sábado, 30 de agosto de 2025

O ESPIRITISMO E O SENTIDO FILOSÓFICO DE RELIGIÃO
- A Era do Espírito -

Introdução

A palavra religião vem do latim religio, religionis, originalmente associada ao respeito, reverência ou devoção ao sagrado. Sua etimologia é objeto de debate entre os estudiosos: para alguns, relaciona-se a relegere (“ler novamente”), sugerindo uma releitura constante dos textos sagrados; para outros, a religare (“ligar novamente”), apontando para a reconexão do ser humano com o divino.

No mundo antigo, religio designava principalmente o respeito às leis sagradas, a observância dos ritos e o sentimento de reverência diante do sagrado. No entanto, com o tempo, o termo se expandiu para significar a ligação entre a humanidade e Deus, muitas vezes assumindo contornos institucionais, dogmáticos e ritualísticos.

É nesse contexto que surge a questão: em que sentido o Espiritismo pode ser chamado de religião? Para responder, é necessário recorrer ao pensamento de Allan Kardec, presente em suas obras fundamentais e na Revista Espírita, onde ele distingue claramente entre religião dogmática e religião filosófica e moral.

1. A palavra religião e seus sentidos históricos

A análise etimológica mostra que “religião” pode ser compreendida de diferentes maneiras:

  • Relegere (ler novamente): associa o termo ao ato de reler e interpretar os textos sagrados com atenção, garantindo a prática correta dos rituais.
  • Religare (ligar novamente): aponta para a ideia de reconexão entre o ser humano e o divino, fortalecendo o vínculo espiritual.
  • Respeito e reverência: no latim clássico, religio era sobretudo respeito, devoção e consciência moral diante do sagrado.
  • Serviço divino: em alguns contextos, indicava a prática dos cultos e cerimônias em honra aos deuses.

Assim, desde sua origem, a palavra oscilou entre uma conotação moral (respeito, reverência) e outra ritualística (culto, observância formal).

2. A posição de Allan Kardec

Allan Kardec abordou diversas vezes a questão de chamar ou não o Espiritismo de religião.

  • Em O que é o Espiritismo (1859), afirmou que o Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, e não uma religião no sentido comum.
  • Em O Livro dos Espíritos (1857), ao tratar da lei divina, destacou que a verdadeira religião está no cumprimento da lei de Deus gravada na consciência, e não em formas exteriores (LE, questões 614 a 625).
  • Em O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), deixou claro que a essência da religião está no amor a Deus e ao próximo, sintetizada no ensino de Jesus: “Fora da caridade não há salvação”.
  • Em A Gênese (1868), reafirmou que a missão do Espiritismo é conciliar a ciência e a religião, restituindo à fé sua base racional.
  • Em Obras Póstumas (1890), foi ainda mais enfático: o Espiritismo não vem destruir religiões, mas dar-lhes a prova objetiva das verdades espirituais.

Na Revista Espírita, especialmente nos anos de 1859, 1864 e 1868, Kardec insistiu que o Espiritismo não deve ser confundido com uma religião organizada, pois não possui sacerdotes, rituais ou dogmas, mas pode ser considerado religião no sentido filosófico de laço moral e espiritual que liga a criatura ao Criador.

3. Religião no sentido filosófico e moral

Ao aplicarmos a palavra religião ao Espiritismo, é preciso compreender o termo em seu sentido filosófico e moral, e não no vulgar. Nesse sentido, podemos destacar:

  • Laço de conexão: o Espiritismo é religião porque religa o ser humano a Deus por meio da consciência moral e do amor ao próximo.
  • Laço moral e espiritual: promove fraternidade e caridade como princípios universais.
  • Não dogmático: não impõe verdades de fé inquestionáveis; estimula o uso da razão e da liberdade de consciência.
  • Foco na moral: o essencial não são ritos, mas a vivência do Evangelho de Jesus em sua pureza original.

Kardec resumiu essa posição em célebre passagem da Revista Espírita (dezembro de 1868):

“Se nos perguntam se o Espiritismo é uma religião, responderemos: sim, sem dúvida; no sentido filosófico, e não no sentido usual da palavra. [...] O Espiritismo é uma religião, mas religião sem sacerdotes, sem templos, sem cultos exteriores, que não se apoia em nenhum dogma particular.”

4. O que diferencia o Espiritismo das religiões convencionais

  • Ausência de dogmas: a Doutrina Espírita se fundamenta na razão e na experiência, não em artigos de fé impostos.
  • Triplo aspecto: ciência, filosofia e moral (religião no sentido amplo).
  • Não é culto: o Espiritismo não possui liturgias, ritos ou organizações hierárquicas típicas das religiões.
  • Universalismo moral: sua essência está na prática da caridade e na busca pelo progresso espiritual.

Conclusão

O estudo da palavra religião revela que seu significado é amplo, podendo remeter tanto ao culto ritualístico quanto ao laço moral e espiritual que liga o homem a Deus. Nesse segundo sentido, o Espiritismo é uma religião: não de formas exteriores, mas de sentimentos e princípios universais.

Para Allan Kardec, a verdadeira religião está na vivência da lei de amor e caridade, não em dogmas ou cerimônias. Por isso, o Espiritismo é religião no sentido filosófico e moral, capaz de religar o homem ao Criador pela via da razão, da fraternidade e da evolução espiritual.

Referências

KARDEC, Allan.

  • O Livro dos Espíritos. 1857.
  • O Livro dos Médiuns. 1861.
  • O que é o Espiritismo. 1859.
  • O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • A Gênese. 1868.
  • Obras Póstumas. 1890.
  • Revista Espírita (1858-1869).

Estudos complementares:

  • RIZZINI, Carlos Imbassahy. O Espiritismo e as Religiões. FEB, 1975.
  • PIRES, José Herculano. Curso Dinâmico de Espiritismo. Paidéia, 1979.
  • WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: O Educador e o Codificador. FEB, 1979.

 

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