Introdução
A
reencarnação é um dos princípios centrais da Doutrina Espírita, apresentada por
Allan Kardec como Lei Natural, manifestação da justiça e da bondade de
Deus. Longe de ser uma invenção moderna, a ideia da pluralidade das existências
encontra respaldo tanto na razão quanto em registros milenares.
No
campo religioso, especialmente no cristianismo, a reencarnação é frequentemente
contestada, em grande parte devido a interpretações restritivas das Escrituras.
Contudo, uma leitura cuidadosa da Bíblia, em diálogo com a lógica espírita,
permite perceber que a reencarnação está implícita em diversos trechos, sendo a
única explicação capaz de conciliar as aparentes desigualdades da vida com a
justiça divina.
Este
artigo analisa a presença da reencarnação na Bíblia, à luz da Doutrina Espírita
codificada por Kardec, da Revista Espírita (1858-1869) e de obras
complementares, buscando mostrar sua coerência lógica e moral.
1. A lógica da reencarnação
Sem a
reencarnação, torna-se impossível atribuir justiça a Deus. Afinal, como
explicar as desigualdades sociais, físicas e morais do mundo?
- Por que uns nascem
com saúde e outros doentes?
- Por que uns têm
facilidades intelectuais, enquanto outros enfrentam grandes dificuldades?
- Por que uns morrem
na infância e outros alcançam idade avançada?
- Por que alguns
vivem em lares de paz, enquanto outros nascem em ambientes de violência ou
guerras?
Se
admitíssemos apenas uma existência corpórea, Deus pareceria parcial,
privilegiando uns e punindo outros sem causa justa. A reencarnação, porém,
revela-se como mecanismo de igualdade e oportunidade, no qual cada
Espírito, em sucessivas vidas, recolhe os frutos de suas escolhas e tem novas
chances de progresso.
2. O testemunho bíblico
Embora
a palavra reencarnação não apareça na Bíblia, a ideia está presente em
diversos trechos.
2.1. “Nascer de novo”
Em diálogo com Nicodemos, Jesus afirmou:
“Em verdade, em verdade
te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus.” (João 3:3)
A interpretação literal de Nicodemos (“pode,
porventura, voltar ao ventre materno?”) é corrigida por Jesus, que esclarece a
necessidade de um novo nascimento espiritual. A leitura espírita entende esse
trecho como referência direta à reencarnação.
2.2. Elias e João Batista
O exemplo mais claro está na relação entre Elias e
João Batista. Jesus afirmou explicitamente:
“E, se o quereis
reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. Quem tem ouvidos para
ouvir, ouça.”
(Mateus 11:14-15)
Além disso, as semelhanças de missão, conduta e até
destino (Elias matou profetas, João Batista foi decapitado) confirmam a lei de
causa e efeito em ação.
2.3. Outras passagens
·
Jó 1:21: “Nu saí do
ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá.” – referência ao retorno do
Espírito ao plano espiritual.
·
Isaías 48:8: descreve alguém já como transgressor “desde o
ventre”, o que só pode ser explicado pela existência anterior do Espírito.
3. Equívocos comuns: ressurreição x reencarnação
Muitos
confundem os termos “ressurreição” e “reencarnação”. No tempo de Jesus, a
crença popular era de que o Espírito retornaria ao mesmo corpo após a morte.
Assim, os evangelistas usaram o termo “ressurreição”, quando, em verdade, a
Doutrina Espírita esclarece que o Espírito volta em novo corpo, com nova
identidade.
O
próprio Cristo, ao dizer que ressurgiria ao terceiro dia, não se referia a uma
reencarnação, mas a sua reaparição em corpo espiritual, fenômeno presenciado
pelos discípulos.
4. O esquecimento do passado
A
Bíblia registra que João Batista negou ser Elias (João 1:21). À primeira vista,
pareceria uma contradição. Contudo, o Espiritismo explica: durante a
encarnação, o Espírito passa pelo esquecimento temporário das vidas
anteriores, mecanismo pedagógico que garante o mérito das conquistas atuais
e protege contra o peso das culpas passadas.
Esse
esquecimento não apaga, porém, as tendências, aptidões e habilidades
adquiridas, visíveis em crianças que demonstram talentos precoces ou tendências
morais desde cedo.
5. Atualidade do tema
A
ciência moderna, sobretudo por meio dos estudos da psicologia e da psiquiatria
(casos de lembranças espontâneas de vidas passadas, como documentados por Ian
Stevenson), reforça a tese da reencarnação. Esses registros dialogam
diretamente com a explicação espírita sobre memórias sutis da alma que
sobrevivem ao tempo.
Diante
das crises atuais — desigualdades sociais, guerras, preconceitos —, a
reencarnação se apresenta como resposta lógica e consoladora, pois revela que ninguém
está condenado eternamente, e todos caminham rumo à perfeição por meio da
lei do progresso.
Conclusão
A
Bíblia, quando lida de forma ampla e à luz da razão, oferece claros indícios da
reencarnação. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, não apenas
confirma essas passagens como lhes confere sentido lógico, mostrando que a
pluralidade das existências é a única forma de conciliar a justiça, a bondade e
a misericórdia de Deus com as aparentes desigualdades da vida.
Jesus
ensinou que é preciso “nascer de novo” para alcançar o Reino de Deus. Esse
renascimento é o processo da reencarnação — oportunidade bendita de
reconstrução, aprendizado e progresso.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido (pelo Espírito Emmanuel). A Caminho da Luz. FEB, 1939.
- STEVENSON, Ian. Vinte
Casos Sugestivos de Reencarnação. 1974.
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