quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A LÓGICA DO PENSAMENTO
E A FÉ RACIONAL NO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito -

Introdução

A lógica é tradicionalmente entendida como a ciência do raciocínio. Aristóteles a classificava como ciência e arte; Voltaire, por sua vez, a chamava de “l’art de la raison juste” — a arte da razão justa. Ela busca estabelecer regras que permitam pensar corretamente e alcançar conclusões coerentes. Contudo, se a lógica é um recurso humano para analisar a realidade, é notável perceber que, diante dos mesmos fatos, diferentes pessoas podem chegar a conclusões opostas, sobretudo no campo religioso.

O presente artigo pretende refletir sobre a relação entre lógica, pensamento e fé à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec e da Revista Espírita (1858–1869), estabelecendo um diálogo entre filosofia, ciência e religião.

1. A diversidade do pensamento humano

O pensamento, enquanto processo de imaginar, refletir e concluir, deveria estar intimamente ligado à lógica. Entretanto, a experiência cotidiana mostra que pessoas distintas, diante de um mesmo fato, podem alcançar interpretações divergentes e até contraditórias.

No campo religioso, essa diversidade é ainda mais visível. Doutrinas que se afirmam cristãs, por exemplo, partem do mesmo texto — a Bíblia — mas chegam a interpretações e práticas diferentes, muitas vezes excludentes entre si. Essa multiplicidade desafia a lógica formal, demonstrando que o raciocínio humano não opera em um terreno neutro: é influenciado por crenças, valores, contextos históricos e psicológicos.

2. Filosofia, lógica e religião: a crítica de Voltaire

Voltaire, em suas Lettres Philosophiques, observou que, se todo pensamento fosse lógico, todos os homens chegariam à mesma conclusão e Deus seria único para todos. Sua ironia apontava o aparente divórcio entre razão e fé institucionalizada.

Na juventude, Voltaire foi ácido contra a Igreja e seus dogmas. Já na maturidade, suavizou seu tom e chegou a escrever versos exaltando a existência de Deus. Essa oscilação mostra que, embora a lógica busque a clareza e a coerência, o pensamento humano é permeado por experiências existenciais que ultrapassam a simples análise racional.

3. A lógica no Espiritismo: fé raciocinada

A Doutrina Espírita, conforme sistematizada por Allan Kardec, propõe justamente a conciliação entre lógica e fé. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o codificador apresenta a máxima:

“Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade.”

Aqui, a fé não é cega, mas raciocinada. A lógica do Espiritismo não é a do cálculo matemático, que sempre leva ao mesmo resultado, mas a lógica moral e filosófica que se sustenta na observação dos fatos e na análise das consequências.

Na Revista Espírita (1858–1869), Kardec frequentemente utilizava raciocínios lógicos para confrontar objeções, analisar comunicações mediúnicas e esclarecer pontos obscuros. Seu método consistia em comparar mensagens, aplicar critérios de universalidade e buscar a coerência com os princípios morais do Evangelho.

4. Limites da lógica humana e amplitude do pensamento espírita

A lógica formal e a lógica matemática são instrumentos valiosos, mas insuficientes para abarcar a totalidade da experiência humana. Questões espirituais, morais e existenciais exigem um outro tipo de raciocínio: a lógica moral, que leva em conta não apenas a estrutura do pensamento, mas as consequências éticas e espirituais das escolhas humanas.

No Espiritismo, a diversidade de opiniões humanas sobre Deus e o destino da alma não invalida a lógica, mas revela a necessidade do progresso. Cada Espírito, em seu grau evolutivo, apreende apenas uma parcela da verdade. Por isso, a unidade de pensamento não pode ser imposta por dogmas, mas alcançada gradualmente pelo amadurecimento espiritual e intelectual da humanidade.

5. Conclusão

Se Aristóteles via na lógica uma ciência e uma arte, e Voltaire a entendia como a “arte da razão justa”, o Espiritismo amplia essa visão, propondo uma fé que caminha lado a lado com a razão. A lógica humana, por si só, não resolve todos os dilemas religiosos, mas o exercício do pensamento claro e livre de preconceitos aproxima-nos de uma compreensão mais elevada da vida e de Deus.

No campo religioso, portanto, não basta crer; é preciso compreender. A lógica do pensamento, quando associada à moral e à espiritualidade, torna-se ferramenta essencial para a construção de uma fé lúcida, coerente e libertadora.

Referências

  • Aristóteles. Organon.
  • Voltaire. Lettres Philosophiques.
  • Descartes, René. Discurso do Método.
  • Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • Allan Kardec. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • Allan Kardec (dir.). Revista Espírita (1858–1869).
  • Carmen Imbassahy. “A Lógica do Pensamento”, artigo.

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