Introdução
O ser
humano é, por natureza, um espírito imortal que, em cada encarnação, encontra
na Terra um território e um grupo social para desenvolver suas experiências.
Embora a Doutrina Espírita ensine que somos, em essência, cidadãos do universo,
cada existência terrena exige um ponto de referência, um “lugar” que nos acolhe
e nos molda. É nesse território — geográfico, cultural e afetivo — que o
Espírito encontra oportunidades para crescer moralmente, relacionar-se,
cultivar valores e aprender a conviver com as diversidades.
Se o
Espiritismo é universalista e transcende fronteiras, ele também reconhece que a
vida encarnada nos obriga a valorizar o espaço e a cultura nos quais estamos
inseridos. Mais que uma questão política, trata-se de uma exigência moral:
aprender a respeitar a diversidade, cooperar e construir coletivamente uma
sociedade mais justa.
Território, lugar e pertencimento
Allan
Kardec (em A Gênese, cap. XVIII) já apontava que a humanidade vive um
período de transição, deixando para trás formas de organização baseadas na
opressão, no egoísmo e no autoritarismo. O território, nesse contexto, é mais
do que espaço físico: é o laboratório da vida moral.
Ao
nascer em determinada região, o Espírito encontra uma língua, uma cultura, uma
memória coletiva. Esse vínculo favorece sua integração social, fortalece a
solidariedade e combate o sentimento de isolamento. A Doutrina Espírita nos
lembra que não estamos no mundo ao acaso (O Livro dos Espíritos, q.
258-273); nossas condições de vida, inclusive o local onde nascemos, são
instrumentos educativos escolhidos conforme as necessidades de progresso.
Globalização e os riscos da alienação moral
O
processo de globalização, embora facilite a circulação de ideias e de pessoas,
também gera desterritorialização e perda de vínculos culturais. Muitos
indivíduos, desenraizados de suas tradições, sofrem com a chamada “morte
psíquica”, isto é, a perda de referências que dão sentido à vida.
Do
ponto de vista espírita, esse fenômeno é mais que social: é moral. Quando uma
sociedade privilegia o consumismo e o individualismo em detrimento da
solidariedade, instala-se um vazio interior. A alienação espiritual
manifesta-se na dificuldade de encontrar significado na existência, levando a
desequilíbrios emocionais, à violência e ao aumento das desigualdades.
A função moral da cidade
As
cidades são, em última análise, expressões coletivas do estado moral de seus
habitantes. Nelas se desenvolvem experimentos políticos, econômicos, culturais
e religiosos. Se a competição e o lucro desenfreado dominam, geram exclusão;
mas se valores éticos e fraternos orientam a convivência, as cidades se tornam
berços de progresso moral e social.
Na Revista
Espírita (dezembro de 1868), Kardec enfatizou que a verdadeira revolução
esperada pela espiritualidade não é a das armas, mas a revolução moral,
capaz de transformar consciências. Essa revolução começa no território íntimo
de cada ser humano e se expande para os lugares em que vive, transformando-os.
Diversidade, religiosidade e tolerância
Outro
ponto essencial é o respeito à diversidade cultural, religiosa e de gênero. O
mundo globalizado frequentemente tenta homogeneizar modos de vida, apagando singularidades.
No entanto, para o Espiritismo, a pluralidade é lei da natureza: espíritos
diferentes, em graus distintos de evolução, convivem lado a lado, aprendendo
uns com os outros.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XI), lemos que a lei de amor é a base
da vida social. Isso exige tolerância, respeito às diferenças e rejeição de
toda forma de preconceito. A diversidade cultural e religiosa não deve ser
vista como ameaça, mas como oportunidade de crescimento mútuo.
O paradigma emergente: cidadania moral e espiritual
Se o
modelo atual privilegia a concentração de riquezas e a exploração da natureza,
os sinais de um novo tempo já se manifestam. Esse novo paradigma, apontado
tanto pela ciência quanto pela espiritualidade, baseia-se na cooperação, na solidariedade
e no respeito à vida em todas as suas formas.
Para o
Espiritismo, esse é o caminho do mundo de Regeneração, previsto por Kardec em A
Gênese. Trata-se de uma transformação moral coletiva, na qual a cidadania
vai além de direitos políticos: envolve o compromisso de cuidar do próximo, do
território e da Terra como patrimônio comum.
Conclusão
O
território é mais do que espaço físico: é cenário de experiências espirituais e
campo de aprendizado moral. A Doutrina Espírita nos convida a superar o individualismo
e a viver a verdadeira cidadania, fundada na lei de amor, na solidariedade e no
respeito à diversidade.
As
dificuldades atuais — globalização excludente, desigualdades sociais, crises
culturais — são sinais de um modelo em decadência. Mas, como ensina Kardec, “a
humanidade está madura para compreender ideias mais amplas” (A Gênese,
cap. XVIII). Cabe a cada um de nós transformar o lugar em que vivemos num
espaço de fraternidade, contribuindo, assim, para a regeneração da humanidade.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido (pelo espírito Emmanuel). A Caminho da Luz. 1939.
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