Introdução
A morte é, paradoxalmente, a maior certeza e o
maior tabu da humanidade. Desde as civilizações mais antigas, buscamos
compreender e, muitas vezes, adiar a reflexão sobre esse momento inevitável. A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma perspectiva
singular, afastando o temor irracional e iluminando a compreensão desse
fenômeno como simples transição da vida material para a vida espiritual. O
Espiritismo não apenas responde às questões fundamentais sobre o que acontece
após a morte, mas também orienta sobre como viver de modo que esse instante nos
encontre serenos, com a consciência tranquila.
A certeza
que nos une
Todas as formas de vida, dos mais simples vegetais
aos seres humanos, experimentam o ciclo do nascimento, desenvolvimento e morte.
O Livro dos Espíritos, nas questões 149 a 165, apresenta a morte não como
destruição, mas como retorno do Espírito ao mundo espiritual, sua verdadeira
pátria. Kardec observa que, para o sábio, a morte é libertação; para o
imprevidente, é motivo de susto e arrependimento.
Apesar dessa certeza universal, muitos evitam falar
ou pensar sobre a morte, como se o silêncio fosse capaz de mantê-la distante.
Essa recusa, porém, priva-nos de uma vida mais consciente e equilibrada.
Preparar-se
para viver… e para morrer
Elizabeth Kübler-Ross, ao estudar pacientes
terminais, constatou que a ausência de preparo para a morte traz sofrimento
acrescido: pendências emocionais, palavras não ditas, reconciliações adiadas. A
Doutrina Espírita concorda com essa visão prática e a amplia, mostrando que a
preparação para a morte é, na verdade, preparação para viver melhor.
O Espírito de Verdade, no Evangelho Segundo o
Espiritismo (cap. VI), convida-nos a aproveitar cada dia como oportunidade de
progresso e caridade, de modo que, ao deixar este mundo, possamos fazê-lo com a
consciência tranquila. Viver “como se não
houvesse amanhã” não é viver na pressa, mas na plenitude — com afeto,
gratidão e atos de amor.
Perdão e
reconciliação
O Espiritismo reforça que as mágoas e
ressentimentos são pesos que levamos para além do túmulo, dificultando a
libertação e a paz no plano espiritual. Kardec, na Revista Espírita de dezembro de 1861, relata comunicações de
Espíritos arrependidos por não terem se reconciliado em vida. Assim, o convite
é claro: perdoar agora, resolver agora, reconciliar agora. O tempo que temos é
o presente.
A morte
como reencontro
A Doutrina Espírita não vê a morte como separação
definitiva, mas como pausa temporária. Os laços de amor persistem, e a vida
espiritual nos aproxima novamente daqueles que amamos, quando o merecimento e a
lei divina assim permitem. Essa certeza consola e fortalece diante da partida
de entes queridos.
Viver com
a casa limpa e a mesa posta
O poema “Consoada”, de Manuel Bandeira, ilustra
poeticamente o ideal espírita: aguardar a “indesejada das gentes” com a casa em
ordem e o coração sereno. Para o Espírito, essa “casa limpa” é a consciência
livre de culpas graves, os deveres cumpridos, a vida marcada por mais sorrisos
do que lágrimas causadas.
Conclusão
Viver como se não houvesse amanhã, sob a luz do
Espiritismo, é assumir que a morte é apenas passagem. É cultivar desde já uma
vida de amor, perdão e serviço, para que, ao final, possamos dizer: “O meu dia foi bom, pode a noite descer”.
Quando a hora chegar, que possamos partir com a
alma leve e a certeza de que o amanhã, para o Espírito, nunca deixa de existir.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon
Ribeiro. 88. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2023. Questões 149-165.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução
de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB, 2023. Cap. VI.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos.
Dezembro de 1861.
- KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
- MOMENTO ESPÍRITA. Viver como se não houvesse amanhã.
Disponível em: momento.com.br.
- BANDEIRA, Manuel. Consoada. In: Poesias completas.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.
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