quarta-feira, 20 de agosto de 2025

RAMATIS E A DOUTRINA ESPÍRITA:
UM ESTUDO COMPARATIVO
- A Era do Espírito -

1. Introdução

Ramatis é uma figura espiritual que se apresenta como instrutor, cujas mensagens foram psicografadas por médiuns brasileiros, especialmente Hercílio Maes e Norberto Peixoto. Seus escritos abrangem desde temas ligados à Umbanda até questões cosmológicas e profecias sobre transformações planetárias.

Entretanto, sua obra é motivo de controvérsia no movimento espírita, pois muitos de seus ensinos destoam dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir do ensino coletivo e universal dos Espíritos.

2. Quem é Ramatis?

  • Origem atribuída: Espírito que teria vivido no século X, na região da Indochina, ligado a tradições orientais.
  • Médiuns principais: Hercílio Maes (1913-1993) e Norberto Peixoto.
  • Linhas de pensamento: Síntese entre filosofia oriental, cristianismo e elementos esotéricos.
  • Obras mais conhecidas: Fisiologia da Alma, Mensagens do Astral, Magia de Redenção, Mediunidade de Cura, O Objetivo Cósmico da Umbanda, entre outras.
  • Temas recorrentes: reencarnação, mediunidade, Umbanda, astrologia, profecias sobre “fim dos tempos” e civilizações extraterrestres.

3. A Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec

  • Origem: Conjunto de ensinos dos Espíritos Superiores, sistematizado e organizado por Allan Kardec (1804-1869).
  • Obras fundamentais: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868).
  • Critério de autenticidade: Universalidade do ensino dos Espíritos (concordância dos ensinos mediúnicos obtidos em diferentes lugares e médiuns sérios, sob direção dos Espíritos superiores).
  • Objetivo central: Estudo das leis morais, espirituais e naturais, visando ao progresso moral e intelectual da humanidade.
  • Revista Espírita (1858-1869): Laboratório experimental da Doutrina, em que Kardec submetia comunicações espirituais ao crivo da razão, da lógica e do controle universal.

4. Pontos de Convergência

Apesar das diferenças, algumas ideias de Ramatis dialogam com a Doutrina Espírita:

  • Imortalidade da alma: Ambos afirmam a sobrevivência após a morte.
  • Reencarnação: Presente tanto na obra de Ramatis quanto no ensino dos Espíritos.
  • Lei de causa e efeito: A ideia de que colhemos o que semeamos está em Ramatis e na Doutrina Espírita.
  • Valorização do Evangelho de Jesus: Ramatis exalta o Cristo, embora sob uma perspectiva sincrética (Cristo cósmico, síntese Oriente-Ocidente).

5. Pontos de Divergência

5.1. Método e critério doutrinário

·         Doutrina Espírita: estabelece o princípio do Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Uma comunicação só era aceita quando confirmada de forma concorde e universal por diversos médiuns sérios e independentes.

·         Ramatis: suas mensagens derivam essencialmente de poucos médiuns, sem confirmação universal, o que abre margem a interpretações pessoais e à possibilidade de mistificação.

Revista Espírita, junho de 1859: Kardec adverte sobre a necessidade de comparar e analisar comunicações, pois “um espírito, por sábio que seja, não pode, sozinho, constituir uma doutrina”.

5.2. Ciência e cosmologia

·         Doutrina Espírita: postura prudente diante de hipóteses científicas. Recomenda não se adiantar ao conhecimento humano sem bases sólidas (A Gênese, cap. I).

·         Ramatis: afirmações polêmicas, como civilizações em Marte, previsões de catástrofes globais e transformações abruptas do planeta. Essas ideias carecem de comprovação científica e não encontram respaldo na codificação espírita.

5.3. Profecias e “fim dos tempos”

·         Doutrina Espírita: ensina que a Terra passa por uma transição lenta, moral e espiritual, rumo a um mundo de regeneração, sem catástrofes milagrosas ou destruições globais súbitas (A Gênese, cap. XVIII).

·         Ramatis: fala em acontecimentos apocalípticos (como deslocamento do eixo da Terra e hecatombes nucleares).

5.4. Umbanda e sincretismo religioso

·         Doutrina Espírita: não trata da Umbanda, já que esta surge no Brasil no início do século XX. O Espiritismo, conforme codificado, é laico, racional e sem vínculos com rituais.

·         Ramatis: dedica livros à Umbanda (O Objetivo Cósmico da Umbanda), valorizando-a como expressão legítima de religiosidade espiritual.

5.5. Linguagem e estilo

·         Doutrina Espírita: didática, racional, filosófica, científica.

·         Ramatis: poética, simbólica, muitas vezes esotérica, com termos de tradição oriental.

6. Críticas dentro do movimento espírita

  • Pseudo-sábio? Em alguns círculos espíritas, Ramatis é classificado como “espírito pseudo-sábio”, conforme advertência de O Livro dos Médiuns (cap. XXIV, item 267), onde Kardec explica que certos Espíritos, embora aparentem sabedoria, podem introduzir doutrinas pessoais, previsões duvidosas e linguagem de autoridade, desviando-se da simplicidade e da lógica que caracterizam os Espíritos verdadeiramente superiores.
  • Ausência de universalidade: A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec com base no ensino coletivo dos Espíritos, recomenda não se apoiar em comunicações isoladas como fundamento doutrinário, ainda que provenientes de entidades que se declarem elevadas. Somente a concordância universal, obtida por médiuns sérios e independentes em diversos lugares, pode conferir autenticidade e segurança a novos ensinos.

7. Conclusão

As obras atribuídas a Ramatis possuem valor literário e espiritual para muitos leitores, trazendo reflexões sobre evolução, ética e religiosidade. Contudo, não podem ser confundidas com a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, pois divergem em método, conteúdo e fundamentos.

Enquanto a Doutrina Espírita se apoia no critério da universalidade, da razão e da prudência científica, as mensagens de Ramatis se aproximam mais de uma corrente espiritualista sincrética, mesclando Espiritismo, esoterismo e tradições orientais.

Portanto, Ramatis deve ser lido e estudado como autor espiritual independente, e não como representante da Doutrina Espírita ou dos Espíritos.

8. Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos (1857).
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns (1861).
  • KARDEC, Allan. A Gênese (1868).
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
  • MAES, Hercílio. Fisiologia da Alma. Editora Freitas Bastos.
  • MAES, Hercílio. Mensagens do Astral.
  • PEIXOTO, Norberto. A Missão da Umbanda.
  • WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: Obras completas. FEB.

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