Introdução
Na Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, a
fé não é um sentimento passivo ou cego. É antes uma força ativa, sustentada
pela razão, pela compreensão e pela ação consciente. Diferentemente da fé
dogmática, que se apoia na aceitação acrítica de verdades impostas, a fé
espírita se constrói a partir do entendimento, do livre-arbítrio e da
experiência pessoal. Kardec sintetizou essa visão na célebre frase: “Fé
inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as
épocas da Humanidade” (ESE, cap. XIX).
Essa concepção encontra ressonância em pensadores
como Erich Fromm, J. Herculano Pires e Jiddu Krishnamurti, que, cada qual a seu
modo, destacam a importância da fé como fruto de um movimento interior,
libertador e não submisso a sistemas cristalizados. O Espiritismo, ao propor a
fé raciocinada, convida à maturidade espiritual, substituindo a crença imposta
pelo discernimento conquistado.
A fé como
força ativa e racional
Allan Kardec distingue claramente a fé raciocinada
da fé cega. Enquanto a primeira se ancora no entendimento e na lógica, a
segunda se rende à aceitação irrefletida, abrindo caminho para o fanatismo e
para a fragilidade moral diante das crises. No Evangelho Segundo o
Espiritismo (cap. XIX), ele ensina que a fé robusta é aquela que confere
perseverança, energia e recursos para superar obstáculos, mantendo-se serena
porque compreende as leis que regem a vida.
Erich Fromm, em A Revolução da Esperança,
chama essa postura de “fé racional” — resultado da atividade interior, da
reflexão e da experiência — em oposição à fé irracional, que é submissão a
ideias impostas, verdadeiras ou não. Essa proximidade conceitual mostra que,
embora partindo de horizontes diferentes, a psicologia humanista e a filosofia
espírita se encontram no ponto essencial: a fé só é sólida quando nasce do
entendimento.
Esperança
ativa e coragem moral
A fé espírita não caminha sozinha: ela é
inseparável da esperança. Mas não se trata de uma esperança passiva, que
aguarda o milagre sem esforço. É, antes, a confiança dinâmica que impulsiona à
ação persistente. Herculano Pires, em O Ser e a Serenidade, recorre à
imagem dos “bons nadadores” que, em meio às ondas da História, salvam a si
mesmos e ajudam outros a seguir adiante. Esses homens e mulheres de fé atuam
para o bem, não se deixam deter pelo fracasso momentâneo e não buscam reconhecimento
pessoal.
Essa visão está em harmonia com o Livro dos
Espíritos, quando os Espíritos Superiores explicam que a verdadeira coragem
está na perseverança e na aceitação ativa das provas, sempre buscando
melhorar-se e servir ao próximo (LE, questões 644, 918).
Além dos
dogmas: liberdade e responsabilidade espiritual
Kardec adverte que a fé religiosa baseada em dogmas
particulares pode ser raciocinada ou cega, mas quando se apoia no erro está
fadada a ruir. Ele afirma que a fé não pode ser prescrita nem imposta; é
conquista pessoal e acessível a todos. Para crer verdadeiramente, é preciso
compreender — e essa compreensão é o alicerce que liberta a alma da submissão
cega e do preconceito.
Jiddu Krishnamurti, em sua crítica às organizações
religiosas, reforça essa independência espiritual: “A Verdade é uma terra
sem caminhos”. Ele alerta contra a cristalização da crença em sistemas
fechados, lembrando que a compreensão é pessoal e intransferível, e que a fé
viva exige movimento, renovação e liberdade.
O estudo
sério como caminho da fé inabalável
O Espiritismo não é apenas um conjunto de
princípios morais, mas também um campo de investigação racional da realidade
espiritual. Kardec recomenda, na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita,
que a pesquisa seja feita com seriedade, perseverança e ausência de
preconceito. A fé raciocinada se fortalece pelo estudo contínuo, que amplia a
compreensão e evita interpretações parciais ou deturpadas.
Essa postura evita um dos
erros mais comuns dos críticos do Espiritismo: julgar a doutrina por trechos
soltos ou interpretações superficiais, sem considerar o conjunto harmônico dos
ensinos dos Espíritos, organizado e codificado por Allan Kardec.
Conclusão
A fé espírita, como proposta por Allan Kardec, é um
poder ativo, lúcido e libertador. Não depende de imposições externas, mas nasce
do entendimento profundo das leis morais e espirituais que regem a vida. Ela se
apoia na razão, caminha com a esperança ativa e se manifesta na ação
perseverante pelo bem.
Erich Fromm, Herculano Pires e Krishnamurti, cada
um em seu campo, reforçam essa visão ao defenderem uma fé que é fruto de
maturidade interior e não de submissão. Ao estudarmos e vivenciarmos essa fé,
deixamos de ser espectadores para nos tornarmos protagonistas na construção de
um mundo melhor — firmes diante das tempestades, serenos na compreensão e
confiantes no futuro que nossas próprias ações ajudam a edificar.
Referências
- Allan Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo,
cap. XIX.
- Allan Kardec – O Livro dos Espíritos, Introdução e
Conclusão.
- Erich Fromm – A Revolução da Esperança.
- J. Herculano Pires – O Ser e a Serenidade.
- Jiddu Krishnamurti – A Verdade é uma Terra
sem Caminhos (discurso de dissolução da Ordem da Estrela) e Aos Pés
do Mestre.
- Allan Kardec – Introdução ao Estudo da Doutrina
Espírita.
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