Introdução
Um dos
pontos fundamentais que distinguem a Doutrina Espírita das religiões
tradicionais é a necessidade da prática efetiva do bem como condição
para o progresso espiritual. Não basta ser bom em teoria ou pertencer a
determinado grupo religioso. Jesus foi explícito ao ensinar: “Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo” e, na parábola do Bom Samaritano, mostrou que a
verdadeira fé se traduz em ação.
Allan
Kardec, ao enunciar a máxima “fora da
caridade não há salvação”, colocou a caridade como lei universal e caminho
de renovação individual e coletiva. O Espiritismo, portanto, não convida ao
isolamento ou à fuga do mundo, mas à participação ativa na vida social,
transformando-nos enquanto transformamos o meio em que vivemos.
1. A Prática do Bem: uma Lei Divina
A
Doutrina Espírita ensina que o progresso espiritual decorre da vivência do
amor, que se concretiza em atitudes. Como lembrou Kardec, “o homem não é bom
apenas porque crê, mas porque faz o bem” (Revista Espírita, 1864).
Ao
contrário de tradições religiosas baseadas no retiro e na clausura, o
Espiritismo nos convida à convivência e à transformação pela experiência com o
próximo. É no contato humano que aprendemos a amar, a perdoar, a renunciar e a
servir. Não há modificação íntima sem prática do bem.
2. O Valor Pessoal da Caridade
Na
vida moderna, marcada por facilidades tecnológicas e pelo risco do
individualismo, é necessário recordar que a prática do bem não pode ser terceirizada.
A entrega anônima de donativos tem seu valor, mas perde parte de sua força
quando não envolve o contato direto, a escuta e a troca de afeto.
Jesus
nos ensinou: “Vai e faze tu o mesmo” (Lc 10:37), reforçando a
responsabilidade pessoal. André Luiz, em Nosso Lar, apresenta o conceito
do Bônus-Hora, em que o mérito da ação está na transformação
íntima de quem a pratica. O óbolo da viúva, elogiado por Jesus, mostra que a
matemática divina não mede a quantidade, mas a qualidade e a sinceridade do
gesto.
3. Do Individual ao Coletivo
Vivemos
em uma sociedade que alterna entre engajamento e retração. Na segunda metade do
século XX, movimentos sociais no Brasil estimularam iniciativas coletivas em
educação, saúde e meio ambiente, influenciando também o movimento espírita, que
multiplicou campanhas e caravanas de assistência.
Já nas
últimas décadas, o individualismo, potencializado pela tecnologia, trouxe o
risco do isolamento. Hoje é possível viver quase sem contato humano, o que se
reflete também na prática religiosa, muitas vezes reduzida a consumo de
romances ou busca de soluções mágicas para problemas individuais.
O
Espiritismo, porém, nos recorda que a felicidade não pode ser egoísta. Kardec
afirmou: “A felicidade na Terra é relativa” (O Livro dos Espíritos,
q. 920). Ela não está em bens materiais ou em conquistas externas, mas no
esforço por construir um mundo melhor, no qual todos possam participar da
alegria.
4. O Paradigma da Interdependência
A
visão espiritual amplia nossa compreensão da vida. O paradigma holístico nos
mostra que tudo está interligado: nossas ações repercutem no coletivo e no
planeta. Emmanuel afirma em A Caminho da Luz:
“Mas é chegado o tempo
de um reajustamento de todos os valores humanos (...), conduzindo-os para o bem
de toda a humanidade.”
Assim,
a prática do bem não se limita ao auxílio individual, mas alcança também a
natureza e a sociedade. Somos co-criadores com Deus e responsáveis pelo
equilíbrio da Terra.
5. A Casa Espírita como Oficina do Bem
A casa
espírita deve ser espaço de estudo, mas também de trabalho organizado no bem. A
disciplina, lembra Kardec, precede a espontaneidade. É pelo esforço coletivo,
planejado e perseverante, que o coração aprende a servir.
Na
formação das novas gerações, é essencial despertar desde cedo a alegria de
servir. A juventude espírita deve ser preparada para assumir tarefas,
compreendendo que a prática do bem é o verdadeiro caminho de crescimento.
Conclusão
O
Espírito de Verdade resumiu a essência do Espiritismo em dois mandamentos: “Espíritas,
amai-vos, eis o primeiro; instruí-vos, eis o segundo” (O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap. VI, item 5).
Amar
não é verbo intransitivo. É no convívio diário, no enfrentamento das
dificuldades sociais, familiares e coletivas que descobrimos quem somos e
quanto ainda precisamos progredir. Não existem fórmulas mágicas para a
felicidade ou para a evolução. Há, sim, a prática perseverante do bem, que nos
transforma e transforma o mundo.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris, 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Paris, 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869). Diversos artigos.
- XAVIER, Francisco
Cândido. A Caminho da Luz, pelo Espírito Emmanuel. FEB.
- XAVIER, Francisco
Cândido. Nosso Lar, pelo Espírito André Luiz. FEB.
- BRAGA, Marcus
Vinícius de Azevedo. Alegria de Servir. FEB, 2001.
- CARDOSO, Clodoaldo
Meneguello. A Canção da Inteireza. São Paulo: Summus, 1995.
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