Introdução
No
século XIX, a Europa vivia uma efervescência intelectual marcada pelo avanço
das ciências naturais, pelas transformações sociais e pelo surgimento de novos
paradigmas filosóficos. Nesse cenário, um fenômeno aparentemente trivial —
mesas que giravam em salões, para espanto ou diversão dos curiosos —
tornaria-se o ponto de partida de uma das maiores revoluções espirituais da
humanidade: o Espiritismo.
Allan
Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail), pedagogo renomado e discípulo de
Pestalozzi, foi convidado a observar tais fenômenos em 1854. Inicialmente
cético, submeteu-os à análise metódica e experimental, reconhecendo, mais
tarde, que estava diante de uma chave capaz de explicar “o problema obscuro e
controvertido do passado e do futuro da humanidade”. A partir das mesas
girantes e da cesta-escrevente, nasceu a Codificação Espírita, que, sob a
inspiração do Espírito da Verdade e de seus auxiliares e colaboradores, daria
ao mundo uma síntese inédita entre ciência, filosofia e moral.
1. As Mesas Girantes: do Fenômeno ao Método
As
chamadas “mesas girantes” popularizaram-se em Paris a partir de 1853, atraindo
curiosos, céticos e estudiosos. Rivail, homem da ciência e da educação, não se
deixou levar por entusiasmos fáceis. Sua postura inicial — de questionamento
racional — é semelhante à dos críticos de hoje, que rejeitam o Espiritismo sem
conhecê-lo a fundo.
Foi
apenas ao presenciar pessoalmente os fenômenos, em 1855, que reconheceu a
impossibilidade de fraudes ou ilusões simples. Ele então aplicou o método
experimental: observar, comparar, analisar causas e efeitos, deduzir
consequências e só admitir explicações que resistissem à lógica. Essa postura,
registrada em suas anotações e confirmada na Revista Espírita
(1858-1869), distingue o nascimento do Espiritismo do simples misticismo ou da
fé cega.
2. A Cesta-Escrevente: Símbolo da Transcendência
Se as
mesas chamaram a atenção, foi a cesta-escrevente que abriu o diálogo entre o
visível e o invisível. Nas reuniões com a família Baudin, duas jovens médiuns,
Julie e Caroline, transmitiam mensagens por meio desse instrumento rudimentar.
O que
para muitos era apenas passatempo, Rivail transformou em campo de pesquisa. Ali
percebeu que estava diante de uma revelação inédita: a sobrevivência do
Espírito humano, a continuidade da vida além da morte e a possibilidade de
comunicação entre os dois mundos.
Com rigor,
Kardec concluiu que os Espíritos não eram detentores de sabedoria absoluta, mas
seres humanos desencarnados em diferentes graus de evolução. Essa constatação
preservou o Espiritismo do fanatismo, ao mesmo tempo em que abriu caminho para
a construção de uma filosofia progressiva, baseada na razão e na moral.
3. O Espírito de Verdade e a Missão de Kardec
No dia
25 de março de 1856, Rivail recebeu uma resposta que marcaria sua vida: ao
perguntar quem era o Espírito que o orientava, ouviu: “Para ti, chamar-me-ei
Verdade”. Mais tarde, compreendeu que se tratava do Espírito da Verdade,
guia da Codificação e representante da promessa de Jesus: o Consolador.
Essa
assistência espiritual não se restringiu à elaboração de O Livro dos
Espíritos (1857). Como o próprio Kardec registrou em Obras Póstumas,
o Espírito da Verdade o acompanhou em toda a sua missão, inclusive auxiliando-o
nas dificuldades materiais, para que pudesse cumprir seu papel sem
impedimentos. Essa relação íntima entre plano espiritual e humano consolidou a
base da Doutrina.
4. A Falange do Consolador e o Impacto Histórico
O
advento do Espiritismo não foi obra isolada. Ele resultou da união de uma
equipe de Espíritos superiores — os mesmos que subscrevem os Prolegômenos
de O Livro dos Espíritos — e de inúmeros colaboradores encarnados,
conhecidos ou anônimos. Entre eles estavam médiuns, magnetizadores, escritores,
editores e companheiros de Kardec, além de sua esposa, Amélie Boudet, presença
fundamental em sua trajetória.
A
publicação das obras da Codificação, entre 1857 e 1868, não apenas restabeleceu
a pureza moral do Cristianismo, mas também inaugurou uma nova fase da relação
entre humanidade e espiritualidade. Do fenômeno aparentemente banal das mesas,
nasceu uma doutrina que oferece respostas racionais sobre a vida, a morte, a
justiça divina e o destino humano.
Conclusão
As
mesas girantes, ridicularizadas por muitos em seu tempo, tornaram-se símbolo do
início de uma nova era de entendimento espiritual. Como lembrou Kardec, Galvani
poderia ter sido ridicularizado pelas “rãs dançantes”, mas delas nasceu a
ciência da eletricidade. Assim também o Espiritismo: de uma cesta e de uma
mesa, instrumentos humildes, floresceu uma doutrina que une fé e razão, moral e
ciência, em harmonia com a promessa de Jesus sobre o Consolador.
Hoje,
mais de 168 anos depois, o Espiritismo permanece atual, oferecendo à humanidade
não apenas fenômenos, mas sobretudo princípios de transformação moral,
destinados à construção de um mundo de paz, justiça e fraternidade.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris, 1857.
- KARDEC, Allan. Obras
Póstumas. Paris, 1890.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869). Diversos artigos.
- PIRES, J.
Herculano. O Espírito e o Tempo. São Paulo: Edicel, 1964.
- MOREIL, André. La
Vie et l’Oeuvre d’Allan Kardec. Paris: Éditions Sperar, 1961.
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