Introdução
O dia 31
de março de 1848 é lembrado como um marco na história espiritual da humanidade.
Nessa data, na pequena localidade de Hydesville, no Estado de Nova Iorque
(EUA), a família Fox vivenciou fenômenos extraordinários que inauguraram uma
nova etapa no relacionamento entre o mundo material e o espiritual. Os
acontecimentos, inicialmente vistos como simples curiosidade ou superstição,
repercutiram em diferentes países, despertaram o interesse da ciência e
prepararam o terreno para a Codificação Espírita realizada por Allan Kardec, na
França, poucos anos depois.
O Caso de Hydesville
A família
Fox, composta por John e Margaret Fox e suas filhas Leah, Margareth e Kate,
mudou-se em 1847 para uma casa considerada mal-assombrada pela vizinhança. Ali,
estranhos ruídos e batidas se tornaram constantes, até culminarem, em 31 de
março de 1848, em um diálogo rítmico estabelecido pela jovem Kate com uma
entidade invisível.
Por meio
de um código simples, os Fox descobriram que se tratava do espírito de Charles
B. Rosma, um mascate assassinado naquela mesma residência. A revelação causou
espanto, e logo centenas de pessoas passaram a visitar a casa, testemunhando os
fenômenos.
No verão
de 1848, David Fox, irmão de John, decidiu realizar novas escavações na adega,
auxiliado por alguns interessados. A cerca de um metro e meio de profundidade,
encontraram uma tábua, depois carvão, cal, cabelos e fragmentos de ossos que um
médico identificou como humanos. Contudo, as provas foram consideradas
insuficientes, razão pela qual o suposto assassino, Sr. Bell, nunca foi
formalmente acusado.
Mais de
meio século depois, em 23 de novembro de 1904, o Boston Journal publicou
uma notícia que confirmava os relatos iniciais: em Hydesville, meninos que
brincavam em meio aos escombros da antiga casa encontraram um esqueleto humano
escondido atrás de uma parede da adega. Junto aos ossos havia uma lata típica
usada por mascates. A descoberta corroborava, 56 anos depois, a narrativa transmitida
pelo espírito às irmãs Fox em 1848. Atualmente, essa lata está preservada em
Lily Dale, sede central do espiritualismo nos Estados Unidos, para onde a velha
cabana foi transferida como memória histórica.
Das Perseguições às Investigações Públicas
Com a
repercussão dos fatos, a família Fox mudou-se para Rochester. Lá, enfrentaram
severa resistência: o pastor metodista local exigiu que as meninas abjurassem
suas práticas mediúnicas sob pena de expulsão da igreja. Como se recusaram,
foram desligadas da comunidade religiosa.
Em
Rochester, as irmãs foram submetidas a três investigações públicas no
Corinthian Hall. Sofreram humilhações e rigorosos testes: foram despidas,
vestidas novamente com roupas amarradas ao corpo, colocadas sobre pisos
isolantes e cercadas por precauções destinadas a impedir qualquer suspeita de
fraude. Apesar disso, as manifestações continuaram: ouviram-se pancadas
distintas em paredes, assoalhos e objetos, e as respostas às perguntas –
inclusive algumas formuladas mentalmente – foram registradas corretamente pelas
comissões de investigação.
Esses
episódios demonstraram a autenticidade dos fenômenos, reforçando a tese de que
não eram fruto de truques, mas de uma realidade nova que escapava às
explicações convencionais da época.
Das Mesas Girantes à Codificação Espírita
Os
fenômenos das irmãs Fox despertaram curiosidade em diferentes países,
especialmente na Europa, onde se popularizaram como “mesas girantes”.
Inicialmente tratados como diversão nos salões aristocráticos, esses fatos logo
chamaram a atenção de estudiosos sérios.
Na
França, Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec, aplicou
método de observação e crítica, separando o acessório do essencial. O resultado
foi a publicação de O Livro dos Espíritos (1857), obra que inaugurou o
Espiritismo como doutrina filosófica, científica e moral, sistematizando o
conteúdo das comunicações mediúnicas.
As Irmãs Fox e o Preço da Pioneira Mediunidade
Kate e
Margareth, ainda adolescentes, foram pressionadas a repetir incessantemente as
manifestações em público, o que resultou em grande desgaste físico e
psicológico. Ambas desencarnaram em 1890, debilitadas por alcoolismo e perda da
saúde mental. Leah, a mais velha, manteve postura mais equilibrada e
compreendeu melhor o alcance histórico dos fenômenos.
O triste
fim das irmãs Fox ilustra a necessidade de encarar a mediunidade com seriedade
e disciplina. Como ensina Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, a
mediunidade é uma faculdade natural que deve ser utilizada com finalidade moral
e edificante, jamais como espetáculo ou objeto de exploração.
A Repercussão Histórica e Atual
O caso de
Hydesville não foi a criação do Espiritismo, mas seu estopim histórico. As
manifestações das irmãs Fox despertaram o interesse social e científico, que
encontrou em Kardec o intérprete capaz de extrair das manifestações uma
filosofia coerente e universal.
Hoje, o
Espiritismo está consolidado em diversos países, inclusive com forte presença
no Brasil, e segue oferecendo respostas racionais sobre a imortalidade da alma,
a comunicabilidade dos espíritos e a lei de progresso que rege o destino
humano.
Conclusão
O
episódio das irmãs Fox, mesmo cercado de dores pessoais e incompreensões, foi
decisivo para a abertura de um novo ciclo de conhecimento espiritual. Se os
fatos de Hydesville chamaram a atenção do mundo, coube a Allan Kardec
transformá-los em Doutrina, organizando-os sob bases racionais e universais.
Assim, o Espiritismo não se apoia apenas em fenômenos extraordinários, mas em
princípios filosóficos e morais que convidam à transformação interior e ao
progresso da humanidade.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- DOYLE, Arthur Conan. História
do Espiritismo. São Paulo: Ed. Pensamento, 1990.
- CAPRON, E. W. Modern
Spiritualism. EUA, 1855.
- DEXTER, John Worth. Spiralism.
EUA.
- RIZZINI, Jorge. Irmãs Fox
e outros. São Paulo: Eldorado Espírita.
- Boston Journal. 23 de novembro de 1904.
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