterizam sua proposta original.
Diante desse cenário, diversas obras e artigos
sérios vêm sendo publicados com o propósito de contribuir para o debate
contemporâneo sobre os rumos da Doutrina. Essas reflexões convidam os espíritas
à vivência de uma fidelidade dinâmica — e não à repetição da letra morta — ao
pensamento dos Espíritos Codificadores.
1. Kardec e a metodologia do
controle universal dos ensinos dos Espíritos
Entre os princípios fundamentais da Codificação
está o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, sistematizado por Allan
Kardec. Em O Livro dos Médiuns (cap. XXVII), ele afirma:
“Para
se julgar as comunicações dos Espíritos, é necessário submetê-las ao crivo da
razão e do bom senso, compará-las entre si, e sobretudo, confrontá-las com os
ensinamentos já estabelecidos.”
Esse procedimento assegura que a Doutrina não seja
resultado de revelações isoladas, mas de um processo coletivo, racional e
progressivo. A metodologia adotada por Kardec representa um marco
revolucionário na abordagem do mundo espiritual e inspira um Espiritismo sempre
vigilante e comprometido com a análise crítica.
2.
Abertura ao progresso: um Espiritismo em marcha
Outro aspecto essencial da Doutrina é sua abertura
ao progresso moral e científico. Em A Gênese (cap. I, item 55), Kardec é
categórico:
“O
Espiritismo caminha com o progresso; nunca será ultrapassado, porque, se novas
descobertas lhe demonstrarem estar em erro em um ponto, ele se modificará nesse
ponto.”
Ser fiel à Doutrina exige, portanto, disposição
para revisar conceitos à luz de novas evidências e da evolução do pensamento
humano. A rigidez dogmática contraria o espírito progressista da Codificação.
3. Kardec
não é infalível: um Espírito entre os homens
Ao tratar da figura de Kardec, é fundamental
reconhecer seu papel como organizador e sistematizador da Doutrina, sem, no
entanto, mitificá-lo. O próprio Codificador advertia:
“Se
os Espíritos ensinam algo contrário à razão, ou contrário a princípios bem
estabelecidos da ciência, rejeitai-os.” (Revista Espírita,
janeiro de 1861)
E ainda:
“O
melhor meio de se não ser enganado consiste em examinar friamente e com maduro
senso tudo quanto vem do mundo invisível.” — Allan Kardec, Revista Espírita, jan. 1862, “A obsessão”
Essas orientações deixam claro que o Espiritismo
não se submete a qualquer autoridade cega, mesmo à de seu codificador. O estudo
criterioso, o raciocínio independente e o bom senso devem nortear a prática
doutrinária.
4.
Atualização da Doutrina e recodificação responsável
Ideias que propõem revisitar a Codificação, quando
sustentadas por seriedade e respeito ao método estabelecido pelos Espíritos e
por Kardec, contribuem para manter viva a essência da Doutrina. Kardec
compreendia o Espiritismo como uma ciência em construção permanente.
A crítica ao chamado “espiritismo museológico” — que trata a Codificação como intocável
— convida à responsabilidade doutrinária. Toda proposta de atualização deve
permanecer fiel aos critérios da lógica, da universalidade e do bom senso que sustentam
a construção original.
Atualizar
não é trair: é permanecer fiel ao espírito da Codificação
Conforme destacam diversas obras e estudos
espíritas, o Espiritismo não deve se cristalizar em verdades absolutas, sob pena
de se afastar de sua essência racional, progressiva e aberta ao aprimoramento
constante. A fidelidade viva ao pensamento dos Espíritos Superiores,
sistematizado por Kardec, manifesta-se na disposição de revisar, ampliar e
dialogar com novos conhecimentos — mantendo-se fiel ao método, mas receptivo ao
progresso.
Vigilância
crítica e triagem mediúnica
O cuidado com as mensagens espirituais sempre foi
enfatizado por Kardec. Erasto, Espírito colaborador da Codificação, alerta:
“Mais
vale repelir dez verdades do que admitir uma só mentira.” (O
Livro dos Médiuns, cap. XX)
Essa advertência reforça a necessidade de triagem
rigorosa das comunicações mediúnicas — o que exige conhecimento doutrinário,
raciocínio lógico e vigilância constante.
Ciência,
espiritualidade e diálogo com o mundo
A proposta de manter o Espiritismo em diálogo com
as ciências modernas remonta ao ideal da própria Codificação, que compreende a
Doutrina como uma ponte entre espiritualidade e racionalidade. Essa vocação
integradora deve ser reavivada por meio do estudo, do intercâmbio de ideias e
da superação de posturas dogmáticas.
Conclusão:
ao trabalho!
Ser fiel a Allan Kardec não é repetir suas palavras
como fórmulas imutáveis, mas sim seguir seu exemplo como pensador livre,
criterioso e progressista. O Espiritismo permanece em marcha — e depende de
cada um de nós que ele siga firme, lúcido e coerente com seu espírito original.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (vários volumes). FEB.
- PEREIRA, Marcelo Henrique. A Gnosis Espírita.
- ERASTO (espírito). In O Livro dos Médiuns, cap. XX.
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