Introdução
A busca por compreender os fenômenos que
transcendem a percepção comum acompanha a humanidade desde a Antiguidade. No
entanto, foi a partir do século XIX que tais manifestações passaram a ser
objeto de estudos sistemáticos, ganhando espaço entre cientistas e filósofos.
Nesse cenário, destacam-se três nomes fundamentais que deram corpo a correntes
distintas de investigação:
- Allan Kardec (1804-1869), pedagogo francês,
codificou o Espiritismo a
partir de 1857, estabelecendo uma doutrina filosófica que alia ciência,
filosofia e moral, tendo como base o estudo metódico das manifestações dos
Espíritos. Seu trabalho inaugurou uma nova era de reflexão sobre a
natureza espiritual do ser humano.
- Charles Richet (1850-1935), médico e fisiologista
francês, prêmio Nobel de Medicina em 1913, cunhou o termo Metapsíquica
para designar o estudo dos fenômenos psíquicos extraordinários. Embora
reconhecesse a realidade dos fatos, Richet evitava a hipótese
espiritualista, preferindo explicações vinculadas a faculdades ainda
desconhecidas do homem.
- Joseph Banks Rhine (1895-1980), biólogo norte-americano, é
considerado o fundador da Parapsicologia moderna. Atuando na
Universidade de Duke, desenvolveu pesquisas em condições laboratoriais,
empregando métodos estatísticos para investigar a percepção
extra-sensorial e a psicocinesia. Sua proposta buscava dar à investigação
dos fenômenos paranormais um caráter acadêmico e científico.
Esses três marcos — Kardec, Richet e Rhine —
representam diferentes caminhos na tentativa de compreender os mesmos
fenômenos. Enquanto o Espiritismo oferece uma explicação espiritualista e
filosófica, a Metapsíquica e a Parapsicologia se restringiram a abordagens experimentais
e reducionistas, sem abarcar toda a complexidade do problema.
1.
Contextualização das três correntes
Desde o século XIX, os fenômenos mediúnicos e
psíquicos despertam a atenção de pesquisadores e pensadores. Três grandes
correntes se destacam nesse campo:
- Espiritismo, codificado por Allan Kardec (1857), que
interpreta tais fenômenos como manifestações da alma e dos Espíritos
desencarnados.
- Metapsíquica, criada por Charles Richet (final do século
XIX – início do XX), que buscava estudar de forma científica os fenômenos
anômalos sem recorrer à hipótese espiritualista.
- Parapsicologia, surgida na primeira metade do século XX,
especialmente com Joseph Rhine, que se propôs a investigar tais fenômenos
por meio de métodos estatísticos e laboratoriais, adotando uma postura
mais psicológica e cética em relação às explicações espiritualistas.
2.
Metapsíquica
- Origem: Termo proposto por Charles Richet (Prêmio
Nobel de Medicina, 1913).
- Objetivo: Estudo científico dos fenômenos psíquicos
extraordinários, mas sem admitir a hipótese espírita.
- Postura: Richet reconhecia a existência de fenômenos
como telepatia, clarividência e materializações, mas os atribuía a
faculdades desconhecidas do ser humano, e não à intervenção dos Espíritos.
- Característica central: Buscava permanecer no campo
científico, mas ainda fortemente influenciada pelas experiências
mediúnicas do século XIX.
- Limite: Não conseguiu dar explicações coerentes e
duradouras para todos os fenômenos, sobretudo os de efeito inteligente,
onde a hipótese espiritual se mostra mais consistente.
3.
Parapsicologia
- Origem: Desenvolveu-se a partir das pesquisas de
Joseph B. Rhine (década de 1930), na Universidade de Duke (EUA).
- Objetivo: Estudar fenômenos paranormais (ESP –
percepção extra-sensorial, PK – psicocinesia) em condições controladas de
laboratório.
- Método: Uso de experimentos estatísticos (ex.: cartas
Zener, lançamentos de dados) para verificar se há resultados além do
acaso.
- Postura: Evita explicações espiritualistas. Interpreta
os fenômenos como capacidades da mente humana, em grande parte
desconhecidas.
- Característica central: Busca a validação
científica e aceitação acadêmica, mas, ao mesmo tempo, sofre críticas pela
dificuldade de reproduzir os fenômenos de forma controlada.
- Limite: Muitos fenômenos mediúnicos, especialmente os
que envolvem comunicações inteligentes e conteúdos desconhecidos do
médium, não se explicam apenas por faculdades parapsicológicas.
4.
Espiritismo
- Origem: Codificado por Allan Kardec a partir de 1857,
com base no estudo metódico das manifestações espirituais.
- Objetivo: Explicar a natureza, origem e destino dos
Espíritos, bem como sua relação com o mundo corporal.
- Método: O método espírita, formulado por Kardec, alia
observação dos fatos, comparação, controle universal das comunicações e
análise racional.
- Postura: Reconhece a existência de fenômenos anímicos
(da alma encarnada), mas distingue-os dos verdadeiros fenômenos espíritas,
que envolvem inteligências desencarnadas.
