quinta-feira, 25 de setembro de 2025

SAÚDE, ESPIRITUALIDADE
E A QUESTÃO DA POSSESSÃO ESPIRITUAL
- A Era do Espírito -

Introdução

A frase provocativa — “Ouvir vozes e ver Espíritos não é motivo para tomar remédio de tarja preta pelo resto da vida” (*) — traduz um debate atual e necessário: a fronteira entre fenômenos espirituais e transtornos psíquicos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece o bem-estar espiritual como parte integrante da saúde desde 1998, ao lado dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Essa mudança aponta para a necessidade de compreender o ser humano em sua integralidade. Se há saúde espiritual, há também enfermidades da alma, e ignorar esse campo significa oferecer tratamentos incompletos.

Neste artigo, analisamos o tema à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, da Revista Espírita (1858–1869) e de obras complementares, em diálogo com os avanços médicos e psiquiátricos contemporâneos.

(*) Oliveira, S. F. de. Medicina reconhece a obsessão espiritual. USP.

1. O olhar da Medicina e da Psiquiatria

A Classificação Internacional de Doenças (CID-10), documento oficial da OMS, define os “estados de transe e possessão” (F44.3) como transtornos apenas quando involuntários e indesejados, excluindo os que fazem parte de práticas religiosas ou culturais. Assim, manifestações em contextos espiritualistas — como em centros espíritas ou cultos mediúnicos — não são consideradas patológicas pela Medicina.

Na psiquiatria, há distinção entre experiências espirituais normais e transtornos dissociativos graves. Enquanto as primeiras podem estar ligadas à mediunidade, as segundas associam-se geralmente a traumas, abusos ou sofrimento intenso. Essa diferenciação é essencial para evitar diagnósticos equivocados e tratamentos medicamentosos desnecessários.

2. A explicação espírita

Allan Kardec inicialmente afirmava que não havia possessão no sentido vulgar, apenas obsessão e subjugação. Porém, cinco anos depois, retificou sua posição, reconhecendo a possibilidade de verdadeira possessão, entendida como a substituição temporária e parcial de um Espírito desencarnado sobre um encarnado.

Segundo Kardec (Revista Espírita, 1863), esse processo é intermitente, pois nenhum Espírito pode ocupar definitivamente o corpo de outro — a ligação perispiritual só se dá na concepção.

A obsessão, por sua vez, ocorre quando o Espírito atua de fora, envolvendo o encarnado por meio de seu perispírito, podendo levá-lo à fascinação ou subjugação. Em ambos os casos, porém, o livre-arbítrio não se perde: sempre é possível resistir, desde que haja vontade firme e apoio espiritual adequado.

Hermínio C. Miranda, em estudos posteriores, aprofundou a explicação espírita, utilizando a metáfora do “condomínio espiritual”, na qual várias entidades disputam o mesmo organismo físico. Essa visão ajuda a compreender quadros que, do ponto de vista psiquiátrico, se aproximam da chamada múltipla personalidade.

3. A visão espírita e a saúde integral

A Doutrina Espírita considera a obsessão e a possessão como intercorrências espirituais que afetam corpo e mente, mas não como doenças em si. O tratamento, portanto, deve ocorrer em duas frentes:

  • Psiquiátrica, quando há sofrimento psíquico real, necessidade de medicação ou risco à vida do paciente.
  • Espírita, por meio da desobsessão, que consiste em diálogo fraterno com o Espírito comunicante, prece, evangelização e reforma íntima do obsidiado.

Nesse processo, não apenas o encarnado encontra libertação, mas também o desencarnado é convidado a rever seus sentimentos e renunciar a intenções de vingança ou domínio. Kardec chamou esse processo de “dupla cura”.

4. O desafio contemporâneo

Vivemos em um tempo em que a saúde mental se tornou prioridade global. O número de diagnósticos de depressão, ansiedade e transtornos dissociativos cresceu significativamente nas últimas décadas. No entanto, é preciso cuidado para não reduzir todas as experiências espirituais a quadros clínicos.

A inclusão do bem-estar espiritual pela OMS abre espaço para uma medicina mais integrativa, que dialogue com a religiosidade e a mediunidade sem preconceitos. Centros de pesquisa em espiritualidade e saúde, como os da USP e da Unifesp, já investigam cientificamente a influência da fé, da prece e das práticas espirituais na saúde integral.

Conclusão

A frase que inspirou este artigo resume bem a questão: nem todo fenômeno espiritual é sinal de doença mental. Reconhecer a diferença entre transtornos patológicos e manifestações espirituais é essencial para evitar tanto a medicalização desnecessária quanto a negligência terapêutica.

Para o Espiritismo, obsessão e possessão são desafios educativos da alma, que convidam à vigilância moral, ao fortalecimento da fé e ao exercício da caridade. Para a Medicina, cabe distinguir o que exige intervenção clínica do que pode ser considerado prática cultural ou religiosa.

No futuro, como previu Kardec, a ciência integrará o elemento espiritual em suas análises, ampliando horizontes e oferecendo tratamentos mais completos para o ser humano integral — corpo, mente e Espírito.

Referências

  • Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. FEB, ed. histórica.
  • Allan Kardec. O Livro dos Médiuns. FEB, ed. histórica.
  • Allan Kardec. A Gênese. FEB, ed. histórica.
  • Allan Kardec. Revista Espírita (1858–1869). FEB.
  • Hermínio C. Miranda. Diversidade dos Carismas. Lachâtre, 1994.
  • Hermínio C. Miranda. Condomínio Espiritual. Folha Espírita, 1993.
  • Francisco C. Xavier (André Luiz). Nos Domínios da Mediunidade. FEB, 2015.
  • Organização Mundial da Saúde. CID-10 – Classificação Internacional de Doenças.
  • American Psychiatric Association. DSM-5. Artmed, 2014.
  • Kaplan, H.; Sadock, B.; Grebb, J. Compêndio de Psiquiatria. Artmed.
  • Oliveira, S. F. de. Medicina reconhece a obsessão espiritual. USP.
  • Moreira, Fernando A., A Medicina Aceita A Possessão?, “Reformador” (FEB); junho 2016).

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