1.
Introdução
O diálogo entre diferentes vertentes
espiritualistas sempre levanta questões sobre o método, a autoridade das fontes
e a finalidade das mensagens transmitidas.
Nesse contexto, podemos observar dois polos:
- De um lado, a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec
(1804–1869), estruturada a partir de método investigativo, filosófico e
experimental, dando origem a um corpo sistematizado de princípios.
- De outro, as obras de Jan Val Ellam (pseudônimo de Rogério
de Almeida Freitas), escritor contemporâneo, que se apresenta como médium
e intérprete de mensagens espirituais com forte influência de temáticas
universalistas e ufológicas.
Embora ambos se refiram a valores cristãos e à
imortalidade da alma, os caminhos adotados são distintos e demandam análise
cuidadosa.
2. Método
de Revelação
- Kardec: aplicou um método criterioso de observação,
análise comparativa de comunicações e submissão das mensagens ao crivo da
razão e da universalidade do ensino dos Espíritos. O objetivo era distinguir
princípios universais de opiniões pessoais (O Livro dos Médiuns,
cap. III).
- Jan Val Ellam: utiliza mensagens canalizadas, em geral
apresentadas como instruções espirituais ou cósmicas de ordem imediata.
Não há a preocupação com a universalidade ou com a validação metodológica
entre grupos diferentes de médiuns, mas sim a transmissão de conteúdos
recebidos em sua própria mediunidade.
Comentário crítico:
Kardec advertia contra a aceitação de comunicações isoladas sem análise crítica
(Revista Espírita, jan. 1862). Nesse sentido, o método de Ellam
aproxima-se mais do espiritualismo intuitivo do que da ciência espírita.
3.
Estrutura das Obras
- Doutrina Espírita: organizada em cinco obras
básicas, formando um sistema coerente e progressivo. Cada livro tem função
específica: filosófica, científica, moral ou explicativa dos fenômenos.
- Jan Val Ellam: seus livros não pretendem constituir uma
codificação; apresentam reflexões e mensagens avulsas em tom narrativo ou
poético, com forte apelo à imaginação e à sensibilidade do leitor.
Diferença central:
Kardec buscou um corpo doutrinário, enquanto Ellam oferece fragmentos de
espiritualidade universalista.
4.
Linguagem e Estilo
- Kardec: clara, lógica, didática e fundamentada em
raciocínio filosófico. O Espiritismo foi concebido como “ciência de
observação e doutrina filosófica” (O que é o Espiritismo).
- Ellam: linguagem acessível, didática e reflexiva,
que combina elementos literários e simbólicos sem recorrer ao misticismo.
Sua postura lembra a de um professor que busca provocar raciocínio e
oferecer novos modos de compreender a espiritualidade, estimulando a
reflexão dos ouvintes e leitores.
5. Foco
Principal
- Kardec: explicação racional da vida espiritual, das
leis morais e do destino da alma. Ênfase no progresso moral e intelectual
como caminho evolutivo.
- Ellam: transmissão de mensagens de esperança,
incentivo ao amor, reflexões sobre cidadania planetária e abertura ao
diálogo com temas da ufologia e da cosmologia espiritual.
6.
Abordagem
- Espiritismo: racional e científico, baseando-se em provas,
experiências mediúnicas e controle universal do ensino.
- Ellam: intuitiva e inspirativa, com ênfase na
confiança do leitor e na sensibilidade espiritual.
7.
Público-Alvo
- Espiritismo: estudiosos da filosofia espiritual e pessoas
interessadas em compreender de modo sistematizado a vida após a morte, os
princípios morais e a relação entre ciência e espiritualidade.
- Ellam: leitores que buscam mensagens de conforto e
inspiração espiritual, sem necessidade de aderir a estudos doutrinários
rigorosos.
8.
Temáticas em Divergência
Um ponto particular merece destaque:
- Allan Kardec, na Revista Espírita, sempre se
manteve cauteloso diante de comunicações que traziam revelações cósmicas
ou predições grandiosas. Ele alertava contra o “maravilhoso exagerado” que
poderia comprometer a credibilidade da doutrina.
- Jan Val Ellam se aproxima desse gênero de mensagens,
incluindo conteúdos que dialogam com ufologia e contatos interplanetários,
extrapolando o campo do Espiritismo codificado.
9.
Convergências
Apesar das diferenças metodológicas e estruturais,
há convergências:
- Ambos reconhecem a imortalidade da alma.
- Ambos reforçam valores cristãos de amor, perdão e fraternidade.
- Ambos promovem uma visão espiritualista que busca transcender o
materialismo.
10.
Conclusão
O Espiritismo codificado por Allan Kardec permanece
como uma doutrina filosófico-moral estruturada e validada pelo critério da
universalidade e do exame racional.
As obras de Jan Val Ellam, por sua vez, situam-se
no campo do espiritualismo universalista contemporâneo, oferecendo mensagens de
cunho poético e intuitivo, sem a preocupação de sistematizar princípios gerais.
Nota adicional: o próprio Jan Val Ellam declara
publicamente admirar e homenagear a obra de Kardec — por exemplo, ao propor uma
“releitura” de O Livro dos Espíritos com o objetivo de “homenagear a
obra de Kardec e resgatar seus fundamentos originais”¹. Essa admiração não
elimina as diferenças metodológicas e de escopo apontadas, mas contextualiza
suas abordagens como tentativas de atualização/diálogo com a codificação, a
partir de outra chave interpretativa.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 1865.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
- ELLAM, Jan Val. Obras diversas. Natal: Edição do autor.
¹ Declaração de Jan Val Ellam no anúncio do curso Releitura
do Livro dos Espíritos, com o objetivo de “homenagear a obra de Kardec e
resgatar os seus fundamentos originais”. Fonte: site oficial de Jan Val Ellam
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