- Característica central: Explica os fenômenos como
provas da sobrevivência da alma e da comunicabilidade dos Espíritos.
- Abrangência: Vai além da investigação dos fenômenos,
constituindo uma filosofia espiritualista com consequências morais.
5. Pontos
de Contato
- Todas as três correntes reconhecem a existência de fenômenos
extraordinários, que desafiam as explicações tradicionais da ciência
materialista.
- Todas defendem, em maior ou menor grau, a necessidade de estudo
sério e sistemático desses fatos.
- Metapsíquica e Parapsicologia se dedicaram a validar e entender
fenômenos que o Espiritismo já estudava no século XIX.
6.
Diferenças Fundamentais
Apesar de abordarem objetos semelhantes,
Metapsíquica, Parapsicologia e Espiritismo diferem em vários pontos essenciais:
- Origem: A Metapsíquica surgiu com Charles Richet no
final do século XIX; a Parapsicologia consolidou-se com Joseph Rhine nos
anos 1930; o Espiritismo antecede ambas, codificado por Allan Kardec em
1857.
- Objeto de estudo: A Metapsíquica buscava
compreender os fenômenos psíquicos além da física tradicional; a
Parapsicologia concentrou-se em fenômenos específicos, como a percepção
extra-sensorial e a psicocinesia; o Espiritismo trata das manifestações
dos Espíritos e da sobrevivência da alma.
- Hipótese central: Para a Metapsíquica, os
fenômenos decorrem de faculdades humanas desconhecidas; para a
Parapsicologia, são potenciais ainda não explicados da mente; para o
Espiritismo, resultam da interação entre encarnados e desencarnados.
- Método: A Metapsíquica apoiava-se na observação
experimental, ainda restrita; a Parapsicologia utilizou métodos
estatísticos e de laboratório; o Espiritismo aplicou um método próprio,
que inclui a comparação dos fatos, a crítica das comunicações e o controle
universal dos ensinos dos Espíritos.
- Limitações: A Metapsíquica e a Parapsicologia não
conseguem explicar satisfatoriamente os fenômenos de caráter inteligente,
sobretudo as comunicações com conteúdos além do conhecimento do médium. O
Espiritismo, por sua vez, amplia a análise, oferecendo também uma
interpretação filosófica e moral.
- Abrangência: Metapsíquica e Parapsicologia permaneceram no
campo experimental; o Espiritismo integra ciência, filosofia e moral,
proporcionando uma visão mais ampla do ser humano e de sua destinação
espiritual.
7.
Conclusão
A Metapsíquica e a Parapsicologia representaram
importantes tentativas da ciência em se aproximar do estudo dos fenômenos
anômalos. Ambas, contudo, mantiveram-se presas a uma visão reducionista,
limitando-se à hipótese anímica e evitando a aceitação da realidade espiritual.
O Espiritismo, ao contrário, encara o fenômeno em
toda a sua amplitude, reconhecendo tanto a participação da alma encarnada
quanto a ação de inteligências desencarnadas. Seu valor não está apenas em
explicar o fenômeno, mas em extrair dele consequências filosóficas e morais
para a vida humana.
Assim, podemos dizer que:
- A Metapsíquica foi um estágio de transição entre a
curiosidade científica e a sistematização espírita.
- A Parapsicologia é um esforço de validação acadêmica, mas
ainda insuficiente para abranger o fenômeno espiritual.
- O Espiritismo oferece a explicação mais abrangente, pois
integra ciência, filosofia e moral, respondendo ao mesmo tempo ao “como” e
ao “para quê” dos fenômenos.
Referências
Sobre o
Espiritismo
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857. Traduções
modernas: FEB, IDE, LAKE, entre outras.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1ª ed. 1861. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1ª ed. 1868. FEB.
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 1ª ed. 1859. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos
volumes.
Sobre a
Metapsíquica
- RICHET, Charles. Traité de Métapsychique. Paris: Félix
Alcan, 1922.
- RICHET, Charles. Thirty Years of Psychical Research. New
York: Macmillan, 1923.
- RICHET, Charles. La Grande Espérance. Paris: Albin Michel,
1933.
Sobre a
Parapsicologia
- RHINE, Joseph B. Extra-Sensory Perception. Boston: Boston
Society for Psychic Research, 1934.
- RHINE, Joseph B. New Frontiers of the Mind. New York: Farrar
& Rinehart, 1937.
- RHINE, Joseph B.; PRATT, J. G. Parapsychology: Frontier Science
of the Mind. Springfield: Charles C. Thomas, 1957.
- PRATT, J. Gaither et al. ESP Research Today: A Study of
Developments in Parapsychology Since 1960. Metuchen, N.J.: Scarecrow
Press, 1977.
Estudos
Complementares
- BASTOS, José Herculano Pires. Parapsicologia Hoje e Amanhã.
São Paulo: Paidéia, 1970.
- AMIET, André. História da Metapsíquica. Lisboa: Editorial
Estampa, 1977.
- GAULD, Alan. A History of the Society for Psychical Research.
London: Macmillan, 1968.
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