quarta-feira, 20 de agosto de 2025

JAN VAL ELLAM E A DOUTRINA ESPÍRITA
CODIFICADA POR ALLAN KARDEC
UM ESTUDO COMPARATIVO
- A Era do Espírito -

1. Introdução

O diálogo entre diferentes vertentes espiritualistas sempre levanta questões sobre o método, a autoridade das fontes e a finalidade das mensagens transmitidas.

Nesse contexto, podemos observar dois polos:

  • De um lado, a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec (1804–1869), estruturada a partir de método investigativo, filosófico e experimental, dando origem a um corpo sistematizado de princípios.
  • De outro, as obras de Jan Val Ellam (pseudônimo de Rogério de Almeida Freitas), escritor contemporâneo, que se apresenta como médium e intérprete de mensagens espirituais com forte influência de temáticas universalistas e ufológicas.

Embora ambos se refiram a valores cristãos e à imortalidade da alma, os caminhos adotados são distintos e demandam análise cuidadosa.

2. Método de Revelação

  • Kardec: aplicou um método criterioso de observação, análise comparativa de comunicações e submissão das mensagens ao crivo da razão e da universalidade do ensino dos Espíritos. O objetivo era distinguir princípios universais de opiniões pessoais (O Livro dos Médiuns, cap. III).
  • Jan Val Ellam: utiliza mensagens canalizadas, em geral apresentadas como instruções espirituais ou cósmicas de ordem imediata. Não há a preocupação com a universalidade ou com a validação metodológica entre grupos diferentes de médiuns, mas sim a transmissão de conteúdos recebidos em sua própria mediunidade.

Comentário crítico: Kardec advertia contra a aceitação de comunicações isoladas sem análise crítica (Revista Espírita, jan. 1862). Nesse sentido, o método de Ellam aproxima-se mais do espiritualismo intuitivo do que da ciência espírita.

3. Estrutura das Obras

  • Doutrina Espírita: organizada em cinco obras básicas, formando um sistema coerente e progressivo. Cada livro tem função específica: filosófica, científica, moral ou explicativa dos fenômenos.
  • Jan Val Ellam: seus livros não pretendem constituir uma codificação; apresentam reflexões e mensagens avulsas em tom narrativo ou poético, com forte apelo à imaginação e à sensibilidade do leitor.

Diferença central: Kardec buscou um corpo doutrinário, enquanto Ellam oferece fragmentos de espiritualidade universalista.

4. Linguagem e Estilo

  • Kardec: clara, lógica, didática e fundamentada em raciocínio filosófico. O Espiritismo foi concebido como “ciência de observação e doutrina filosófica” (O que é o Espiritismo).
  • Ellam: linguagem acessível, didática e reflexiva, que combina elementos literários e simbólicos sem recorrer ao misticismo. Sua postura lembra a de um professor que busca provocar raciocínio e oferecer novos modos de compreender a espiritualidade, estimulando a reflexão dos ouvintes e leitores.

5. Foco Principal

  • Kardec: explicação racional da vida espiritual, das leis morais e do destino da alma. Ênfase no progresso moral e intelectual como caminho evolutivo.
  • Ellam: transmissão de mensagens de esperança, incentivo ao amor, reflexões sobre cidadania planetária e abertura ao diálogo com temas da ufologia e da cosmologia espiritual.

6. Abordagem

  • Espiritismo: racional e científico, baseando-se em provas, experiências mediúnicas e controle universal do ensino.
  • Ellam: intuitiva e inspirativa, com ênfase na confiança do leitor e na sensibilidade espiritual.

7. Público-Alvo

  • Espiritismo: estudiosos da filosofia espiritual e pessoas interessadas em compreender de modo sistematizado a vida após a morte, os princípios morais e a relação entre ciência e espiritualidade.
  • Ellam: leitores que buscam mensagens de conforto e inspiração espiritual, sem necessidade de aderir a estudos doutrinários rigorosos.

8. Temáticas em Divergência

Um ponto particular merece destaque:

  • Allan Kardec, na Revista Espírita, sempre se manteve cauteloso diante de comunicações que traziam revelações cósmicas ou predições grandiosas. Ele alertava contra o “maravilhoso exagerado” que poderia comprometer a credibilidade da doutrina.
  • Jan Val Ellam se aproxima desse gênero de mensagens, incluindo conteúdos que dialogam com ufologia e contatos interplanetários, extrapolando o campo do Espiritismo codificado.

9. Convergências

Apesar das diferenças metodológicas e estruturais, há convergências:

  • Ambos reconhecem a imortalidade da alma.
  • Ambos reforçam valores cristãos de amor, perdão e fraternidade.
  • Ambos promovem uma visão espiritualista que busca transcender o materialismo.

10. Conclusão

O Espiritismo codificado por Allan Kardec permanece como uma doutrina filosófico-moral estruturada e validada pelo critério da universalidade e do exame racional.

As obras de Jan Val Ellam, por sua vez, situam-se no campo do espiritualismo universalista contemporâneo, oferecendo mensagens de cunho poético e intuitivo, sem a preocupação de sistematizar princípios gerais.

Nota adicional: o próprio Jan Val Ellam declara publicamente admirar e homenagear a obra de Kardec — por exemplo, ao propor uma “releitura” de O Livro dos Espíritos com o objetivo de “homenagear a obra de Kardec e resgatar seus fundamentos originais”¹. Essa admiração não elimina as diferenças metodológicas e de escopo apontadas, mas contextualiza suas abordagens como tentativas de atualização/diálogo com a codificação, a partir de outra chave interpretativa.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 1865.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • ELLAM, Jan Val. Obras diversas. Natal: Edição do autor.

¹ Declaração de Jan Val Ellam no anúncio do curso Releitura do Livro dos Espíritos, com o objetivo de “homenagear a obra de Kardec e resgatar os seus fundamentos originais”. Fonte: site oficial de Jan Val Ellam

 

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