terça-feira, 9 de setembro de 2025

AS MESAS GIRANTES E O NASCIMENTO DO ESPIRITISMO
DA CURIOSIDADE AO CONSOLADOR PROMETIDO
- A Era do Espírito -

Introdução

No século XIX, a Europa vivia uma efervescência intelectual marcada pelo avanço das ciências naturais, pelas transformações sociais e pelo surgimento de novos paradigmas filosóficos. Nesse cenário, um fenômeno aparentemente trivial — mesas que giravam em salões, para espanto ou diversão dos curiosos — tornaria-se o ponto de partida de uma das maiores revoluções espirituais da humanidade: o Espiritismo.

Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail), pedagogo renomado e discípulo de Pestalozzi, foi convidado a observar tais fenômenos em 1854. Inicialmente cético, submeteu-os à análise metódica e experimental, reconhecendo, mais tarde, que estava diante de uma chave capaz de explicar “o problema obscuro e controvertido do passado e do futuro da humanidade”. A partir das mesas girantes e da cesta-escrevente, nasceu a Codificação Espírita, que, sob a inspiração do Espírito da Verdade e de seus auxiliares e colaboradores, daria ao mundo uma síntese inédita entre ciência, filosofia e moral.

1. As Mesas Girantes: do Fenômeno ao Método

As chamadas “mesas girantes” popularizaram-se em Paris a partir de 1853, atraindo curiosos, céticos e estudiosos. Rivail, homem da ciência e da educação, não se deixou levar por entusiasmos fáceis. Sua postura inicial — de questionamento racional — é semelhante à dos críticos de hoje, que rejeitam o Espiritismo sem conhecê-lo a fundo.

Foi apenas ao presenciar pessoalmente os fenômenos, em 1855, que reconheceu a impossibilidade de fraudes ou ilusões simples. Ele então aplicou o método experimental: observar, comparar, analisar causas e efeitos, deduzir consequências e só admitir explicações que resistissem à lógica. Essa postura, registrada em suas anotações e confirmada na Revista Espírita (1858-1869), distingue o nascimento do Espiritismo do simples misticismo ou da fé cega.

2. A Cesta-Escrevente: Símbolo da Transcendência

Se as mesas chamaram a atenção, foi a cesta-escrevente que abriu o diálogo entre o visível e o invisível. Nas reuniões com a família Baudin, duas jovens médiuns, Julie e Caroline, transmitiam mensagens por meio desse instrumento rudimentar.

O que para muitos era apenas passatempo, Rivail transformou em campo de pesquisa. Ali percebeu que estava diante de uma revelação inédita: a sobrevivência do Espírito humano, a continuidade da vida além da morte e a possibilidade de comunicação entre os dois mundos.

Com rigor, Kardec concluiu que os Espíritos não eram detentores de sabedoria absoluta, mas seres humanos desencarnados em diferentes graus de evolução. Essa constatação preservou o Espiritismo do fanatismo, ao mesmo tempo em que abriu caminho para a construção de uma filosofia progressiva, baseada na razão e na moral.

3. O Espírito de Verdade e a Missão de Kardec

No dia 25 de março de 1856, Rivail recebeu uma resposta que marcaria sua vida: ao perguntar quem era o Espírito que o orientava, ouviu: “Para ti, chamar-me-ei Verdade”. Mais tarde, compreendeu que se tratava do Espírito da Verdade, guia da Codificação e representante da promessa de Jesus: o Consolador.

Essa assistência espiritual não se restringiu à elaboração de O Livro dos Espíritos (1857). Como o próprio Kardec registrou em Obras Póstumas, o Espírito da Verdade o acompanhou em toda a sua missão, inclusive auxiliando-o nas dificuldades materiais, para que pudesse cumprir seu papel sem impedimentos. Essa relação íntima entre plano espiritual e humano consolidou a base da Doutrina.

4. A Falange do Consolador e o Impacto Histórico

O advento do Espiritismo não foi obra isolada. Ele resultou da união de uma equipe de Espíritos superiores — os mesmos que subscrevem os Prolegômenos de O Livro dos Espíritos — e de inúmeros colaboradores encarnados, conhecidos ou anônimos. Entre eles estavam médiuns, magnetizadores, escritores, editores e companheiros de Kardec, além de sua esposa, Amélie Boudet, presença fundamental em sua trajetória.

A publicação das obras da Codificação, entre 1857 e 1868, não apenas restabeleceu a pureza moral do Cristianismo, mas também inaugurou uma nova fase da relação entre humanidade e espiritualidade. Do fenômeno aparentemente banal das mesas, nasceu uma doutrina que oferece respostas racionais sobre a vida, a morte, a justiça divina e o destino humano.

Conclusão

As mesas girantes, ridicularizadas por muitos em seu tempo, tornaram-se símbolo do início de uma nova era de entendimento espiritual. Como lembrou Kardec, Galvani poderia ter sido ridicularizado pelas “rãs dançantes”, mas delas nasceu a ciência da eletricidade. Assim também o Espiritismo: de uma cesta e de uma mesa, instrumentos humildes, floresceu uma doutrina que une fé e razão, moral e ciência, em harmonia com a promessa de Jesus sobre o Consolador.

Hoje, mais de 168 anos depois, o Espiritismo permanece atual, oferecendo à humanidade não apenas fenômenos, mas sobretudo princípios de transformação moral, destinados à construção de um mundo de paz, justiça e fraternidade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris, 1857.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Paris, 1890.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos artigos.
  • PIRES, J. Herculano. O Espírito e o Tempo. São Paulo: Edicel, 1964.
  • MOREIL, André. La Vie et l’Oeuvre d’Allan Kardec. Paris: Éditions Sperar, 1961.

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