Introdução
O Evangelho segundo Mateus apresenta Jesus vindo
questionado sobre o maior mandamento da Lei (Mt 22:34–40), ao qual respondeu
que se resumem em dois preceitos fundamentais: amar a Deus de todo o
coração, alma e entendimento e amar o próximo como a si mesmo. Esses
mandamentos, segundo Jesus, sintetizam toda a Lei e os Profetas. Tal afirmação
revela a supremacia moral e abrangência espiritual desses princípios,
elevando-os a leis universais e eternas.
Neste contexto, Allan Kardec, em O Evangelho
segundo o Espiritismo, reafirma que Moisés apresentou duas espécies de
leis: a divina (os Dez Mandamentos) e a humana (medidas temporárias e
adaptativas). Jesus, ao sintetizar os mandamentos em amor, validou a lei divina
essencial e pôs em xeque as normas humanas limitativas — "olho por
olho", apedrejamento, etc. — mostrando a evolução moral indispensável à
humanidade.
Analisaremos esse tema à luz da Doutrina Espírita,
enfocando a fé raciocinada como fundamento da fé verdadeira, superando a
fé cega e sustentando uma espiritualidade racional alinhada ao amor divino.
1. As
Duas Leis: Divina e Humana
Kardec explica que, ao revelar a Lei divina, Moisés
apresentou também normas humanas, muitas delas reflexo das limitações morais e
espirituais de seu povo. Essas leis humanas eram temporárias e serviam como
“freios”, até que o entendimento espiritual evoluísse. Nesse sentido, a Lei de
"olho por olho" exemplifica essa limitação.
Jesus, o Espírito mais perfeito, redime essa
situação ao resumir os dez mandamentos no duplo mandamento do amor, tornando-os
mais acessíveis e abrangentes. Aí reside a inovação moral: o amor universal
supera o rigor legal, e a justiça suprema é aquela que brota da compaixão, não
da retaliação.
2. Fé
Raciocinada: O Alicerce da Espiritualidade Espírita
O que é e por que é central
A expressão “fé raciocinada”,
cunhada por Allan Kardec, traduz a ideia de que a verdadeira fé deve caminhar
em harmonia com a razão, apoiando-se em evidências, lógica e compreensão.
Diferentemente da fé cega, que se submete a crenças sem análise, a fé
raciocinada nasce da convicção íntima iluminada pelo entendimento.
Kardec explica que a fé, quando
esclarecida, não deixa espaço para a obscuridade ou para a dúvida
paralisante: a criatura crê porque compreende, e sente em si mesma a
segurança íntima que sustenta sua confiança. Assim, a fé não se abala diante de
crises ou questionamentos, pois se ergue sobre bases sólidas e permanentes.
Esse tipo de fé rejeita o
fanatismo e o dogmatismo, porque não teme a investigação e não se fecha ao
diálogo. Pelo contrário, estimula o estudo, a reflexão e o livre-pensar,
favorecendo o progresso espiritual e moral do ser humano. É por isso que a fé
raciocinada constitui um dos pilares da Doutrina Espírita, servindo como
guia seguro para a compreensão das Leis Divinas e para a vivência do Evangelho
em sua pureza.
Dimensões da fé segundo Kardec
No capítulo XIX de O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec diferencia três aspectos da fé:
- Fé como crença — convicções ainda não evidenciadas pela ciência, como a imortalidade da alma. Pode ser raciocinada ou cega.
- Fé como confiança — confiança serena e racional no futuro, sustentada no entendimento e na certeza moral.
- Fé como determinação — força interior e vontade firme. Também aqui a fé raciocinada é valorizada.
3. Fé
Raciocinada x Fé Cega
A fé cega é aquela que aceita sem
questionar, apoiando-se apenas na autoridade ou no hábito. Por isso, torna-se
frágil diante da razão, favorece o fanatismo e fecha as portas ao progresso
espiritual. É uma fé vulnerável, porque não se sustenta no conhecimento nem na
análise crítica.
Em contraposição, a fé raciocinada, conforme
ensina Allan Kardec, é a única verdadeiramente inabalável, pois sabe enfrentar
a razão em todas as épocas da humanidade. Longe de temer a investigação, ela se
fortalece com o exame atento, porque repousa na lógica, na experiência e na
compreensão das leis divinas.
O Espiritismo se apresenta, nesse sentido, como a doutrina
da compreensão e da clareza moral, que busca a harmonia entre ciência,
filosofia e moralidade cristã. Essa tríplice base reforça uma espiritualidade
lúcida, sustentada pelo estudo, pela análise das evidências e pela vivência dos
princípios morais ensinados por Jesus.
4.
Aplicando o Amor e a Razão: Caminho para a Regeneração
As religiões tradicionais que mantêm práticas
retrógradas (como condenar o Espiritismo com base em proibições da comunicação
com os mortos) utilizam legislações humanas que já foram superadas pela
compreensão evangélica. Jesus, ao dialogar com Elias e Moisés no Tabor,
simbolizou a superação dessas limitações, reforçando o primado da lei
espiritual do amor sobre as leis humanas mortificantes.
O Espiritismo convida à transição da fé cega e
ritualística para a fé baseada na razão e na experiência moral. Essa
transformação é essencial para a construção do mundo de regeneração, o mundo
novo do terceiro milênio.
Conclusão
- Jesus reformulou a Lei divina, reafirmando o amor universal como essência de todas as normas morais.
- Allan Kardec identificou a lei humana como instrumento temporário de contenção, agora superado pelo entendimento espiritual.
- A fé raciocinada constitui o alicerce do Espiritismo: uma fé que crê porque compreende, que resiste às crises e se fundamenta na lógica, na experiência e no amor.
- Adaptar-se ao novo tempo requer abandonarmos a fé cega e integrarmos a espiritualidade ao raciocínio moral e intelectual.
- A regeneração individual e coletiva passa por essa elevação de consciência — amando com discernimento e vivendo com compreensão.
Referências
- Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
- Allan Kardec. O Livro dos Espíritos.
- Allan Kardec. O Livro dos Médiuns.
- Allan Kardec. O Céu e o Inferno.
- Allan Kardec. A Gênese.
- Allan Kardec. Obras Póstumas.
- Allan Kardec. Revista Espírita (1858–1869).
- Feig – “Fé raciocinada, conquista do Espírito”.
- Libertário Espírita – “Princípios Básicos do Espiritismo – Fé
Raciocinada”.
- Jornal O Consolador – “A fé segundo Allan Kardec”.
- Portal do Espírito – “A Razão na Fé Espírita”.
- Jornal do Povo – “Tríplice aspecto da Doutrina Espírita e a fé
raciocinada”.
- Wikipedia: Espiritismo, Obras básicas do Espiritismo,
O Livro dos Espíritos, Revue Spirite.
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