Introdução
A história da humanidade mostra que a crença na
imortalidade da alma e na comunicação entre o mundo material e o espiritual é
tão antiga quanto o próprio homem. Desde os povos orientais, passando pelas
tradições gregas, romanas e hebraicas, sempre se encontram vestígios de
práticas mediúnicas, embora muitas vezes revestidas de mistério, superstição ou
dogmas religiosos.
Contudo, apenas no século XIX esses fenômenos,
antes relegados ao misticismo, à magia ou ao monopólio sacerdotal, seriam
estudados com método, rigor e finalidade moral, abrindo caminho para a Doutrina
Espírita codificada por Allan Kardec.
Neste artigo, percorremos três momentos
fundamentais: a antiguidade, os fenômenos de Hydesville e as mesas girantes. Em
cada etapa, mostraremos a ligação entre a manifestação dos Espíritos e o
progresso das ideias, até a sistematização que culminou no Espiritismo.
1. A
Antiguidade
Entre os povos antigos, a evocação dos mortos era
prática corrente. Os Vedas e o Código de Manu já faziam referência aos
Espíritos dos antepassados que participavam das cerimônias dos vivos. No Egito,
templos e sacerdotes guardavam segredos que lhes conferiam poder religioso e
político, enquanto na Grécia as pitonisas, inspiradas por Espíritos, proferiam
oráculos que influenciavam a vida social e política.
Homero, na Odisseia, descreve Ulisses
evocando o Espírito de Tirésias, em uma cena que, sob a ótica moderna, revela
um fenômeno mediúnico. Moisés, por sua vez, proibiu a evocação dos mortos,
temendo que a revelação direta dos Espíritos comprometesse a autoridade do
sacerdócio judaico, como indica Kardec em O Livro dos Médiuns (cap. II,
item 5).
Durante a Idade Média, as práticas de evocação
foram perseguidas pela Igreja, resultando na condenação de milhares de pessoas
acusadas de feitiçaria. Ainda assim, vozes espirituais romperam o silêncio.
Joana d’Arc é o exemplo mais notável: guiada por vozes e visões, libertou a
França e mostrou como a assistência espiritual poderia se manifestar em prol de
grandes causas. Kardec, em A Gênese (cap. XVII), afirma que Joana foi um
instrumento de missão providencial.
Assim, vê-se que os fenômenos espíritas sempre
existiram, embora mal compreendidos ou utilizados para fins de dominação.
2. Os
Fenômenos de Hydesville
O marco inicial da chamada “moderna era espírita”
deu-se em 1847, na pequena localidade de Hydesville, nos Estados Unidos. Na
casa da família Fox, pancadas misteriosas se fizeram ouvir, revelando
inteligência e estabelecendo diálogo com as jovens irmãs Kate e Margaret.
O Espírito manifestante, identificado como um
mascate de nome Charles Rosna (também citado em alguns relatos como Joseph
Ryan), afirmou ter sido assassinado naquela casa. A investigação atraiu
vizinhos e autoridades, que nada puderam concluir contra a boa-fé das médiuns.
Apesar das perseguições religiosas e acusações de
impostura, as irmãs Fox aceitaram expor os fenômenos publicamente, submetendo-se
a comissões rigorosas. Estas, embora céticas, foram obrigadas a reconhecer a
impossibilidade de fraude.
Os fatos se multiplicaram e, em 1850, já havia
milhares de adeptos nos Estados Unidos. Como Kardec assinala na Revista
Espírita (janeiro de 1858), a repercussão dos fenômenos de Hydesville foi a
semente que preparou o terreno para um estudo mais elevado, pois mostravam que
algo além da matéria precisava ser considerado.
3. As
Mesas Girantes
Da América, os fenômenos atravessaram o Atlântico e
chegaram à Europa. As “mesas girantes” logo se popularizaram em salões e
reuniões privadas, onde o movimento dos objetos despertava curiosidade e, não
raro, zombaria.
Os Espíritos, servindo-se das mesas, respondiam a
perguntas por meio de pancadas e movimentos. O processo, embora rudimentar,
abria espaço para comunicações inteligentes. Em pouco tempo, evoluiu-se para a
psicografia: primeiro com pranchetas dotadas de lápis, depois diretamente com a
mão do médium escrevendo sob a influência do Espírito.
Kardec, testemunha direta desse movimento, observou
que o fenômeno não podia ser explicado apenas por ilusões, magnetismo ou
sugestão coletiva. Como afirmou no Livro dos Médiuns (Introdução), era
preciso buscar a causa fora da matéria, reconhecendo a ação de inteligências
invisíveis.
Esse período de manifestações espetaculares — que
Kardec chamou de “fase de curiosidade” — foi indispensável para chamar a
atenção do público e preparar os estudiosos sérios. Como ele registrou na Revista
Espírita (maio de 1858), a frivolidade deu lugar à reflexão, abrindo
caminho para o ensino filosófico e moral dos Espíritos Superiores.
Conclusão
Os fenômenos espíritas não são novos: acompanharam
a humanidade desde suas origens. Contudo, até o século XIX, faltava-lhes
método, discernimento e finalidade moral.
Com Hydesville e as mesas girantes, iniciou-se um
processo que levaria à codificação do Espiritismo por Allan Kardec em 1857, com
O Livro dos Espíritos. Desde então, os fatos deixaram de ser meros
objetos de curiosidade para se tornarem base de uma filosofia espiritualista
racional, assentada sobre a observação, a experimentação e o ensino moral.
Assim, os fenômenos espíritas, longe de serem
novidades ou superstições, são manifestações universais da vida espiritual,
cuja compreensão só se completou com a Doutrina Espírita, revelando à
humanidade sua verdadeira destinação: a imortalidade, o progresso e a
fraternidade universal.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858-1869.
- DELANNE, Gabriel. História do Espiritismo. FEB.
- DENIS, Léon. Depois da Morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário